João Rubinato, filho de
imigrantes italianos, que vieram de Veneza para Valinhos, no Estado de São
Paulo. O pseudônimo Adoniran Barbosa,
ele passou a usar por volta de 1935. Mas, como toda história, esta também tem
seu começo.
Seus pais Francesco Rubinato
e Emma Ricchini se casaram em Cavarzere, Veneza, em 1895 e poucos meses depois embarcaram para o
Brasil em busca de uma vida melhor, desembarcando em Santos em 15 de setembro
de 1895. Eles passaram pela Hospedaria dos Imigrantes e foram para o interior
trabalhar nas lavouras.
Em Valinhos:
-E lá nóis
fumo nascendo, fumo nascendo, fumo nascendo, fumo nascendo, fumo nascendo, fumo
nascendo, e eu também fui nascendo, o
sétimo, contou Adoniran. Mais ou menos depois da guerra de Canudos. Depois veio
outra guerra, a de 1914, e quando acabô,
eu já tinha 8 anos de idade. Bunito”.
Adoniran nasceu no dia 6 de agosto de 1910. E continua: como naquele tempo não tinha
jardim da infância, eu frequentava era as ruas da infância. Dá samba, não? Durou pouco a brincadeira, pois daí a uns par
de meis mudamos pra Jundiaí e lá me
enfiaram num grupo escolar. Fiquei lá dentro a muque, só até o terceiro ano. As
aulas eram de manhã e de tarde eu ia ajudar meu pai a carregar vagão na Estrada
de Ferro São Paulo Railway – depois Santos a Jundiaí: tijolos, telhas,
lenha. Naquele tempo eu já dizia: “Vamo João , tem muita lenha para
carregar. Pra você ver que esse negócio
de dizê:” tem muita lenha”,
“é uma lenha”, não é coisa tão nova assim.
- Depois saí do grupo, larguei de ajuda meu pai e
arranjei um emprego gostoso de entregador de marmita do Hotel Central. Bom entregá marmita. No meio do caminho eu
abria as tampas e afanava uns pastéis ou uns bolinhos. Mas antes de fazer isso
eu somava e diminuía pra ver se não ia faltar nas casas, pra alguma criança,
sobretudo. Aí não afanava não, tinha pena, ficava com dó. Quase sempre eles
botavam a mais e eu podia comer uns par
de bolinhos e de pastéis. Gostoso! Ah, tô
floreando a coisa pra parecer bonzinho... Ficava com dó nada, eu comia mesmo,
desse o que desse a conta. Gosto tanto de pastéis que me apelidaram de Rei da
Estufa. Mas daí, deu reclamação e me mandaram embora.
- Depois fui trabalhar numa fábrica de tecidos, mas
como varredor. Ainda ouço a turma me chamando: “Ei, Joanim Barredô!”.
Trabalhava das 4 horas da tarde às 11 da noite e ganhava 400 réis por hora. Mas
veio a revolução de 1924 e fumo morar
em Santo André. Lá fiz de tudo. Vai anotando: tecelão, pintor, encanador,
serralheiro, etc. e tal. No duro, o que eu precisava era um serviço mais leve,
não moleza. Bolei ser mascate, Vendia meias e retalhos nas ruas, por aqueles
bairros pobres. Andava o dia inteiro. Ajudava o serviço cantar um pouco. Sem
querer, fui fazendo uns sambas, enquanto andava. E peguei esse jeito de compor,
andando, até hoje... Mas esses sambas de mascate eram na base do deixa-pra-lá,
porque eu achava todos ruins e feios. Já pensou que tem sambas ruins que não
são feios e feios que não são ruins? Eu não tinha jeito pra mascate – nunca
aprendi a fazer negócio. Comprava um par de meia por 10 mil-réis, vendia por 8,
pra acabar logo com a mercadoria e me mandá
pra casa. Não dava pé, nem meia, muito menos lucro.
- Tamos
agora lá por 1926/1927. Fiquei um tempão desempregado, dureza, dureza. Tavam procurando um empregado
doméstico. Um amigo chegou, pegou e me disse: “João, vai naquela casa, tão
querendo um garção”. Aí eu falei pro meu amigo: “Magina, seu, eu garção? Num sei nem o que é isso”. Mas fui e comecei a trabaiá no outro dia.
Adoniran conseguiu ficar como
garçom. Quem lhe ensinou o trabalho foi a filha do dono da casa onde se
empregou. O patrão era Pandiá Calógeras,
ministro da Guerra. Mas o ministro transferiu-se para o Rio de Janeiro e Adoniran ficou desempregado novamente.
Empregado/desempregado/empregado/desempregado: tudo isso estava se tornando
cansativo. Adoniran chegou a conclusão
de que o melhor era conhecer um ofício. E foi o que fez, no Liceu de Artes e
Ofícios, onde aprendeu a profissão de metalúrgico-ajustador. Mas o trabalho com esmerilhamento de ferro
fundido acabou prejudicando seus pulmões e novamente se viu desempregado. Outros empregos vieram: loja de ferragens,
uma agência da Ford, e loja de tecidos na Rua 25 de Março.
- Aí eu era entregador das compras que as madamas faziam
lá. Nessas caminhadas passava sempre na Rádio Cruzeiro do Sul, no Largo da
Misericórdia. Fiquei conhecendo o Paraguaçu, Januário de Oliveira e muita gente
boa daquele tempo. Era o Zezinho do banjo, o Zé Carioca do filme de Walt
Disney, o Gaó, Jorge Amaral, um monte de gente boa.
- Mas eu ainda não tinha entrado no meio artístico.
Vivia batucando e cantando e tinha feito algumas músicas. A primeira eu fiz com
o Pedrinho Romano, um amigo, e chamava MINHA VIDA SE CONSOME, e TEU ORGULHO
ACABOU, esta com Viriato dos Santos. Depois parei de fazer, porque eu
trabalhava no comércio e não dava. Mas aos sábados tinha a hora do calouro.
Cismei e todo sábado me arriscava. Era
só começá e lá vinha o gongo. Mas eu
não desistia. Um sábado, o homem do gongo devia de está distraído e consegui chegar até o fim num samba do Noel – Filosofia. Jorge Amaral era o anunciador do
programa da Rádio Cruzeiros do Sul, PRB-6. Fui aprovado, mas nada de dinheiro.
- Daí me contrataram pra cantar. Quem me convidou foi
o Paraguaçu. Fazia um programa semanal de 15 minutos com o regional – Garoto,
violão-tenor, Aimoré, violão, Petit, violão, Pingo, no pandeiro, Pinheirinho,
no cavaquinho, e Ernesto, na flauta. Eu cantava sambas de outros compositores.
Fiquei fazendo esse programa na Rádio Cruzeiro do Sul até 1940 e poucos. Aí eu
já fazia programa falado como locutor, animador de programa de discos. Arrumava
os anúncios e fazia o meu programa. Era mais ou menos um disc-jockey, e no meio
eu cantava um sambinha meu. Mas eu não
saía do Largo da Misericórdia, não largava a turma. Andava num arrois que dava gosto. Tava
sempre na boca do cafezinho dos outros pra tomar o meu, no peito ou de favor de
amigo. Na hora das refeições, todos se mandavam e eu ficava sozinho. Pros cafés
e pras brancas eles convidava,
sempre pros negativos, mas pros positivos, sanduíches, refeição, ninguém. Não tou queixando, ninguém ali tinha de
sobra. Um sambista então me ensinou um babado fino: ficar faixa dos
funcionários da Prefeitura e depois se mancar na porta onde tinha fila. Por uns
mil-réis, quebrava os galhos do pessoal das filas com os meus amigos lá dentro.
Ganhei tão bem que até mudei de um quartinho michuruco na Ladeira Porto Geral
para uma pensão na Rua Liberdade.
- Agora é 1935. Tinha o concurso da Prefeitura de São
Paulo pra música de carnaval. O Jota Aimoré, pianista do Rio de Janeiro, fez
uma melodia e me disse: “ Vamos ver se o nosso sangue combina”. Eu botei a
letra e concorremos com a marcha DONA BOA. Fiz essa música na Rua Direita.
Quando passava uma moça bonita o pessoal olhava e dizia: “Ô dona boa!”. A
música começava assim: “Dona boa – Dona Boa, Vem pro cordão, não fique assim à
toa...”.
Adoniran acha essa música
ruim. Mas ela ganhou o primeiro lugar no concurso. Januário de Oliveira foi
quem a defendeu no Teatro Boa Vista. E,
mais tarde, Raul Torres gravou-a na Columbia, atual ( 1978) Continental. O prêmio foi de 500 mil-réis. Era muito
dinheiro para os dois compositores. Com o cheque na mão, saíram à rua, seguidos
por um montão de amigos. Adoniran queria guardar o dinheiro, que serviria para
pagar um paletó que mandara fazer. Mas aí...
- Eu disse pro meu companheiro : “vamos embora. Amanhã nóis troca o cheque e divide, tá bem
assim.?” Ele disse: “não, que nada. Você
conhece todo mundo aqui. Vamos trocar agora mesmo”. Aí entra a curriola: “ É
isso mesmo, troca o cheque. Vamos lá no Café Chenique, que eles troca pra voceis”. Eu não queria, pois sabia que,
se trocasse, a gaita ia toda aquela noite. Mas não teve jeito. Mora se dava,
com a turma em coro: “ troca o cheque e paga alguma coisa pra nóis, a gente batemos palmas pra tua marcha, sem nóis voceis não ganhava”. Aí eu falei: “ Tá bom, mas da minha parte eu não posso gastar nem um tostão,
porque mandei fazer um palitó e
tenho que ir buscar amanhã”. Pois sim! Ali na Praça da Sé, pela noite toda,
bebemos o meu palitó.
- No fim de 1941 fui pra Rádio Record, levado pelo Otávio Mendes.
Trabalhava com ele fazendo novela e rádio-teatro. O programa de
rádio-teatro se chamava Serões Domingueiros.
Então eu funcionava como ator. Acabei ficando só na Record, onde fiquei amigo
de Oswaldo Molles, Raul Duarte, Teófilo de Almeida Sá. No ano seguinte
encontrei o maior sujeito do mundo, o Barreto Machado. Era rádio-ator e ganhava um conto de réis por
mês e só fazia um programa. Eu trabalhava todos os dias e recebia 30 mil réis
por programa. Me queixei pro Teófilo de
Almeida Sá, na Record e ele me disse: “ Fala com o Barreto, vê se ele quer
dividir o dele com você”. Fumo os dois falá com o Barreto. Ele nem discutiu: “Vamos dividir sim, é justo,
num tem nada, tá dividido.” Nessa época eu
já estava morando na Rua Aurora.
- O Molles, que fazia o programa Casa da Sogra,
criou um tipo pra mim, o malandro Zé Cunversa. Agradei, e
ele inventou outros personagens: Zé
Cunversa e Catarina – que eu fazia com a
Maria Amélia -, Moisés Rabinovic,
judeu das prestações, Jean Runinet,
galã do cinema francês, Richard Morris,
professor de inglês, Dom Segundo Sombra,
cantor de tango-paródia, o Perna Fina,
chofer italiano, Comendador Gigio Magnagati etc... Depois a Record contratou o Gilberto Martins e ele produziu o
programa Escola Risonha e Franca,
e para esse programa ele criou um personagem, o moleque Barbosinha
Mal-educado da Silva. Foi um sucesso.
O programa era de auditório e começava às 6 horas. Às 3 horas já tinha uma fila
enorme na Rua Quintino Bocaiuva. E já naquele tempo as moças tiravam lenço e
gravata da gente. Muitas mocinhas levaram meus lenços e minhas gravatas. O
Barbosinha era cartaz. Durante o dia levavam o programa Casa da Sogra, onde eu
vivia aqueles outros personagens. Ao fim
da tarde era a hora do Barbosinha e à noite eu ainda fazia o programa O
Crime não compensa. Meu papel era sempre o do criminoso. Fazia também os
tipos estrangeiros e os crioulos da história do crime.
Em 1936, Adoniran casou-se
com Olga Krum, com quem teve sua única filha, Maria Helena Rubinato, nascida em
23 de setembro de 1937. O casal desquitou-se em 1943. Após o desquite, constituiu
nova família com Matilde de Lutiis, que o acompanhou até a morte, mas nunca
tiveram filhos.
fonte: Nova História da Música Popular Brasileira - Abril Cultural - 1978
fotos: google
vídeo: youtube