Os anos foram passando.
Apesar de todo o seu trabalho e sucesso no rádio, Adoniran não esquecia o
samba. Assim, em 1947, compôs ASA NEGRA, gravada por Hélio Sindô, na
Continental. Era um samba mais ou menos na base da dor-de-cotovelo:
“ depois que aquela mulher me
deixou/ minha vida melhorou/ se eu soubesse disso,/teria deixado aquela mulher
há mais tempo./ Hoje vieram me dizer/ que ela vive a sofrer/ e não sabe o que
fazer/ eu sei por quê:/ela era a minha asa negra.
Mas, então as coisas mudaram
de rumo novamente.
- Aí o Molles saiu da Record e foi para a Bandeirantes. E eu fui fazer
cinema. Trabalhei para a Cinédia, com o Adhemar Gonzaga: Pif-Paf e Caídos do céu, com Dercy Gonçalves.
Em 1952 fiz O Cangaceiro e fumo premiado em Cannes. A
filmagem foi em Vargem Grande. Quando voltei o Molles estava de novo na Record
e tinha escrito pra mim a História das Malocas. Eu já tinha gravado o
samba em 1950, e ele escreveu em cima da música e criou o personagem Charutinho,
não porque eu fumasse charuto, mas porque eu era corintiano, e ainda sou – e na
época o Coríntians estava pras cabeça. O presidente do Coríntians fumava
charuto e daí o nome. Esse programa era apresentado sexta-feira à noite e reprisado no domingo às 11 horas. Foi sucesso total e
ficou dez anos no ar. Acabou em 1965.
- Agora começa as ondas dos sambas. Em 1951 fiz MALVINA,
gravado pelos Demônios da Garoa:
“Malvina,
você não vai me abandoná
Não
pode. Sem você como é que eu vou ficá?”
Foi premiada no carnaval desse ano com votação dada
pelos jornais. O concurso foi
instituído pela Organização Rádios
Assunção, que ficava na Praça da República.
O prêmio foi de 10 contos.
Aí fiz JOGA A CHAVE
de parceria com Oswaldo França e que também foi gravado pelos Demônios
da Garoa. Todo mundo aqui em São Paulo cantou a música:
“joga
a chave meu bem, que aqui fora tá ruim
demais.
Cheguei
tarde, perturbei o teu sono,
Amanhã
eu não perturbo mais”.
- Ah, eu tinha um cachorrinho, o Peteleco. De noite
saía pra dar um passeio com ele pela Rua Aurora. O prédio onde funcionou
primeiro o Hotel Albion, e depois o cine Áurea, ficou abandonado uma porção de
tempo. Uns e outros sem compromisso, que para ganhá pra cachaça e pro sanduíche faziam biscates nas feiras,
lavavam carros ou eram engraxates, de noite se escondiam lá dentro, pois não
tinham onde dormir. Eu conhecia todos – O Mato Grosso, o Joca, o Corintiano. Eu
visitava eles, junto com o Peteleco, naquela moradia. A gente batia papo, se
entendia e se queria bem. No dia que começo a demolição do casarão, cheguei lá
e num vi mais nenhum dos meus amigos. Sumiram, fiquei triste e tive a ideia de
fazer um samba pra eles. Tava na rua andando, do Viaduto do Chá
para a Quintino Bocaiúva, e o samba foi saindo , letra e música tudo junto.
“
Saudosa maloca, maloca querida,
Din-din-donde
nóis passemo
Os
dias feliz da nossa vida.”
Saudosa Maloca - Demônios da Garoa
Saudosa Maloca - Demônios da Garoa
SAUDOSA MALOCA fez enorme
sucesso. A música rendeu na época 90 000 cruzeiros ao compositor. Depois
vieram: AS MARIPOSA, SAMBA DO ARNESTO,PROGRÉSSIO, ABRIGO DE VAGABUNDOS,
IRACEMA. Todas gravadas pelos Demônios
da Garoa.
Samba do Arnesto, baseada num
fato verídico, teve problemas para ser gravada. Adoniran explica:
- O Samba do Arnesto eles não queriam gravar porque
falava um português errado: “ nóis vai,
nós vorta”. Mas é bobagem, porque todo mundo fala assim, e fui eu quem
criou estas expressões: “morrer de rir”,
“sai água da minha boca”, “ aqui, Gerarda”, “depois que nóis vai, depois que
nóis vorta”, etc . E pegou mesmo.
Fiz o Samba do Arnesto em 1955. A primeira gravação
fui eu que fiz. Um dia saí da Record e fui à procura do Joca e do Mato Grosso.
Eles tinham me convidado para um samba na casa de um amigo do Joca que morava
no Brás. O amigo do Joca se chamava
Ernesto, mas a turma chamava ele de Arnesto. Apanhamos o bonde na Praça Clóvis
e rumamos para o Brás. Descemos na Rua Bresser e caminhamos até a terceira
travessa, onde morava o Arnesto. Era um cortiço, e quando chegamos lá, ficamos
sabendo que o Arnesto não tinha recebido o dinheiro que esperava para fazer o
baile. Envergonhado, fechou a maloca e se mandô
pra Penha. Decepcionados, voltamos para a cidade e dentro do bonde veio a
vontade de fazer esse samba. Mato Grosso que era mais valente, prometeu dar uma
surra no Arnesto pela falta de consideração. Mas depois ficou sabendo o motivo
da fuga e resolveu esquecer o incidente.
Depois que o progama História das Malocas saiu do ar, Adoniram
ficou meio parado. E a morte de Oswaldo Molles deixou um branco em sua carreira
humorística. Em 1965 foi gravada a
música TREM DAS ONZE, que ganhou o primeiro prêmio de músicas de carnaval do
Rio quatrocentão. Depois, Adoniram
compôs MULHER, PATRÃO E CACHAÇA, e VILA
ESPERANÇA. Esta última, de parceria com
Marcos César, ganhou o segundo lugar num concurso da TV Tupi, rendendo ao
compositor 5 000 cruzeiros. Fora isso ele participou de alguns programas
humorísticos. Com Renato Corte Real fez
o Papai Sabe Nada, e trabalhou também na novela Ceará contra 007. História das Malocas que fizera sucesso no
rádio, foi levado para a televisão, mas só resistiu três programas. Depois disso, Adoniran não fez mais nada em
televisão, esteve meio relegado ao esquecimento. Isso, em termos de televisão.
- Um dia, conta Adoniran, eu estava com a Aracy de
Almeida, no auditório da Rádio Record, e ela me mostrou uma carta que tinha
recebido do Vinicius de Moraes, que estava em Paris, trabalhando na Embaixada.
Dentro vinha dois versinhos. Embaixo, dizia: “Aracy, faça o que quiser com
estes versos”. Ela feis: deu prá mim botá música. O nome do poema era Bom
Dia, Tristeza. Eu botei, sabe? Assim é que, sem nos conhecermos, eu e o
Vinicius fomos parceiros. Quem gravou a música foi a Aracy e depois o Mauricy Moura.
Bom dia, tristeza,
Que tarde, tristeza
Você veio hoje me ver
Já estava ficando
Até meio triste
De estar tanto tempo
Longe de você
Se chegue, tristeza,
Se sente comigo
Aqui,
Nesta mesa de bar
Beba do meu copo
Me dê o seu ombro
Que é para eu chorar
Chorar de tristeza
Tristeza de amar
Bom Dia Tristeza - Araci de Almeida
Tudo isso Adoniran contou
tranquilo em sua casa na Cidade Ademar (década de 70). O terreno ele comprou
com o dinheiro que ganhou com Saudosa Maloca, e a casa foi construída
com o dinheiro do Trem das Onze.
Mas de tanto calo que a vida
lhe dera, Adoniran achou que Trem das Onze era seu canto de cisne, que tudo ia
ficar bem por um tempinho e que depois viria o fatal esquecimento. Só que dessa
vez não foi bem assim; os mais moços gostaram de seu trabalho e ele começou a
ter trânsito em novas áreas. Com seu jeito simpático de paulistano velho, ele
ia se apresentando para gente que pouco ouvira falar daquelas coisas de antigos
bairros e seus personagens.
Em pouco tempo o homem que
sabia ver a poesia da multidão de São Paulo ficou famoso e admirado, com
músicas apreciadas pelas novas gerações e analisadas por intelectuais. Em 1973,
Adoniran lançava o primeiro LP, cantando composições suas. Dois anos depois,
sairia outro LP, na mesma época em que se inaugurava o metrô da cidade, citado
no samba TRISTE MARGARIDA (para conquistar uma mulher, ele mentiu que era
engenheiro do metrô de São Paulo, prometendo que ela seria a primeira
passageira na inauguração. Mas o caso de
amor terminou quando, passando de ônibus pela 23 de Maio, sua amada o viu
plantando grama no barranco da avenida; por outro lado ele descobriu que ela,
“orgulhosa e convencida”, “ não passa de
uma triste margarida” – apelido dado às varredoras de rua.
Em 1978, como homenagem à nova Praça da Sé, e em
comemoração aos seus 40 anos de carreira artística, Adoniran fez MADAME PRAÇA
DA SÉ.
Como disse Raul Duarte: “o
homem que ganhou a vida escondido sobe mil pseudônimos vê o Brasil querendo
conhecer o verdadeiro Adoniran Barbosa, que também é um pseudônimo”. “ Talvez João Rubinato não exista, porque
quem existe é o mágico Adoniran Barbosa, vindo dos carreadores de café para
inventar no plano da arte a permanência de sua cidade e depois fugir, com ela e
conosco, para a terra da poesia, ao apito fantasmal do trenzinho perdido da
Cantareira.” ( Extraído de um texto do Professor Antônio Candido, apresentando
o segundo LP de Adoniran).
Adoniran Barbosa morreu aos
72 anos de idade, no dia 23 de novembro de 1982.
Deixou um acervo de 108
músicas.
RELAÇÃO DAS MÚSICAS DE ADONIRAN BARBOSA
MÚSICAS DE ADONIRAN
BARBOSA
fonte:Nova História da Música Popular Brasileira -( Abril Cultural) - 1978
foto: Google
vídeo: Araci de Almeida - Bom dia Tristeza - youtube
vídeo:Saudosa Maloca - Demônios da Garoa- youtube
letras.mus.- google
vídeo:Saudosa Maloca - Demônios da Garoa- youtube
letras.mus.- google
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