Quando
Ernesto Nazareth nasceu, em 1863, (20 de março) ia fazer vinte anos que o Rio de Janeiro,
vivia furiosamente a loucura da polca. A
dança de compasso binário simples era alegre, e na sua adaptação ao jeito
brasileiro pelos compositores populares da época recebia títulos feitos de modo
a acentuar a sua graça.
Para
um tipo de sociedade acostumada ao maneirismo do minueto e à solenidade das
valsas, essas polcas saracoteadas- feitas para dançar de par, com uma
intimidade nunca sonhada antes – chegavam com o sabor de uma libertação. O
sucesso da nova dança importada da Europa era tamanho que apareceu o verbo polcar, e as famílias que tinham um
piano na sala passaram a esgotar os estoques de partituras das novas polcas que
a cada semana apareciam no mercado.
A
mãe do menino Ernestinho, Dona Carolina da Cunha Nazareth, era uma dessas
pianistas diletantes. E se bem que o seu
gosto pessoal se dirigisse mais para os clássicos, Mozart, Beethoven e Chopin,
não poderia ela fugir também ao sortilégio daquele ritmo tão popular. Assim,
quando Dona Carolina começou a ensinar ao compenetrado Ernestinho os segredos
do piano, as aulas só podiam mesmo oscilar entre os devaneios românticos de
Chopin e as saltitantes polcas de Joaquim Antônio da Silva Calado.
A
julgar por uma declaração do próprio Ernesto Nazareth a um repórter de São
Paulo, em 1926, recordando sua infância, sua mãe revelava uma enorme agilidade
ao piano. Dona Carolina deixou-o órfão com apenas 10 anos de idade, mas ele
ainda se lembrava de como a ouvira tocar, quinze dias antes da morte, a
composição intitulada Raio.
Curiosamente,
embora sua mãe desaparecesse assim tão cedo (1873), seriam essas duas
qualidades o amor pela música de Chopin e o gosto pelo virtuosismo, que iam
ficar pelo resto da vida como as maiores marcas do filho pianista e compositor
Ernesto Nazareth.
A
infância de Ernestinho no morro do Nheco, hoje morro do Pinto, não deve ter
sido das mais divertidas. O pai, Vasco Lourenço da Silva Nazareth, sem a ajuda
de Dona Carolina para educar o menino
que mal chegara aos dez anos, devia deixá-lo praticamente recluso em casa ao
sair para o trabalho na Alfândega. Ernestinho
- como seu comportamento pela vida afora daria a entender - deve ter aceitado sem revolta os excessos
de cuidados paternos. Pelo menos dava prova disso já aos catorze anos, pois
quando nessa idade compôs sua primeira musica, a polca-lundu VOCÊ BEM SABE, foi
ao pai que a dedicou, insinuando a existência de camaradagem entre os dois.
O jovem Ernesto
Nazareth parecia, aliás, ter tudo para agradar ao pai exigente. Os estudos de
piano com Eduardo Madeira, funcionário do Banco do Brasil, que viera substituir
Dona Carolina na orientação musical, progrediram a ponto de o professor
interessar-se pela edição da música de estreia pela Casa Arthur Napoleão. Para
o jovem aluno do Colégio Belmonte, da Praça Tiradentes (onde era colega do
futuro poeta Olavo Bilac, conforme revelação do pai do compositor à folclorista
Mariza Lira), essa glória de ser autor editado aos catorze anos não deveria
deixar de ser uma justa compensação para uma infância tão árida.
De
fato, todas as notícias que ficaram desse período de vida de Ernesto Nazareth
só o mostram como um menino responsável,
sempre estudando piano: primeiro com a mãe, depois com o funcionário Madeira, e
mais tarde com o famoso músico e professor francês Lucien Lambert – que, segundo Ernesto Nazareth, só lhe daria oito
aulas, e tinha composto em 1880 uma variação em torno do tango chileno
intitulado Zamacueca.
Conforme
Nazareth daria a entender mais tarde, lembrando esse tempo, os ensinamentos do
Professor Lambert não devem ter sido muito profundos, pois o compositor só se
lembrava da frase repetida pelo mestre enquanto o aluno desenhava notas na
pauta: - Pinta as hastes mais em pé,
Ernesto!
O
maestro Baptista de Siqueira, no entanto, em seu estudo Ernesto Nazareth na Música Brasileira, recorda que exatamente por
essa época começava a fazer sucesso a variação do Professor Lucien Lambert do
tango Zamacueca (introduzido no Rio pelo violinista cubano José White), o que
“impressionou fundamente Ernesto Nazareth”.
Se isso de fato aconteceu, fica explicado porque o compositor de polcas
da década de 1880 (GENTES, O IMPOSTO PEGOU?, GRACIETTA, FONTE DE SUSPIRO, BEIJA-FLOR,
QUEBRADINHA) iria tornar-se a partir da década seguinte o grande fixador do
gênero tango brasileiro, antevisto em 1871 por Henrique Alves de Mesquita, com
a composição OLHOS MATADORES, e
finalmente posto em moda em nível quase erudito pelos seguidores da experiência
de Lucien Lambert.
Na
verdade, com o tango BREJEIRO, composto em 1893, Ernesto Nazareth iniciou uma
carreira que estava destinada a transformá-lo no compositor mais original do
Brasil. Como ficaria demonstrado no século seguinte por Luciano Gallet, por
Mário de Andrade e, atualmente pelo maestro Baptista de Siqueira, a criação do
tango brasileiro de Nazareth colocaria este compositor numa condição muito
especial, podendo eventualmente ser considerado popular, quando alguma de suas
músicas recebe letra e é divulgada como canção (caso do próprio BREJEIRO,
gravado com letra de Catulo da Paixão Cearense em 1912, ou de BAMBINO, cantado
como modinha por Nôzinho nesse mesmo ano, ou ainda do tango ODEON, gravado por
Nara Leão com letra de Vinicius de Moraes em 1968. Ernesto Nazareth tem que ser
considerado músico erudito quando a análise recai sobre a estrutura da sua obra
pianística.
ERNESTO NAZARETH - FLORAUX
Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira
Abril Cultural 1977
Fotos: Google
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