terça-feira, 28 de agosto de 2018

ERNESTO NAZARETH - II





Por várias vezes o compositor que era obrigado a tocar em festas particulares a 80 mil-réis por noite, e dar aulas em casa de alunos, procurou pessoalmente demonstrar a sua vocação para a música clássica e o seu desprezo pela música popular entendida como música feita apenas para dançar ou cantar.  De 1884 a 1886, ao se casar com Dona Teodora Amália de Meireles, precisou renunciar a seus altos propósitos para ter com o que viver,  em 1898, quando se exibiu em recital no elegante Clube de São Cristóvão, no Rio; em 1922, quando foi apresentado  por Luciano Gallet no Instituto Nacional de Música exatamente como um erudito (o que causou escândalo aos conservadores e provocou  a presença da polícia); em 1926, quando Mário de Andrade repetiu a experiência em São Paulo, com sua conferência sobre Nazareth, perante o próprio homenageado, na Sociedade de Cultura Artística (o  aval cultural de Mario de Andrade  garantiu-lhe então alguns aplausos da elite).  E finalmente, em 1932, quando no Estúdio Nicola, na Cinelândia, ao despedir-se do Rio de Janeiro para realizar excursão ao sul, tocou uma polonaise de Chopin com tal sentimento, que o pintor polonês Bruno Lechowsky levantou-se da plateia e foi beijá-lo em lágrimas.
Embora suas composições sejam reconhecidas pela vivacidade, graça e brejeirice expressas a partir dos próprios títulos – CRUZ! PERIGO! ESTÁ CHUMBADO, NÃO CAIO NOUTRA, VEM CÁ BRANQUINHA, a necessidade de ganhar a vida duramente como pianista de casas de música e de salas de espera de cinema (Rui Barbosa e Darius Milhaud ouviram-no no Odeon, na hoje Avenida Rio Branco) sempre acabrunhou Ernesto Nazareth.




Anos antes de sua morte, em entrevista concedida a um repórter, o compositor lembrou com amargura ter passado, em certa fase de sua vida, oito anos sem poder comprar um piano. E em 1893 a necessidade de dinheiro obrigara-o a vender os direitos sobre o tango BREJEIRO à Casa Vieira Machado por 50 mil réis.
Foi assim que quando em 1917 perde a filha Maria de Lourdes e, em 1929, sua mulher Teodora Amália, essa amargura, somada à falta de reconhecimento público pela sua música e, ainda, ao início  de um processo de surdez, conduzem Ernesto Nazareth a uma apatia que seria o primeiro sintoma de sua loucura.
Antes de deixar-se vencer, o orgulho do compositor de obras pianísticas, que apenas uma vez pusera letra em uma de suas músicas (o tango BEIJA-FLOR),  ainda tentou ceder à moda do momento. A partir da década de 1920, Ernesto Nazareth compõe fox-trots, como ATÉ QUE ENFIM e DELÍCIA;  sambas: COMIGO É NA MADEIRA e CRISES EM PENCA!, e  marchas carnavalescas, como a EXUBERANTE, de 1930, que ficou inédita.
Em 1923 participou como pianista na inauguração da Rádio M.E.C (antiga rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Em 1926, apresentou-se em São Paulo e em 1927 retorna ao Rio de Janeiro já com sinal. de surdez.
A excursão ao sul, com apresentações em Porto Alegre, Santana do Livramento e Rosário, ficaria sendo, porém, a última e tardia tentativa de impor sua música. Ernesto Nazareth caminhava para os setenta anos e já era obrigado a tocar inclinado sobre o teclado do piano, para poder ouvir. O aparelho de surdez que chegou a usar não ofereceu qualquer resultado, servindo apenas para exasperar ainda mais o compositor – que já manifestava os primeiros sinais de loucura.
Em 1930 grava para a Odeon o tango ESCOVADO e o choro APANHEI-TE CAVAQUINHO. 





WALDIR SILVA - 
APANHEI-TE CAVAQUINHO

Afinal, em abril de 1933, Ernesto Nazaret teve de ser internado no Instituto Neuropsiquiátrico da Praia Vermelha e, depois, definitivamente isolado, na Colônia de Psicopatas, no distante subúrbio de Jacarepaguá. Foi aí que – diz Ary Vasconscelos, em seu livro Panorama da música popular brasileira -, ao ser visitado por um compositor novato, às vésperas do carnaval de 1934, afirmou que tinha uma marcha capaz de “abafar” naquele ano.  O visitante quis saber como se intitulava a composição, e Nazareth lhe respondeu baixinho, ao ouvido: “Estás maluco outra vez”. Dias depois, a 1º de fevereiro, coincidindo com o aniversário de seu filho Ernestinho (o que faz supor um momento de lucidez, em que desejasse visitar a família, ainda uma vez), Ernesto Nazareth foge da colônia e se perde nas matas de Jacarepaguá. Foi encontrado morto na tarde do dia 4 de fevereiro de 1934, perto da represa da Estrada da Água, com um ferimento na testa. A autópsia apurou que deixara de viver entre os dias 3 e 4.
O autor cujos tangos BREJEIRO e ESCOVADO  o compositor erudito francês Darius Milhaud não hesitara em usar na sua suíte Le Boeuf sur le toit, ganhando fama mundial, foi enterrado no Cemitério de São Francisco Xavier, no dia 5 de fevereiro, sem que nem mesmo o povo de sua cidade tomasse conhecimento. Nesse dia todas as atenções estavam voltadas para a chegada do Rei Momo no Rio de Janeiro – iniciando oficialmente o carnaval que o refinado Ernesto Nazareth sempre detestara.

O Maestro Baptista de Siqueira, diretor e professor catedrático de harmonia e morfologia a Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, explica a importância de Ernesto Nazareth em nossa música.


Historicamente falando a música de Ernesto Nazareth é um divisor de águas. Hoje, quando estudamos a chamada música cultural brasileira, dividimo-la em duas eras perfeitamente distintas: antes e depois de Ernesto Nazareth O seu processo de composição  e uma espécie de carimbo, de marca de nacionalidade da música brasileira. Antes dele, nossos compositores eram diretamente  influenciados pela música europeia. Até mesmo o próprio Ernesto, no início de sua obra, tinha momentos de música caracteristicamente brasileira e outros de pura linguagem musical estrangeira.  Anacleto de Medeiros, por exemplo, possui músicas de linguagem brasileira e outras diretamente influenciadas por ritmos estrangeiros, como nos casos da sua Iara e, depois, no de Rasga o Coração, que possuem desenhos melódicos claramente europeus.
Nazareth estabeleceu o marco divisório entre essas tendências, através de um ritmo próprio, um ritmo iterativo  e especificamente nosso. Este ritmo não existe em  parte alguma do mundo. É só nosso.  Esta foi a maior contribuição do compositor para a nossa cultura musical. No entanto, penso ser um erro falar de Ernesto Nazareth como um compositor popular, e por um simples motivo:  a música que ele fazia nunca foi para ser cantada na rua. Pelo contrário, era música sofisticada, elaborada, e na qual não cabia a participação popular. A música de Ernesto Nazareth era para piano, e este instrumento nunca chegou a ser popular no Brasil. Era e é um instrumento elitizado.
O conceito de popular, na música principalmente se refere a gêneros em que o povo tomar parte executando-a. No carnaval, por exemplo, o compositor vai para o meio do povo cantando suas marchas e sambas e, então, ela passa a ser praticada pelo povo.  No caso da música de Nazareth, ao contrário, ela foi sempre feita em casa e depois executada por pequenos grupos de iniciados em música, diante de público um pouco maior. Os instrumentos populares da época não incluíam o piano; eram a flauta, o cavaquinho, o violão, etc.. E a prova é que algumas composições de Ernesto Nazareth só conseguiram popularidade a partir do momento em que poetas como Catulo da Paixão Cearense encaixaram letras em algumas delas. Mas essas composições formam a minoria na obra de Ernesto Nazareth.


AMENO RESEDÁ - ERNESTO NAZARETH


Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira -
Abril Cultural - 1977
Fotos:  Google
Vídeo:  Youtube

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