Por
várias vezes o compositor que era obrigado a tocar em festas particulares a 80
mil-réis por noite, e dar aulas em casa de alunos, procurou pessoalmente demonstrar
a sua vocação para a música clássica e o seu desprezo pela música popular
entendida como música feita apenas para dançar ou cantar. De 1884 a 1886, ao se casar com Dona Teodora
Amália de Meireles, precisou renunciar a seus altos propósitos para ter com o que
viver, em 1898, quando se exibiu em
recital no elegante Clube de São Cristóvão, no Rio; em 1922, quando foi
apresentado por Luciano Gallet no
Instituto Nacional de Música exatamente como um erudito (o que causou escândalo
aos conservadores e provocou a presença
da polícia); em 1926, quando Mário de Andrade repetiu a experiência em São
Paulo, com sua conferência sobre Nazareth, perante o próprio homenageado, na
Sociedade de Cultura Artística (o aval
cultural de Mario de Andrade
garantiu-lhe então alguns aplausos da elite). E finalmente, em 1932, quando no Estúdio
Nicola, na Cinelândia, ao despedir-se do Rio de Janeiro para realizar excursão
ao sul, tocou uma polonaise de Chopin
com tal sentimento, que o pintor polonês Bruno Lechowsky levantou-se da plateia
e foi beijá-lo em lágrimas.
Embora
suas composições sejam reconhecidas pela vivacidade, graça e brejeirice
expressas a partir dos próprios títulos – CRUZ! PERIGO! ESTÁ CHUMBADO, NÃO CAIO
NOUTRA, VEM CÁ BRANQUINHA, a necessidade de ganhar a vida duramente como
pianista de casas de música e de salas de espera de cinema (Rui Barbosa e
Darius Milhaud ouviram-no no Odeon, na hoje Avenida Rio Branco) sempre
acabrunhou Ernesto Nazareth.
Anos
antes de sua morte, em entrevista concedida a um repórter, o compositor lembrou
com amargura ter passado, em certa fase de sua vida, oito anos sem poder
comprar um piano. E em 1893 a necessidade de dinheiro obrigara-o a vender os
direitos sobre o tango BREJEIRO à Casa Vieira Machado por 50 mil réis.
Foi
assim que quando em 1917 perde a filha Maria de Lourdes e, em 1929, sua mulher
Teodora Amália, essa amargura, somada à falta de reconhecimento público pela
sua música e, ainda, ao início de um
processo de surdez, conduzem Ernesto Nazareth a uma apatia que seria o primeiro
sintoma de sua loucura.
Antes
de deixar-se vencer, o orgulho do compositor de obras pianísticas, que apenas
uma vez pusera letra em uma de suas músicas (o tango BEIJA-FLOR), ainda tentou ceder à moda do momento. A
partir da década de 1920, Ernesto Nazareth compõe fox-trots, como ATÉ QUE ENFIM
e DELÍCIA; sambas: COMIGO É NA MADEIRA e
CRISES EM PENCA!, e marchas
carnavalescas, como a EXUBERANTE, de 1930, que ficou inédita.
Em 1923 participou como pianista na inauguração da Rádio M.E.C (antiga rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Em 1926, apresentou-se em São Paulo e em 1927 retorna ao Rio de Janeiro já com sinal. de surdez.
A
excursão ao sul, com apresentações em Porto Alegre, Santana do Livramento e
Rosário, ficaria sendo, porém, a última e tardia tentativa de impor sua música.
Ernesto Nazareth caminhava para os setenta anos e já era obrigado a tocar
inclinado sobre o teclado do piano, para poder ouvir. O aparelho de surdez que
chegou a usar não ofereceu qualquer resultado, servindo apenas para exasperar
ainda mais o compositor – que já manifestava os primeiros sinais de loucura.
Em 1930 grava para a Odeon o tango ESCOVADO e o choro APANHEI-TE CAVAQUINHO.
WALDIR SILVA -
APANHEI-TE CAVAQUINHO
Afinal,
em abril de 1933, Ernesto Nazaret teve de ser internado no Instituto
Neuropsiquiátrico da Praia Vermelha e, depois, definitivamente isolado, na Colônia
de Psicopatas, no distante subúrbio de Jacarepaguá. Foi aí que – diz Ary
Vasconscelos, em seu livro Panorama da música popular brasileira -, ao ser
visitado por um compositor novato, às vésperas do carnaval de 1934, afirmou que
tinha uma marcha capaz de “abafar” naquele ano.
O visitante quis saber como se intitulava a composição, e Nazareth lhe
respondeu baixinho, ao ouvido: “Estás maluco outra vez”. Dias depois, a 1º de
fevereiro, coincidindo com o aniversário de seu filho Ernestinho (o que faz
supor um momento de lucidez, em que desejasse visitar a família, ainda uma
vez), Ernesto Nazareth foge da colônia e se perde nas matas de Jacarepaguá. Foi
encontrado morto na tarde do dia 4 de fevereiro de 1934, perto da represa da
Estrada da Água, com um ferimento na testa. A autópsia apurou que deixara de
viver entre os dias 3 e 4.
O
autor cujos tangos BREJEIRO e ESCOVADO o
compositor erudito francês Darius Milhaud não hesitara em usar na sua suíte Le Boeuf sur le toit, ganhando fama
mundial, foi enterrado no Cemitério de São Francisco Xavier, no dia 5 de
fevereiro, sem que nem mesmo o povo de sua cidade tomasse conhecimento. Nesse
dia todas as atenções estavam voltadas para a chegada do Rei Momo no Rio de
Janeiro – iniciando oficialmente o carnaval que o refinado Ernesto Nazareth
sempre detestara.
O Maestro Baptista de
Siqueira, diretor e professor catedrático de harmonia e morfologia a Escola de
Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, explica a importância de
Ernesto Nazareth em nossa música.
Historicamente
falando a música de Ernesto Nazareth é um divisor de águas. Hoje, quando
estudamos a chamada música cultural brasileira, dividimo-la em duas eras
perfeitamente distintas: antes e depois de Ernesto Nazareth O seu processo de
composição e uma espécie de carimbo, de
marca de nacionalidade da música brasileira. Antes dele, nossos compositores
eram diretamente influenciados pela
música europeia. Até mesmo o próprio Ernesto, no início de sua obra, tinha
momentos de música caracteristicamente brasileira e outros de pura linguagem
musical estrangeira. Anacleto de
Medeiros, por exemplo, possui músicas de linguagem brasileira e outras
diretamente influenciadas por ritmos estrangeiros, como nos casos da sua Iara e, depois, no de Rasga o Coração, que possuem desenhos
melódicos claramente europeus.
Nazareth
estabeleceu o marco divisório entre essas tendências, através de um ritmo
próprio, um ritmo iterativo e
especificamente nosso. Este ritmo não existe em
parte alguma do mundo. É só nosso.
Esta foi a maior contribuição do compositor para a nossa cultura
musical. No entanto, penso ser um erro falar de Ernesto Nazareth como um
compositor popular, e por um simples motivo: a música que ele fazia nunca foi para ser
cantada na rua. Pelo contrário, era música sofisticada, elaborada, e na qual
não cabia a participação popular. A música de Ernesto Nazareth era para piano,
e este instrumento nunca chegou a ser popular no Brasil. Era e é um instrumento
elitizado.
O
conceito de popular, na música principalmente se refere a gêneros em que o povo
tomar parte executando-a. No carnaval, por exemplo, o compositor vai para o
meio do povo cantando suas marchas e sambas e, então, ela passa a ser praticada
pelo povo. No caso da música de
Nazareth, ao contrário, ela foi sempre feita em casa e depois executada por
pequenos grupos de iniciados em música, diante de público um pouco maior. Os
instrumentos populares da época não incluíam o piano; eram a flauta, o
cavaquinho, o violão, etc.. E a prova é que algumas composições de Ernesto
Nazareth só conseguiram popularidade a partir do momento em que poetas como
Catulo da Paixão Cearense encaixaram letras em algumas delas. Mas essas
composições formam a minoria na obra de Ernesto Nazareth.
AMENO RESEDÁ - ERNESTO NAZARETH
Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira -
Abril Cultural - 1977
Fotos: Google
Vídeo: Youtube
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