Mas
não é esse o caminho de Cândido “Índio” das Neves. Ele vai concentrar-se em
valsas e serestas, ou mesmo em tangos. É
sob a forma de tango que primeiramente aparece uma de suas obras-primas: NOITE CHEIA DE ESTRELAS.
A princípio ele coloca
letra no tango MADRE; depois, por causa dos direitos autorais sacrifica um
pouco os versos e muda a melodia. Vicente Celestino grava então o que seria um
dos seus maiores sucessos:
Noite alta, céu risonho
a quietude é quase um sonho
o luar cai sobre a mata
qual uma chuva de prata
de raríssimo esplendor
só tu dormes, não escutas
o teu cantor
revelando à lua airosa
a história dolorosa desse amor.
Lua...
Manda a tua luz prateada
Despertar a minha amada
Quero matar meus desejos
Sufocá-la com os meus beijos
Canto
E a mulher que eu amo tanto
Não me escuta, está dormindo
Canto e por fim
Nem a lua tem pena de mim
Pois ao ver que quem te chama sou eu
Entre a neblina se escondeu
Lá no alto a lua esquiva
Está no céu tão pensativa
As estrelas tão serenas
Qual dilúvio
de falenas
Andam tontas ao luar
Todo o astral ficou silente
Para escutar
O teu nome entre as endechas
As dolorosas queixas
Ao
luar
Já é NOITE CHEIA DE ESTRELAS em sua versão
definitiva.
Corpo
de atleta, embora não muito alto, dentadura bonita, cuidadoso no vestir,
Cândido das Neves fará do violão o elemento de identificação com outros
empregados da Estrada de Ferro Central do Brasil, de pendores artísticos,
principalmente Henrique de Melo Moraes (tio do poeta Vinicius de Moraes), que
será padrinho de seu filho Eduardo e Uriel Lourival, que vai morrer cedo e
deixar pouca coisa, mas de valor como CÉU MORENO e o clássico, MIMI (“ dentro d’alma
dolorida,/ Teu sorriso é um lindo albor,/ Uma existência, um céu/...”). Com
eles Cândido vai fazer muitas serenatas pelos subúrbios e também conhecer muita
gente do meio artístico.
Entre uma seresta e outra, vão surgindo as
composições. Algumas estão fadadas a se tornar antológicas no gênero ,como ÚLTIMA ESTROFE:
A noite estava assim enluarada
quando a voz já bem cansada
eu ouvi de um trovador.
Nos versos que vibravam de harmonia
ele em lágrimas dizia;
da saudade de
um amor.
Falava de um beijo apaixonado
De um amor desesperado
Que tão cedo teve fim
E desses gritos de tormento
Eu guardei no pensamento
Uma estrofe que era assim:
Lua...
Vinha perto a madrugada
Quando em ânsia minha amada
Nos meus braços desmaiou
E o beijo do pecado
O teu véu estrelejado
A luzir glorificou
Lua...
Hoje eu vivo sem carinho
Ao relento tão sozinho
Na esperança mais atroz
De que cantando em noite linda
Essa ingrata volte ainda
Escutando a minha voz
A estrofe derradeira, merencória
Revelava toda a historia
De um amor que se perdeu
E a lua que rondava a natureza
Solidária com a tristeza
Entre as nuvens se escondeu
Cantor, que assim falas à lua
Minha história é igual à tua
Meu amor também fugiu
Disse eu em ais convulsos
E ele então, entre soluços
Toda a estrofe repetiu
Ou RASGUEI O TEU RETRATO, que Vicente Celestino
levou a todos os cantos do Brasil:
“Tu disseste em juramento,
Entre o véu do esquecimento,
O teu nome é uma ilusão.
Tu tiveste a impiedade
De sorrir desta saudade
Que
me mata o coração...”
Ou LÁGRIMAS, criação imortal do
inigualável Orlando Silva:
“Ai, deixa-me chorar
Para suavizar
O que eu não sei dizer
Mas sei sentir.
Não prantear o amor que se perdeu
É a nossa alma enganar
E
ao próprio coração querer mentir...”
A
produção de Cândido das Neves não vai ser numerosa, mas terá um traço muito
pessoal, inconfundível: a sua marca. Ela está presente em ÚLTIMA
ESTROFE e em LÁGRIMAS, em APOTEOSE
DO AMOR e RANCHO ABANDONADO, PÁGINA DE DOR e NÊNIAS
(“murcharam no jardim os crisântemos/ e as magnólias se despetalaram”: assim
ele chorou com um amigo a morte da
mulher).
E em tudo mais: PRIMAVERA ,DILETA, ENTRE LÁGRIMAS,... E
NADA MAIS!, CASTELOS DE AREIA, NOITE DE SÃO PEDRO, EM DELÍRIO, NOITE CHEIA DE
ESTRELAS, CINZAS, CABOCLA SERRANA,
RASGUEI O TEU RETRATO, ABISMO DE AMOR, RENÚNCIA EM PRANTOS, NAS ASAS BRANCAS DA
SAUDADE, TUDO ACABADO, LUAR DE MINHA TERRA, CINZAS DE AMOR, ÍNTIMA LÁGRIMA,
PARA SEMPRE ADEUS,JURA DE CABOCLO.
Fonte:
Nova História da Música Popular Brasileira
Fotos: Google
Vídeos: Youtube
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