Aos dezessete anos, o rapaz já tem dinheiro
suficiente para comprar um ingresso de galeria no Teatro Municipal, e vai
assistir à DANAÇÃO DE FAUSTO, de Berlioz. Mas a certa altura da ópera o
tenor começa a vacilar, dando umas desafinadas.
Vicente, entre a solicitude a oportunidade, tenta “ajudar” lá de cima. Os
espectadores, indecisos, entre a cena e a galeria, vivem o espanto por
instantes: logo o inconveniente tenor é localizado e retirado do teatro. Aos dezoito anos, as primeiras serestas de
subúrbio, as apresentações em clubes dançantes e a primeira investida ao palco.
Junto
com uns amigos do Bosque da Saúde, formou o Grupo dos Cartolas, que encenou a
peça VIDA DE ARTISTA. Vicente caminha
rápido em busca da profissionalização artística: vai cantar, a 10 mil-réis por
dia, numa daquelas casas de chope que eram os bares da moda. Um dia o Coronel
Alvarenga ouve Vicente e resolve contratá-lo para a sua Companhia do Teatro são
José, da Empresa Pascoal Segreto.
-
Ator ou corista?
O
tenor, ainda inseguro, escolhe o coro. Mas o Coronel Alvarenga, com grande tino
comercial, faz Vicente cantar uma música famosa na época: FLOR DO MAL. Além do título tinha uma história trágica: Santos Coelho,
guitarrista português e autor da música – à qual deu inicialmente nome de Saudade Eterna -, morreria com
distúrbios mentais por volta de 1927. O
autor da letra, Domingos Correia, apelidado de “Boneco”, suicidou-se por causa
da amada que inspirara seus versos.
Faltava só a dramática
altissonância da voz de Vicente Celestino para dar o toque final. O
sucesso do palco foi então passado , não sem perigo, para a frágil cera das
chapas gramofônicas, no tempo das históricas gravações mecânicas precedidas pelo
anúncio vocal “Casa Edison, Rio de Janeiro”. O acompanhamento foi feito
por Tute, ao violão de sete cordas, e Nelson Dois Pescoços, ao cavaquinho. A
participação de Vicente no estrondoso sucesso limitou-se à magra quantia de 10
mil-réis...
A
partir de Flor do Mal começa o sucesso de Vicente Celestino. Em 1916 vai a São Paulo,
contratado pela companhia de Leopoldo Fróis, cantar no Teatro São José ( depois
prédio da Light). Cachê ainda baixo, Vicente mandou fazer uns folhetos com sua
foto e a letra de Flor do Mal, para serem vendidos a 300 réis – 200 para ele,
100 para o menino que os distribuiu. Quando Fróis soube que aquele “rapaz
promissor” precisava se valer de
expedientes desse tipo, promoveu-o a ator. Os outros componentes da companhia,
invejosos, logo inventaram uma brincadeira de mau gosto; em plena cena, abre-se
um alçapão que remete Vicente ao porão.
Quando Fróis soube disso multou a companhia toda.
Ainda
em 1916, Vicente estreia em Porto Alegre ( Teatro Coliseu) e em Pelotas, no
Politeama. Lá, novas perseguições:
Vicente é instalado num porão que ficava inundado toda vez que chovia. De volta
ao Rio, vai cantar em igrejas até que surjam novas oportunidades. Em 1919,
estreia no Teatro São Pedro (atual João Caetano), que começava a lançar operetas
no estilo do Grande Teatro Châtelet, de Paris. A peça escolhia foi AMOR DE BANDIDO, de Oduvaldo Viana, e Vicente foi muito aplaudido
no papel de bandido. Dado o sucesso a companhia resolver levar outra peça de
Oduvaldo Viana, FLOR DA NOITE, que também constituiu grande êxito de
bilheteria.
Depois
viria O PUM, de Arthur Azevedo, e a
opereta JURITI, de Viriato Correia,
música da célebre compositora e maestrina Chiquinha Gonzaga (1847-1935).
Por
essa época Vicente cantou um trecho de GIORDANO
de Andrea Chernier para o
empresário Walter Mochi, que,
entusiasmado, lhe propôs um ordenado de 400 mil-réis mensais para estudar,
preparando o repertório lírico. Mochi acenava a Vicente com as glórias do Scala
de Milão, mas o cantor preferiu ficar: queria cantar para a sua gente. E foi o
que fez durante o resto da vida. Excursionou por quase todos os Estados,
levando os alegres sons da opereta até as mais desconhecidas cidadezinhas do
interior.
Na
década de 20, Vicente deixa o Teatro São Pedro e une-se à atriz Áurea
Santos que conhecera em São Paulo, no Teatro São José,
e que fora ao Rio de Janeiro com uma
companhia de operetas e adotara o nome artístico de Laís Areda. Também se engajam na companhia os irmãos de Vicente: Pedro,
João, Radamés e Amadeu. Estreiam no Teatro Americano , da Praça Saens Pena,
com a opereta LOUCURAS DE AMOR, de A.
Carvalho. Depois excursionam sem sucesso por São Paulo. Após a falência, Vicente
tenta o gênero lírico: em 1921 estreia no Teatro Lírico ao lado da soprano
Galiacci nas óperas TOSCA (
Puccini) e AÏDA (Verdi). Ainda nesse ano , volta ao Teatro São Pedro,
contracenando com a cantora Medina de Souza na ópera CARMEN, de Bizet. Também no teatro São Pedro , ele representa O
MÁRTIR DO CALVÁRIO, papel que viveria mais tarde durante anos seguidos por ocasião da Semana Santa
As
excursões se sucedem: com Carmen Dora, organiza nova companhia, para
excursionar pelo país com um repertório das mais famosas operetas
vienenses. Em 1923 está no Pará, na
Companhia Brandão Sobrinho. Em 1924, na Paraíba, já arriscando os primeiros
versos (“verdadeiros dramalhões”, segundo suas palavras) nas horas de folga da
companhia. Ainda naquele ano passa por Pernambuco e Bahia. No ano seguinte já é
visto em Belo Horizonte, em O MANO DE
MINAS, de Brandão Sobrinho e Celestino Silva, interpretando uma canção que
marcaria época: SAUDADE DO SERTÃO (Celestino Silva e Verdi de
Carvalho). Entre 1927 e 1928, percorre outra
vez o norte, e em 1930 está no Rio, representando ALVORADA
DO AMOR, opereta de Otávio Rangel, baseada no filme musical do mesmo nome.
Vicente está aproveitando ao máximo a fase que antecede à implantação do rádio
no Brasil.
Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira
Abril Cultural - 1977
fotos: Google
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