No início, apenas um quarteto – Moraes, Galvão, Paulinho e Baby (cujo
novo e celebrado nome nasceu de uma personagem de filme) – que era acompanhado
pelos Leif’s. Galvão, o poeta e mentor era obrigado a fazer mímica no palco,
porque na época os empresários não admitiam trios de cabeludos e só
Moraes, o parceiro de Galvão, a voz
agridoce, o violão sutil. Paulinho era o malandro, o Lúcifer, o mandingueiro. Pepeu era o músico. Baby, a menina.
Depois do reboliço do DILÚVIO em Salvador, os Novos Baianos vão para
São Paulo, onde se apresentam em inúmeros programas de TV, sempre ultrapassando
o número previsto de músicas e encerrando expedientes absurdos, como fizeram ao
terminar seu showzinho no programa de
Hebe Camargo, dançando tango com a animadora. Começa aí uma extensa lista de
empresários, gravadoras, úlceras e dores
de cabeça para quem quer que ousasse contratar os Novos Baianos.
O primeiro empresário foi o poderoso marcos Lázaro e a primeira contratação
foi pela RGE, através de João Araujo. Lançam, em 1970, um compacto (De vera:
“De Vera estou falando de vera/, de vera, da primavera/ da prima Vera, deveras”,
e
Colégio de Aplicação) e em seguida um LP cáustico, sardônico,
ameaçador (É ferro na boneca: “Não
olhe, ande, olhe./ O produssumo queima a bagagem./ Necas de olhar pra trás./ O
quente, o veneno./ É pluft, pluft, pluft, pluft, pluft./ É ferro na boneca./É o
gogó, neném »), que incluía as faixas do compacto e uma cornucópia de
estilos e títulos: Outro mambo, outro mundo; A casca
de banana que eu pisei; Dona Nita e
Dona Helena (homenagem às mães de Moraes e Galvão).
Como o sucesso em São Paulo não fosse dos mais estimulantes, como
ficou comprovado na desclassificação de De
Vera durante o Festival da Record de 69,
os Baianos buscam público no Rio de Janeiro, levando consigo o Dilúvio e Pepeu, com seu novíssimo
grupo de Ribeirão Pires, interior de São Paulo,
Os Enigmas, de onde saiu também Odair
Cabeça-de-Poeta, que muitos insistem em confundir com um ex-Novo Baiano, mas que, segundo
negativa veemente de Pepeu, nunca fez parte do grupo.
A mise-en-scéne foi a mesma do Teatro Vila Velha, só que,
dessa vez, no Teatro Casa Grande. Como precisavam de um baixista (o efetivo dos
Enigmas ficara em São Paulo), eles buscam um substituto nas ruas de Ipanema e
acabam achando Dadi, roqueiro de 18 anos, cuja única experiência verdadeira como músico vinha de tardes e
noites aprendendo a última dos Rolling Stones com seus amigos. Pepeu se dispõe
a “criar” Dadi e lhe dá a vaga. Novas mudanças no grupo: Pepeu se desliga
definitivamente dos Enigmas, chama seu irmão Jorginho para ser baterista,
convida dois amigos percussionistas de São Paulo, Bola e Baixinho.
A farra estava formada. O LP pela RGE não vendera grande coisa,
servindo apenas de hóstia àqueles que, pouco a pouco, iam transformando os
Novos Baianos em banda cultuada, com um número determinado de adoradores
profanos que os seguiam onde quer que estivessem.
Um dos grandes atrativos dos Novos Baianos era seu estilo até então
inusitado de vida: todos moravam juntos, em comunidade, em Botafogo: quatro
cômodos divididos entre doze pessoas.
- Morar junto era ótimo para todos nós, porque aumentava o nível de
relacionamento pessoal e, também, o de relacionamento musical -- explica Pepeu. – Assim, nos conhecíamos cada vez melhor e,
consequentemente, sabíamos tocar melhor um com o outro.
A grande interação, além de provocar um perfeito entrosamento entre os
músicos, gera subgrupos dentro dos Novos Baianos, como o trio Dadi (baixo),
Pepeu (guitarra) e Jorginho (bateria), que passa a se chamar A Cor do Som e a
apresentar um repertório elétrico-eclético que deixava entrever a destacada
direção musical de Pepeu, guitarrando feroz, misturando Trio Elétrico e Jimi
Hendrix num fraseado só.
Em 1971, a segunda gravadora e o segundo compacto ( Dê um rolé, Risque, Você me dá
um disco e Caminho de Pedro), produzido
por Nélson Motta e lançado pela Philipps. Segundo Moraes, um disco ruim,
mal gravado, aquém do esperado.
No mesmo ano, a quebra total. João Gilberto vem ao Brasil e vai se
confraternizar com os Novos Baianos em Botafogo. –Foi aí que tudo mudou –
Moraes recorda – João nos fez ver com outros olhos a música brasileira. Pela
primeira vez pegamos num cavaquinho, num pandeiro, para tocar samba. Foi João quem disse para gente que Brasil pandeiro, de Assis Valente, era a
nossa cara.
O ritmo de composição da dupla Galvão-Moraes sobe muito. Da
efervescência saem sons cada vez mais brasileiros:
PRETA PRETINHA
“ Enquanto eu corria,
Assim eu ia lhe chamar,
Enquanto corria a barca,
Lhe chamar
Por minha cabeça não passava,
Lhe chamar
Por minha cabeça não passava,
Só, somente só, assim vou lhe chamar
Assim você vai ser,”
Preta, preta, pretinha
Abre a porta e a janela
E vem ver o sol nascer
Eu sou um pássaro
Que vivo avoando
Vivo avoando
Sem nunca mais parar
Ai-ai, ai-ai, saudade
Não venha me matar
Preta, preta, pretinha
Abre a porta e a janela
E vem ver o sol nascer
Eu sou um pássaro
Que vivo avoando
Vivo avoando
Sem nunca mais parar
Ai-ai, ai-ai, saudade
Não venha me matar
Acabou chorare (“ ficou tudo lindo/ de manhã cedinho/ Tudo
cá,cá,cá/ Na fé, fé, fé/ No bu-bu li-li/ No bu-bu-li-lindo/ No bu-bu bolinho”), Swing
de Campo Grande. Os papéis dos
músicos ficam cada vez mais multifacetados, e surge dentro do próprio grupo, um
regional.
Com todas as
inovações, os Novos Baianos fazem um temporada na boate Carioca Number One, que
deveria ter durado um mês, mas que acabou se estendendo por dois mais por
exigência do dono da casa, estimulado pela boa lotação que o grupo trazia com
sua nova direção musical. O público de
meia-idade que frequentava o Number One não podia deixar de se surpreender com
“um bando de cabeludos” fazendo um puro e sonoro samba.
Em sua
terceira gravadora, os NB,
recém-saídos desse vigoroso banho
de brasilidade, gravam seu mais consistente álbum, ACABOU CHORARE, lançado em
1972 pela Sigla. O álbum mostrava todas
as nuanças do novo trabalho baiano: o grupo todo, o regional e o power-trio da
COR DO SOM. Exaustivamente tocado nas
rádios, celebrado pela crítica e pelo público – que, de início, se assustou com
uma presumida bande de rock, esquentando seus pandeiros, mostrando que o Tio
Sam é quem queria conhecer a batucada brasileira.
ABRIL CULTURAL - 1978
Fotos: GOOGLE
Vídeo: YOUTUBE
Nenhum comentário:
Postar um comentário