quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

OS PRIMITIVOS NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA -PARTE V-JOSÉ LUIZ DE MORAIS – ERNESTO DO SANTOS – JOÃO MACHADO GUEDES –

 

OS PRIMITIVOS – PARTE V

        JOSÉ LUIZ DE MORAIS –o CANINHA (1883-1961)

        ERNESTO DO SANTOS – o DONGA (05/04/1890- 25/08/1974)

            JOÃO MACHADO GUEDES – o JOÃO DA BAIANA (1887-19740

 

Nos últimos anos do século XIX, as principais cidades brasileiras assistiram ao despertar da consciência das camadas mais humildes da sociedade.  Inferiorizados até 1888 pela existência da escravidão, os trabalhadores livres da era republicana começaram a disputar um lugar na sociedade, o que no campo do lazer, se evidenciou por uma crescente participação na festa do carnaval, transformada pela classe média numa imitação da brincadeira europeia, à base de desfiles de carros alegóricos, corsos e batalhas de flores. Os integrantes dessas populações predominantemente negras e mestiças mais integradas na estrutura econômica das cidades, como os empregados das fábricas e pequenos burocratas, organizaram-se principalmente no Rio de Janeiro em sociedades recreativas denominadas ranchos, e passaram a sair no carnaval produzindo um tipo de música orquestral que acabaria fazendo nascer as marchas de rancho – e, em decorrência delas, as marchas-ranchos.

Os mais pobres, porém, onde a cor negra predominava (era o mestiço que invariavelmente galgava os primeiros degraus da escala social), continuaram a exercitar-se nos seus batuques e rodas de pernadas ou de capoeira (nome preferido na Bahia). Essa parte da população não saía no carnaval de forma organizada, mas em cordões desordenados, cujos desfiles, terminavam quase sempre numa esfuziante coreografia de rabos-de-arraia e em coloridas cenas de sangue.
No entanto, ia ser da música à base de percussão produzida por esses negros com o nome de “batucada” que ia nascer o gênero popular mais nacionalmente representativo da música brasileira:
O SAMBA. Três dos mais velhos representantes seriam CANINHA, JOÃO DA BAIANA e DONGA, dos quais os dois últimos ainda chegaram à década de setenta do século XX, não apenas como sobreviventes de uma era extinta, mas continuando a demonstrar a validade da sua arte em espetáculos evocativamente denominados da “velha guarda”.

 

JOSÉ LUIZ DE MORAIS – O CANINHA

(Rio de Janeiro 06/07/1883 – Rio de janeiro 16/06/1961)


 

O mais antigo, JOSÉ LUIZ DE MORAIS, o CANINHA chamado em criança de Caninha Doce (porque vendia roletes de cana na zona da estação da Estrada de Ferro Central do Brasil, no Rio de Janeiro), aprendeu a música dos negros durante as batucadas realizadas na Festa da Penha. Nos anos 20, foi aclamado “IMPERADOR DO SAMBA”.   Em 1932, quando essa população de descendentes de escravos foi obrigada a morar em casebres no alto dos morros do Rio de Janeiro –compôs o samba É BATUCADA, que valia por uma aula de história da música popular, e venceu o primeiro concurso de sambas e marchas. 

É Batucada

Samba de morro, não é samba,

é batucada, é batucada, é batucada...
Cá na cidade, a Escola é diferente,
                                                    Só tira samba/ malandro que tem patente.
Nossas morenas
Vão pro samba bonitinhas
Vão de sandália
E saiote de preguinhas 

Seu primeiro sucesso foi GRIPE ESPANHOLA – maxixe, seguido de NINGUÉM ESCAPA DO FEITIÇO . QUEM VEM ATRÁS FECHA A PORTA e QUE VIZINHA DANADA.

É BATUCADA, música feita para o carnaval de 1933, enfoca um problema que se tornou polêmico. Segundo o autor Caninha e seu misterioso parceiro Visconde de Pycohiba, “samba de morro não é samba, é batucada”, só vira sambo no momento em que chega à cidade.  É BATUCADA deu aos seus autores o prêmio do primeiro concurso oficial de músicas carnavalescas do Rio de Janeiro. E o intérprete, apresentado no selo do disco como Antonio Moreira da Silva, apenas começava sua carreira, depois firmada como uma das mais importantes na divulgação do samba-de-breque.


                               ERNESTO  JOAQUIM MARIA DOS SANTOS  (DONGA)

(Rio de Janeiro 05/04/1890 – Rio de Janeiro – 25/08/1974)



De fato, quando   ERNESTO DOS SANTOS, o Donga,  o mais novo desses três pioneiros, realiza em 1917, sob o nome de samba, o arranjo de motivos populares que intitulou PELO TELEFONE, sua primeira providência é registrar música e letra na Biblioteca Nacional – o que equivalia mesmo a tirar patente. A atitude de Donga significa que, coincidindo com o aparecimento do samba, a música popular, como criação destinada ao entretenimento da massa, tinha atingido o estágio de produto comercial capaz de ser vendido e de gerar lucros.

A letra original da canção, que era “O chefe da folia/ Pelo telefone / Mandou me avisar / Que com alegria / Não se questione / Para se brincar”, foi alterada para a versão mais conhecida hoje em dia, "O Chefe da Polícia / Pelo telefone/ Manda me avisar/ Que na Carioca / Tem uma roleta/ Para se jogar". Segundo depoimento de Donga para o Museu da Imagem e do som (MIS), “O Chefe da Polícia… foi uma paródia feita pelos jornalistas de A Noite”. Repórteres do jornal tinham, em 1913, posto uma roleta no Largo da Carioca, para demonstrar a tolerância da polícia com o jogo. Em abril de 1913, o chefe de polícia do Rio de Janeiro havia declarado que o jogo permaneceria liberado “até que o governo resolvesse o contrário". Henrique Foréis Domingues, o Almirante, em matéria no jornal O Dia, em 13 de fevereiro de 1972, também confirma essa versão: “alguém lá na redação de “A Noite”, inspirando-se nos episódios em questão, criou a famosa paródia”
O crescimento da indústria do disco, e logo o aparecimento do rádio, seguidos mais tarde do cinema e da televisão, provaram que Donga tinha sido um pioneiro esperto ao correr à repartição oficial para “tirar patente”.Como violonista Donga integrou  o grupo 8 BATUTAS e em 1926 integrou a Banda de Carlito Jazz. Donga viveu  seus últimos anos como funcionário aposentado da Justiça, doente e quase cego, num subúrbio do Rio de Janeiro.

                                                       

                                                                        PELO TELEFONE

                                                                            O chefe da folia

                                                                             Pelo telefone
                                                                             Manda me avisar
                                                                             Que com alegria
                                                                             Não se questione
                                                                             Para se brincar
                                                                             Ai, ai, ai
                                                                             Deixe as mágoas para trás, oh rapaz
                                                                             Ai, ai, ai
                                                                             Fica triste se és capaz e verás
                                                                             Tomara que tu apanhes
                                                                             Pra não tornar fazer isso
                                                                             Tirar amores dos outros
                                                                             Depois fazer feitiço
                                                                             Ah, se a rolinha, sinhô, sinhô
                                                                             Se embaraçou, sinhô, sinhô
                                                                             É que a vizinha, sinhô, sinhô
                                                                             Nunca sambou. Sinhô, sinhô
                                                                             Porque este samba, sinhô, sinhô
                                                                             De arrepiar, sinhô, sinhô
                                                                             Põe perna bamba, sinhô, sinhô
                                                                             Mas faz rodar
                                                                             Sinhô, sinhô

                                                                             O peru me disse

                                                                             Se morcego visse
                                                                             Não fazer tolice
                                                                             Ou então saísse
                                                                             Dessa esquisitice
                                                                             De disse, não disse,
                                                                             Ai, ai, ai
                                                                             A estátua do ideal triunfal
                                                                             Ai, ai, ai
                                                                             Viva o nosso carnaval sem rival
                                                                             Ninguém tira amor do poço
                                                                             Por Deus foste castigado
                                                                             O mundo estava vazio
                                                                             E o inferno habitado
                                                                            Queres ou não, sinhô, sinhô
                                                                            Ir por cordão, sinhô, sinhô.
                                                                            E ser folião, sinhô, sinhô
                                                                            De coração, sinhô, Sinhô.


JOÃO MACHADO GUEDES – JOÃO DA BAIANA

(Rio de janeiro 17/5/1887 - Rio de janeiro 12/01/1974) 




 Mas, o exemplo da vida do mais velho sobrevivente da geração que criou o samba a partir da batucada, JOÃO MACHADO GUEDES (chamado JOÃO DA BAIANA, porque era filho da baiana Perciliana de Santo Amaro), veio mostrar que essa esperteza ia valer para todos, menos para os que criaram o próprio samba. Fiscal da Marinha, recusou viajar com Pixinguinha e os Oito Batutas para não perder o emprego.

Recolhido à Casa dos Artistas de Jacarepaguá, na zona rural carioca, João da Baiana passou o fim de seus dias de uma forma não muito diferente daquela que descreveu com bom humor no seu samba de maior sucesso, o Cabide de Molambo, composta em 1917, um samba corrido. A letra e o título da música são calcados na figura de um malandro que tinha como apelido “cabide de molambo”. Era alfabetizado, quase poeta, mendigo, mas servidor de amigos, e João da Baiana o conheceu na tendinha do Tinoco, na Gamboa.
Apesar de ser conhecida popularmente, a música só recebeu a primeira gravação em 1933, quinze anos depois de ter sido composta.

Meu Deus, eu ando

Com o sapato furado
Tenho a mania
De andar engravatado
A minha cama
É um pedaço de esteira
E é uma lata velha
Que me serve de cadeira
Minha camisa
Foi encontrada na praia
A gravata foi achada
Na ilha de Sapucaia
Meu terno branco
Parece casca de alho
Foi a deixa de um cadáver
Do acidente no trabalho
O meu chapéu
Foi de um pobre surdo e mudo
As botinas foi de um velho
Da revolta de Canudos
Quando eu saio a passeio
As damas ficam falando
- Trabalhei tanto na vida
Pro malandro estar gozando
A refeição
É que é interessante
Na tendinha do Tinoco
No pedir eu sou constante
E o português
Meu amigo sem orgulho
Me sacode o caldo grosso
Carregado de Entulho.

  

Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira - 1978

           Abril Cultural
Fotos – GOOGLE -

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário