OS
PRIMITIVOS – PARTE V
JOSÉ LUIZ DE MORAIS –o CANINHA (1883-1961)
ERNESTO DO SANTOS – o DONGA (05/04/1890- 25/08/1974)
JOÃO MACHADO GUEDES – o JOÃO DA BAIANA (1887-19740
Nos
últimos anos do século XIX, as principais cidades brasileiras assistiram ao
despertar da consciência das camadas mais humildes da sociedade. Inferiorizados até 1888 pela existência da
escravidão, os trabalhadores livres da era republicana começaram a disputar um
lugar na sociedade, o que no campo do lazer, se evidenciou por uma crescente
participação na festa do carnaval, transformada pela classe média numa imitação
da brincadeira europeia, à base de desfiles de carros alegóricos, corsos e
batalhas de flores. Os integrantes dessas populações predominantemente negras e
mestiças mais integradas na estrutura econômica das cidades, como os empregados
das fábricas e pequenos burocratas, organizaram-se principalmente no Rio de
Janeiro em sociedades recreativas denominadas ranchos, e passaram a sair no carnaval produzindo um tipo de
música orquestral que acabaria fazendo nascer as marchas de rancho – e, em
decorrência delas, as marchas-ranchos.
Os
mais pobres, porém, onde a cor negra predominava (era o mestiço que
invariavelmente galgava os primeiros degraus da escala social), continuaram a
exercitar-se nos seus batuques e rodas de pernadas ou de capoeira (nome
preferido na Bahia). Essa parte da população não saía no carnaval de forma
organizada, mas em cordões desordenados, cujos desfiles, terminavam quase
sempre numa esfuziante coreografia de rabos-de-arraia e em coloridas cenas de
sangue.
No
entanto, ia ser da música à base de percussão produzida por esses negros com o
nome de “batucada” que ia nascer o gênero popular mais nacionalmente
representativo da música brasileira:
O
SAMBA. Três dos mais velhos representantes seriam CANINHA, JOÃO DA BAIANA e
DONGA, dos quais os dois últimos ainda chegaram à década de setenta do século
XX, não apenas como sobreviventes de uma era extinta, mas continuando a
demonstrar a validade da sua arte em espetáculos evocativamente denominados da
“velha guarda”.
JOSÉ
LUIZ DE MORAIS – O CANINHA
(Rio de Janeiro 06/07/1883 – Rio de janeiro
16/06/1961)
O mais antigo, JOSÉ
LUIZ DE MORAIS, o CANINHA chamado em criança de Caninha Doce (porque vendia roletes de cana na zona da estação da
Estrada de Ferro Central do Brasil, no Rio de Janeiro), aprendeu a música dos
negros durante as batucadas realizadas na Festa da Penha. Nos anos 20, foi
aclamado “IMPERADOR DO SAMBA”. Em 1932,
quando essa população de descendentes de escravos foi obrigada a morar em
casebres no alto dos morros do Rio de Janeiro –compôs o samba É BATUCADA, que
valia por uma aula de história da música popular, e venceu o primeiro concurso
de sambas e marchas.
É Batucada
Samba de morro, não é samba,
é batucada, é batucada, é batucada...
Cá na cidade, a Escola é diferente,
Só
tira samba/ malandro que tem patente.
Nossas
morenas
Vão
pro samba bonitinhas
Vão
de sandália
E
saiote de preguinhas
Seu
primeiro sucesso foi GRIPE ESPANHOLA
– maxixe, seguido de NINGUÉM ESCAPA DO
FEITIÇO . QUEM VEM ATRÁS FECHA A PORTA e QUE VIZINHA DANADA.
É BATUCADA,
música feita para o carnaval de 1933, enfoca um problema que se tornou
polêmico. Segundo o autor Caninha e seu misterioso parceiro Visconde de
Pycohiba, “samba de morro não é samba, é batucada”, só vira sambo no momento em
que chega à cidade. É BATUCADA deu aos
seus autores o prêmio do primeiro concurso oficial de músicas carnavalescas do
Rio de Janeiro. E o intérprete, apresentado no selo do disco como Antonio
Moreira da Silva, apenas começava sua carreira, depois firmada como uma das
mais importantes na divulgação do samba-de-breque.
ERNESTO JOAQUIM MARIA DOS
SANTOS (DONGA)
(Rio
de Janeiro 05/04/1890 – Rio de Janeiro – 25/08/1974)
De fato, quando ERNESTO
DOS SANTOS, o Donga, o mais novo desses
três pioneiros, realiza em 1917, sob o nome de samba, o arranjo de motivos
populares que intitulou PELO TELEFONE,
sua primeira providência é registrar música e letra na Biblioteca Nacional – o
que equivalia mesmo a tirar patente. A atitude de Donga significa que,
coincidindo com o aparecimento do samba, a música popular, como criação
destinada ao entretenimento da massa, tinha atingido o estágio de produto
comercial capaz de ser vendido e de gerar lucros.
A letra original da canção, que era “O chefe da
folia/ Pelo telefone / Mandou me avisar / Que com alegria / Não se questione /
Para se brincar”, foi alterada para a versão mais conhecida hoje em dia,
"O Chefe da Polícia / Pelo telefone/ Manda me avisar/ Que na Carioca / Tem
uma roleta/ Para se jogar". Segundo depoimento de Donga para o Museu da
Imagem e do som (MIS), “O Chefe da Polícia… foi uma paródia feita pelos
jornalistas de A Noite”. Repórteres do jornal tinham, em 1913, posto uma roleta
no Largo da Carioca, para demonstrar a tolerância da polícia com o jogo. Em
abril de 1913, o chefe de polícia do Rio de Janeiro havia declarado que o jogo
permaneceria liberado “até que o governo resolvesse o contrário". Henrique
Foréis Domingues, o Almirante, em matéria no jornal O Dia, em 13 de fevereiro
de 1972, também confirma essa versão: “alguém lá na redação de “A Noite”,
inspirando-se nos episódios em questão, criou a famosa paródia”
O crescimento da
indústria do disco, e logo o aparecimento do rádio, seguidos mais tarde do
cinema e da televisão, provaram que Donga tinha sido um pioneiro esperto ao
correr à repartição oficial para “tirar patente”.Como violonista Donga
integrou o grupo 8 BATUTAS e em 1926 integrou a Banda de Carlito Jazz. Donga viveu seus últimos anos como funcionário aposentado
da Justiça, doente e quase cego, num subúrbio do Rio de Janeiro.
PELO TELEFONE
O chefe da folia
Pelo telefone
Manda me avisar
Que com alegria
Não se questione
Para se brincar
Ai, ai, ai
Deixe as mágoas para trás, oh rapaz
Ai, ai, ai
Fica triste se és capaz e verás
Tomara que tu apanhes
Pra não tornar fazer isso
Tirar amores dos outros
Depois fazer feitiço
Ah, se a rolinha, sinhô, sinhô
Se embaraçou, sinhô, sinhô
É que a vizinha, sinhô, sinhô
Nunca sambou. Sinhô, sinhô
Porque este samba, sinhô, sinhô
De arrepiar, sinhô, sinhô
Põe perna bamba, sinhô, sinhô
Mas faz rodar
Sinhô, sinhô
O peru me disse
Se morcego visse
Não fazer tolice
Ou então saísse
Dessa esquisitice
De disse, não disse,
Ai, ai, ai
A estátua do ideal triunfal
Ai, ai, ai
Viva o nosso carnaval sem rival
Ninguém tira amor do poço
Por Deus foste castigado
O mundo estava vazio
E o inferno habitado
Queres ou não, sinhô, sinhô
Ir por cordão, sinhô, sinhô.
E ser folião, sinhô, sinhô
De coração, sinhô, Sinhô.
JOÃO
MACHADO GUEDES – JOÃO DA BAIANA
(Rio
de janeiro 17/5/1887 - Rio de janeiro 12/01/1974)
Mas, o exemplo da vida
do mais velho sobrevivente da geração que criou o samba a partir da batucada, JOÃO
MACHADO GUEDES (chamado JOÃO DA BAIANA,
porque era filho da baiana Perciliana de Santo Amaro), veio mostrar que essa
esperteza ia valer para todos, menos para os que criaram o próprio samba.
Fiscal da Marinha, recusou viajar com Pixinguinha e os Oito Batutas para não
perder o emprego.
Recolhido à Casa dos Artistas de Jacarepaguá,
na zona rural carioca, João da Baiana passou o fim de seus dias de uma forma
não muito diferente daquela que descreveu com bom humor no seu samba de maior
sucesso, o Cabide de Molambo,
composta em 1917, um samba corrido. A letra e o título da música são calcados
na figura de um malandro que tinha como apelido “cabide de molambo”. Era
alfabetizado, quase poeta, mendigo, mas servidor de amigos, e João da Baiana o
conheceu na tendinha do Tinoco, na Gamboa.
Apesar
de ser conhecida popularmente, a música só recebeu a primeira gravação em 1933,
quinze anos depois de ter sido composta.
Meu
Deus, eu ando
Com
o sapato furado
Tenho
a mania
De
andar engravatado
A
minha cama
É
um pedaço de esteira
E
é uma lata velha
Que
me serve de cadeira
Minha
camisa
Foi
encontrada na praia
A
gravata foi achada
Na
ilha de Sapucaia
Meu
terno branco
Parece
casca de alho
Foi
a deixa de um cadáver
Do
acidente no trabalho
O
meu chapéu
Foi
de um pobre surdo e mudo
As
botinas foi de um velho
Da
revolta de Canudos
Quando
eu saio a passeio
As
damas ficam falando
-
Trabalhei tanto na vida
Pro
malandro estar gozando
A
refeição
É
que é interessante
Na
tendinha do Tinoco
No
pedir eu sou constante
E
o português
Meu
amigo sem orgulho
Me
sacode o caldo grosso
Carregado
de Entulho.
Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira - 1978
Abril Cultural
Fotos – GOOGLE -
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