quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

OS PRIMITIVOS NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA - PARTE VI - HEITOR DOS PRAZERES

 

 

HEITOR DOS PRAZERES

(RIO DE JANEIRO 23/9/1898-RIO DE JANEIRO 04/10/1966)


 

Uma das mais completas figuras de criador das camadas populares foi o tocador de cavaquinho, ritmista, compositor e pintor carioca Heitor dos Prazeres, filho de descendentes de baianos da Cidade Nova, no Rio de Janeiro (o pai era o clarinetista Eduardo Prazeres, da Banda Policial; a mãe, a costureira Celestina).

Heitor surgiu para a pintura e a música ainda na infância, dividido entre os desenhos da Cartilha de Felisberto de Carvalho (que coloria com lápis) e o cavaquinho do tio, que ele tirava às escondidas do prego que o prendia à parede. -Na sala –lembrou mais tarde em seu depoimento no Museu da Imagem e do Som da Guanabara o próprio Heitor – havia também um piano, mas esse só era aberto nos dias de festa e aos sábados, para limpeza.
Após uma infância típica de menino das classes populares do Rio de Janeiro do final do século XIX (nasceu perto da Praça Onze de Junho, a 23 de setembro de 1898), passou por várias escolas, sempre expulso, foi preso por vadiagem aos treze anos e, “aprendiz de tudo”, trabalhou com tipógrafos, sapateiros e marceneiros, tornando-se mestre nessa profissão.
Quando podia largar a pua, Heitor pegava o cavaquinho e com outros rapazolas do tempo – entre os quais Donga e Caninha –ia apreciar os sambas na casa da baiana Tia Ciata, onde o maioral era o baiano criador dos primitivos ranchos cariocas, Hilário Jovino Ferreira. Integrado nesse meio de tiradores de samba de partido alto, Heitor (conhecido por MANO LINO, nas rodas de sambistas), saía de baiana no carnaval tocando seu cavaquinho, e em 1932 já firmava seu nome, vencendo, com o samba MULHER DE MALANDRO. Outro samba VOU TE ABANDONAR- surgiu logo após o carnaval de 1930 e mostrava forte emprego da  percussão.
Em 1933 fez a CANÇÃO DO JORNALEIRO, e a partir da letra autobiográfica deste tema, se iniciou uma campanha para financiar a construção da casa do PEQUENO JORNALEIRO,  que abriu em 1940.

                                                Olha  A NOITE,  Olha  A NOITE
                                                    Eu sou um pobre jornaleiro
                                                        que não tenho paradeiro
                                                        Ai, ninguém vive assim.
                                                        vivo a cercar toda gente
                                                        As vezes triste e doente
                                                     Ninguém tem pena de mim.

                                                          Eu vivo sempre a sofrer
                                                          Oh! que destino é o meu
                                                           Eu vivo sempre jogado
                                                              e bem amargurado
                                                       Oh! que sorte Deus me deu.

                                                  Olha  A NOITE,  olha  A NOITE
                                                   quando o sol vai se escondendo
                                                         eu vou me entristecendo
                                                           correndo pra redação
                                                           E lá venho carregado
                                                        com as folhas ao meu lado
                                                       Cumprindo a minha missão.

Quatro anos depois, quando morre sua primeira mulher, Mano Lino escreve uns versos sobre um pierrô apaixonado, que vivia só cantando, e de um encontro com NOEL ROSA sob os Arcos, perto da Lapa, nasce o seu primeiro grande sucesso nacional: a marcha PIERRÔ APAIXONADO.

                                                        Um pierrô apaixonado
                                                        Que vivia só cantando
                                                       Por causa de uma colombina
                                                   Acabou chorando, acabou chorando.

                                                    A colombina entrou num botequim

                                                      Bebeu, bebeu, saiu assim, assim
                                                             Dizendo: pierrô cacete
                                                     Vai tomar sorvete com o arlequim.

                                            Um grande amor tem sempre um triste fim

                                                    Com o pierrô aconteceu assim
                                                        Levando esse grande chute
                                                  Foi tomar vermute com amendoim.

 É então que Heitor começa fazer desenhos para ilustrar as partituras de suas músicas, lançando-se a experiências com pintura a óleo em 1936. Em menos de dez anos teria a honra de ver um dos seus quadros incluído na mostra de arte brasileira em Londres, para a venda em benefício da Royal Air Force. Era a tela A FESTA DE SÃO JOÃO, diante da qual a Rainha Elizabeth perguntou: 

                                             QUEM É ESSE PINTOR EXTRAORDINÁRIO?

Premiado na I Bienal de São Paulo em 1951 com seu quadro MOENDA, o sambista-pintor (a esta altura contínuo do Ministério da Educação, por influência do poeta Carlos Drummond de Andrade), ainda tinha tempo para assinar o ponto na Rádio Nacional –cujo coro dirigia havia vinte anos –e para apresentar-se em shows com seu grupo de mulatas passistas intitulado HEITOR E SUA GENTE.

Na 2ª Bienal em 1953 teve uma sala reservada para a exposição de sua obra. Criou cenário e figurinos para o balé do 4º Centenário da de São Paulo.


                                                            PIERRÔ - Heitor dos Prazeres


Foi assim que a morte por câncer o encontrou no primeiro minuto da madrugada de 4 de outubro de 1964, atirado afinal, depois de toda uma vida de cores, ritmo e poesia como ele mesmo definiu – “sobre um leito branco como uma negra bandeira”.

Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira

            Abril Cultural – 1978
Fotos: Google

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