ARY BARROSO
NÃO PERCAM! O
ESPETÁCULO MAIS SENSACIONAL DE TODOS OS TEMPOS!
HOJE! GRANDE FUNÇÃO
DO CIRCO BARROSO!
- Façam fila, façam fila! Cuidado
para não derrubar o pavilhão! O
espetáculo já vai começar!
Na confusão, o porteiro vai recebendo os ingressos. Tarefa difícil:
tem que conferir o número de palitos de fósforo, ou consultar a coleção para
ver se já tem aquela bandeira. No Circo Barroso só se entra pagando dez
palitos, ou contribuindo para a coleção de caixinhas de fósforos impressas com
bandeiras de países.
As crianças acomodam-se nos caixotes que servem de arquibancada, na
espera impaciente do espetáculo. Primeiro número: Ataul Brandão exibe-se em seu
estranho trapézio, feito de uma gangorra. Em seguida, a grande atração: as
feras domesticadas. Sobre um arame esticado, Loló, o gato, passeia de um lado
para outro, com passos elegantes e sob a ameaça de pancadas do domador. Outro
felino é obrigado a saltar através de um círculo de arame. Aplausos, batidas de
pés, gritaria, terminou o “espetáculo mais sensacional de todos os
tempos”. Na saída, o inevitável
acidente: um menino derruba a “lona”, sujando os lençóis roubados da cômoda da Tia Ritinha. Ary,
proprietário, bilheteiro e domador, reclama, o menino responde, quase sai
briga. Mas logo o grupo se dissolve: está na hora da “pelada” no campinho ao
lado da igreja. Ary guarda rapidamente os lençóis e, segurando os óculos, sai correndo para não
perder o lugar de goleiro.O menino Ary Barroso é assim: adora o circo de cavalinhos, a ponto de
improvisar o seu próprio; com os óculos presos atrás das orelhas, pretende ser
um bom goleiro míope; gosta de andar pelas ruas da cidadezinha, em busca de uma
nova brincadeira, pronto para qualquer briga. O que não lhe agrada são as aulas
diárias de piano que Tia Ritinha insiste em lhe dar. Três horas sentado num
banquinho tocando “ cachorro vai, cachorro vem”
transformaram-se em tortura.
Ary mora em Ubá, Minas Gerais, com a avó materna, Dona Gabriela
Augusta de Resende, e tia Ritinha (Rita Margarida de Resende). Quando tinha
seis anos (nasceu a 7 de novembro de 1903) perdeu a mãe, Angelina de Resende
Barroso, vítima de tuberculose aos 22 anos.
O pai, Dr. João Evangelista Barroso, deputado estadual, promotor público em
Ubá, líder da campanha civilista de Rui
Barbosa, duas semanas depois sucumbiu à mesma doença. Ary guardaria para toda a
vida um grande medo da tuberculose.
Dona Gabriela e Tia Ritinha eram
muito religiosas e queriam que Ary se tornasse padre. Conseguiram até que ele
aprendesse a ajudar missa. Mas não
puderam evitar que, numa noite, ele entrasse na igreja e amarrasse a corda do
sino na cauda de um cavalo que mansamente pastava no campinho. E o animal deu
alegres badaladas enquanto espantava as muriçocas com o rabo...
Avó e tia não possuíam recursos. Enquanto estudava, Ary precisava
ganhar algum dinheiro. E assim, com apenas doze anos, foi ajudar Tia Ritinha a fazer no piano o fundo musical para as aventuras de Mae West e Tim McCoy, no cinema Ideal. Ganhava 5$000 por noite. Mais tarde passou a 30$000 por
dia, trabalhando como caixeiro da loja A
BRASILEIRA, onde chegou a permanecer
durante seis meses.
Terminado o primário na escola do
Professor Cícero Galindo, foi para o Ginásio São José. Não demorou, foi mandado
para o ginásio da cidade de Viçosa. De lá foi para o de Rio Branco, de onde foi
expulso por ter fugido do dormitório para ir a um baile. O mesmo aconteceu na cidade de Leopoldina: 24
horas depois de chegar, tomou uma bebedeira com um novo colega e a punição foi
imediata. Só conseguiu terminar o ginásio em Cataguases, na escola do Professor
Antônio Costa. A esta altura já era um rapaz que ficava no Bar do Camilo
tomando cerveja com Chico Bomba e Franco, ferroviários da Leopoldina, defendia
o gol do Botafogo Futebol Clube de Ubá e desfilava no bloco Ubaenses e Estrelas
para mágoa do resto da família, todos membros do bloco Dragões e Opalas. Não
ficavam aí os problemas dos Resende: Ary arranjou uma noiva que não agradava à
família e estava disposto a casar, embora tivesse só 17 anos. Tinha até o
dinheiro: recebera 40:000$000 (quarenta contos de réis) de herança do Tio
Sabino Barroso ( político influente que já fora até ministro da Fazenda). Ary
era teimoso: não casou, cedendo à pressão familiar, mas abandonou Ubá, viajando
para o Rio de Janeiro em 1921.
Fonte: NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
Abril Cultural – 2ª Edição – 1977
Fotos: GOOGLE
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