sábado, 14 de agosto de 2021

ARY BARROSO - PARTE I - A TORTURA DO PIANO



 ARY BARROSO 


NÃO PERCAM! O ESPETÁCULO MAIS SENSACIONAL DE TODOS OS TEMPOS!

HOJE! GRANDE FUNÇÃO DO CIRCO BARROSO!

- Façam fila, façam fila! Cuidado para não derrubar o pavilhão!  O espetáculo já vai começar!

Na confusão, o porteiro vai recebendo os ingressos. Tarefa difícil: tem que conferir o número de palitos de fósforo, ou consultar a coleção para ver se já tem aquela bandeira. No Circo Barroso só se entra pagando dez palitos, ou contribuindo para a coleção de caixinhas de fósforos impressas com bandeiras de países.

As crianças acomodam-se nos caixotes que servem de arquibancada, na espera impaciente do espetáculo. Primeiro número: Ataul Brandão exibe-se em seu estranho trapézio, feito de uma gangorra. Em seguida, a grande atração: as feras domesticadas. Sobre um arame esticado, Loló, o gato, passeia de um lado para outro, com passos elegantes e sob a ameaça de pancadas do domador. Outro felino é obrigado a saltar através de um círculo de arame. Aplausos, batidas de pés, gritaria, terminou o “espetáculo mais sensacional de todos os tempos”.  Na saída, o inevitável acidente: um menino derruba a “lona”, sujando os lençóis  roubados da cômoda da Tia Ritinha. Ary, proprietário, bilheteiro e domador, reclama, o menino responde, quase sai briga. Mas logo o grupo se dissolve: está na hora da “pelada” no campinho ao lado da igreja. Ary guarda rapidamente os lençóis  e, segurando os óculos, sai correndo para não perder o lugar de goleiro.O menino Ary Barroso é assim: adora o circo de cavalinhos, a ponto de improvisar o seu próprio; com os óculos presos atrás das orelhas, pretende ser um bom goleiro míope; gosta de andar pelas ruas da cidadezinha, em busca de uma nova brincadeira, pronto para qualquer briga. O que não lhe agrada são as aulas diárias de piano que Tia Ritinha insiste em lhe dar. Três horas sentado num banquinho tocando “ cachorro vai, cachorro vem”  transformaram-se em tortura. 
Ary mora em Ubá, Minas Gerais, com a avó materna, Dona Gabriela Augusta de Resende, e tia Ritinha (Rita Margarida de Resende). Quando tinha seis anos (nasceu a 7 de novembro de 1903) perdeu a mãe, Angelina de Resende Barroso, vítima de tuberculose aos 22 anos.  O pai, Dr. João Evangelista Barroso, deputado estadual, promotor público em Ubá,  líder da campanha civilista de Rui Barbosa, duas semanas depois sucumbiu à mesma doença. Ary guardaria para toda a vida um grande medo da tuberculose. 
Dona Gabriela e Tia Ritinha eram muito religiosas e queriam que Ary se tornasse padre. Conseguiram até que ele aprendesse a ajudar  missa. Mas não puderam evitar que, numa noite, ele entrasse na igreja e amarrasse a corda do sino na cauda de um cavalo que mansamente pastava no campinho. E o animal deu alegres badaladas enquanto espantava as muriçocas com o rabo...
Avó e tia não possuíam recursos. Enquanto estudava, Ary precisava ganhar algum dinheiro. E assim, com apenas doze anos, foi ajudar Tia Ritinha a fazer no piano o fundo musical para as aventuras de Mae West e Tim McCoy, no cinema Ideal. Ganhava 5$000  por noite. Mais tarde passou a 30$000 por dia, trabalhando como caixeiro da loja  A BRASILEIRA,  onde chegou a permanecer durante seis meses.
Terminado o primário na escola do Professor Cícero Galindo, foi para o Ginásio São José. Não demorou, foi mandado para o ginásio da cidade de Viçosa. De lá foi para o de Rio Branco, de onde foi expulso por ter fugido do dormitório para ir a um baile.  O mesmo aconteceu na cidade de Leopoldina: 24 horas depois de chegar, tomou uma bebedeira com um novo colega e a punição foi imediata. Só conseguiu terminar o ginásio em Cataguases, na escola do Professor Antônio Costa. A esta altura já era um rapaz que ficava no Bar do Camilo tomando cerveja com Chico Bomba e Franco, ferroviários da Leopoldina, defendia o gol do Botafogo Futebol Clube de Ubá e desfilava no bloco Ubaenses e Estrelas para mágoa do resto da família, todos membros do bloco Dragões e Opalas. Não ficavam aí os problemas dos Resende: Ary arranjou uma noiva que não agradava à família e estava disposto a casar, embora tivesse só 17 anos. Tinha até o dinheiro: recebera 40:000$000 (quarenta contos de réis) de herança do Tio Sabino Barroso ( político influente que já fora até ministro da Fazenda). Ary era teimoso: não casou, cedendo à pressão familiar, mas abandonou Ubá, viajando para o Rio de Janeiro em 1921.

Fonte: NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA  
Abril Cultural – 2ª Edição – 1977
Fotos:  GOOGLE


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