VIDA DIFÍCIL DE
BACHAREL
Com dinheiro no bolso, morando numa pensão de luxo, a vida estava
fácil para o jovem Ary. Fez vestibular para a Faculdade de Direito da
Universidade do Rio de Janeiro, sonhando com um futuro sem dificuldades. Mas os melhores restaurantes, as melhores
bebidas, as roupas mais elegantes acabaram com os 40:000$000 da herança. De
Ubá, a família simplesmente informou que não podia sustentá-lo . Não havia
alternativa: Ary teria que trabalhar.
Ainda bem que tia Ritinha insistira com suas aulas de piano. Como nos
tempos de Ubá, Ary voltou a fazer o fundo musical para os filmes mudos. Das 14 às 18 h no cinema Íris; das 20 às 22 h no Odeon.
O esforço rendia-lhe 24$000 por dia, uma pequena fortuna, na época.
Era 1923 e Ary, de manhã cursava o segundo ano de direito. Trabalhando
o dia inteiro, não tinha tempo para estudar. Consequência: seu curso foi
interrompido e retomado várias vezes.; Ary formou-se somente em 31 de janeiro
de 1930, na mesma turma do cantor Mário Reis. Bom pianista, logo surgiram
outras oportunidades. Ainda em 1923, tocou na orquestra da peça LUAR DE PAQUETÁ, de Freire Júnior, encenada pela Companhia
Alda Garrido no Teatro Carlos Gomes. Deixava de ser o pianista solitário das
sessões de cinema para integrar-se nas grandes orquestras: a Trianon, de
Alarico Paes Leme, a American-Jazz, de José Rodrigues, a Orquestra de J.
Thomaz, a Jazz-Band Sul-Americana, de Romeu Silva. Esta última era a única em
que os músicos vestiam casaca, tocando nos lugares frequentados pela alta
sociedade do Rio, apreciadora da música americana. O jazz dominava e Ary, de tanto ouvir,
através de discos, os melhores pianistas do gênero, acabou se tornando também
excelente intérprete. Aliás, desde os
tempos de Ubá que ele gostava de improvisar, nunca se limitando à linha
melódica original.Saltando de orquestra em orquestra, Ary viu-se de repente sem emprego.
Todas as vagas de pianista estavam ocupadas em bailes a 10$000 por hora, a
metade do que ganhava em orquestras.
A situação só melhorou quando, em
1928, foi contratado pela orquestra do Maestro Spina, de São Paulo, para uma
temporada em Santos e Poços de Caldas.
Ficou oito meses nas montanhas, tocando piano e fazendo estação de águas...
Aproveitou também para se lançar decisivamente na composição, terreno em que já
fizera alguns ensaios.
DA GROTA FUNDA AO
RANCHO FUNDO
Ary passou na Casa Carlos Wehrs
(editora de músicas) para saber se alguém havia se interessado por suas
composições. O gerente De Vicenzi informou:
“ O Dr. Olegário Mariano e o Luís Peixoto levaram algumas músicas suas,
Ary. Dê um pulo ao Teatro Recreio e fale
com eles”.Lá ensaiavam Laranja da China, revista de Olegário Mariano, dirigida por Luís
Peixoto. Ary timidamente apresentou-se ao diretor, que lhe deu a boa notícia:
duas músicas suas tinham sido incluídas na peça (VAMOS DEIXAR DE INTIMIDADE e VOU À
PENHA) e seriam interpretadas por Araci Cortes e
Zaíra Cavalcanti. Além disso, gostando
da maneira de tocar piano de Ary, influenciada pelos pianistas americanos, Luís
perguntou: “ Você sabe fazer foxtrotes?”
Ary disse que sabia, embora jamais houvesse feito um. Então traga-me para o ensaio de
amanhã, à 1 da tarde, seis foxtrotes.
E agora, que fazer? Ary estava
com violenta furunculose e ardia em febre. Mas não podia perder a
oportunidade. Foi para casa, uma pensão
da Rua André Cavalcanti, e sentou-se ao piano. Enfraquecido e tonto,
esforçou-se para se concentrar. Finalmente,
já noite, começou o trabalho. Além do estado de saúde, tinha que suportar o
protesto dos vizinhos, que não podiam dormir com o barulho. Ás 5 da manhã
completou o último fox e à 1 em ponto, com enormes olheiras, estava no Teatro Recreio, esperando ansioso o
julgamento de Luís Peixoto.
O esforço foi compensado. Peixoto gostou das músicas e logo colocou
letra nos seis foxtrotes. Um deles, FEBRE
AZUL, ficou famoso por motivos
extramusicais. Durante o quadro em que era apresentado, as coristas espargiam
sobre os espectadores uma colônia recém-lançada no mercado, causando protestos
dos cavalheiros.
Com Laranja da China, Ary Barroso, que fizera sua primeira música – DE LONGE – aos quinze anos, tornou-se
conhecido como compositor. VOU À PENHA foi
gravada, no fim de 1928, por seu colega de faculdade Mário Reis. O Teatro Recreio ofereceu-lhe um contrato de 1:500$000 por mês
para musicar futuras peças, como Brasil do Amor, onde estreou Sílvio
Caldas, cantando Faceira, e É do
balaco-baco, revista do caricaturista J. Carlos. Para esta última, Ary fez
uma música que recebeu letra de J. Carlos, com o título de NA GROTA FUNDA: “ Na grota funda, na virada da montanha, só se fala
na façanha do mulato da Remunda...” O compositor Lamartine Babo, assistindo à
estreia, ficou impressionado com a melodia. No dia seguinte, ao se apresentar
com o Bando de Tangarás na Rádio
Educadora, lançou, sem pedir licença, a composição de Ary com nova letra: “ No Rancho Fundo, bem pra lá
no fim do mundo, onde a dor e a saudade contam coisas da cidade...” Começava a parceria Ary-Lamartine (Palmeira triste, Na virada da montanha,
Grau Dez) e a briga com J. Carlos ,
pois o caricaturista pensou que Ary dera a música para Lamartine e nunca
aceitou explicações. Não foi o único caso de troca de
letra. Em 1932 para uma revista de Luís Peixoto e Freire Júnior, Ary apresentou
uma composição que dizia: “Bahia/cheguei hoje da Bahia/ Trouxe uma figa de
Guiné...” Luís Peixoto não gostou e
escreveu nova letra: “ Maria/ o teu nome principia/ na palma da minha mão...”
Fonte: NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
Abril Cultural – 2ª Edição – 1977
Fotos: GOOGLE
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