As múltiplas atividades que
desenvolvia para se sustentar não sufocaram o compositor Ary Barroso. Pelo
contrário: tornou-se um dos mais férteis criadores de nossa música, revelando a
cada ano novos sucessos. Em 1931, Silvio Caldas gravava FACEIRA, BAHIA, UM SAMBA EM PIEDADE. Nos anos seguintes, o mesmo
cantor lança MARIA, SEGURA ESTA MULHER,
EU VOU PRO MARANHÃO, TU, POR CAUSA DESSA CABOCLA. Outras músicas surgiam na voz de Elisinha
Coelho, cuja interpretação de NO RANCHO FUNDO Ary considerava das melhores
feitas com suas composições, ao lado de
CAMISA AMARELA, por Aracy de Almeida.
Em 1934, Ary foi à Bahia como pianista da Orquestra Napoleão Tavares e
ficou encantado com a “boa terra”. Baianas, comidas, ladeiras seriam revividas
mais tarde em algumas de suas músicas mais conhecidas: NO TABULEIRO DA BAIANA, QUANDO EU PENSO NA BAHIA, NA BAIXA DO
SAPATEIRO, OS QUINDINS DE IAIÁ. Exceção
desta última, gravada por Ciro Monteiro, as outras foram interpretadas por
Carmen Miranda, a “baianinha” que dividia com Francisco Alves a preferência do
público da época. BONECA DE PIXE (letra
de Luís Iglesias) e COMO “VAES” VOCÊ também foram gravadas por Carmen Miranda, que
se tornara uma grande amiga de Ary.
Numa noite chuvosa de 1939, Ary conversava com a esposa e um casal de
cunhados quando se dirigiu para o piano, dizendo: “ Vou fazer um samba cheio de
inovações...” Começou imitando no teclado a batida de um tamborim e meia hora
depois música e letra estavam prontas. O cunhado não gostou da letra: “ COQUEIRO QUE DÁ COCO” QUE QUERIA QUE ELE DESSE?” Ary não se importou com a
crítica. Estava satisfeito com a letra que exaltava o bom e o belo do Brasil,
contrapondo-se às tradicionais estórias de malandragem, bebida, dinheiro,
amores fracassados que dominavam o samba. Levou a nova composição para uma peça
de Edmundo Lys. Cantada por Aracy Cortes, passou despercebida. Pouco depois
Aracy de Almeida desistia de gravá-la
porque exigia grande orquestra em vez de regional. A música voltou ao
teatro em Joujoux e Balangandãs, de Henrique Pongetti, interpretada por
Cândido Botelho. Desta vez foi muito bem recebida pelo público e logo levada a
disco por Francisco Alves, ocupando os dois lados de um 78 rotações. Era outubro
de 1939. Desde então AQUARELA
DO BRASIL tornou-se sucesso, tendo
mais de cem gravações no Brasil, sem falar nas do exterior, dos Estados Unidos
à França, do México às Filipinas, da Alemanha à Nova Zelândia.
- Naturalmente em princípio eu sofria influência do Sinhô. Seguida
pela fase que eu chamo de Eduardo Souto. Foram estes dois que me acompanharam
musicalmente no começo da minha carreira.
Depois eu consegui me libertar e criei um estio todo pessoal, cujo início
poderá ser marcado com FACEIRA (...) . Nessa fase eu era mais ingênuo, mais
puro, mais autêntico. Depois vim a criar um estilo que chamaram de
“exaltação”. Por que, não sei. É a fase
em que falo do Brasil grandioso, nas suas várias facetas, de beleza, de
riquezas. Não tem nada de exaltação. Começa naturalmente com Aquarela do Brasil.
NA BAIXA DO SAPATEIRO, gravado antes, já prenunciava o estilo grandiloquente
das novas composições de Ary, como Brasil Moreno e Terra Seca, samba que considerava sua
obra-prima.
Mas, foi Aquarela do Brasil que lhe deu fama e... dólares. Uma história que começa em Belém do Pará quando um grupo de americanos quis ouvir música brasileira e fez o pedido para o péssimo quarteto que tocava no restaurante do hotel. Saiu uma Aquarela meio deformada, mas o suficiente para que o americano mais importante do grupo saísse assobiando trechos da melodia e não a esquecesse até chegar ao Rio de Janeiro.
O americano era Walt Disney, que vinha fazer um desenho num país
tropical. E, para fundo musical das aventuras de Zé Carioca em Alô, Amigos,
escolheu a composição que ouvira primeiro em Belém e depois no Rio. Entusiasmado com as músicas de Ary, mais tarde, incluiu NO
TABULEIRO DA BAIANA e OS QUINDINS DE IAIÁ no desenho VOCÊ JÁ FOI À BAHIA?.
Foi o suficiente para que Ary ganhasse notoriedade internacional e
fosse chamado a Hollywood para fazer a música de outros filmes. Em princípios
de 1944 ia pela primeira vez aos Estados Unidos, compondo RIO DE JANEIRO para o
filme BRASIL, música que chegou a ser indicada para o Oscar.
No fim do mesmo ano voltou à América do Norte, onde permaneceu oito meses
ganhando mil dólares por semana. Desta vez compôs a canção-tema do filme
TRÊS GAROTAS DE AZUL.
E jamais esqueceu um telefone de
Los Angeles CR-52354. Através dele ouviu a voz inconfundível da velha amiga
Carmen Miranda, que se instalara nos Estados Unidos havia cinco anos. Ary
voltaria ainda uma vez, em 1948, para musicar O TRONO DAS AMAZONAS, filme que não chegou a ser completado.
Fonte: NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
Abril Cultural- 2ª edição - 1977
Fotos: GOOGLE
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