De pensão em pensão, Ary foi parar na Rua André Cavalcanti, nº 50, e
gostou muito do lugar. Não só das acomodações, mas também da filha da dona da
pensão. Era 1929 e Ary Barroso resolveu
casar. Mas onde estava o dinheiro para montar a casa, se seu salário no teatro
mal dava pra os gastos diários?
O compositor Eduardo Souto -
que muito influenciou a obra de Ary
- sugeriu uma solução: ganhar o
concurso de músicas carnavalescas que a Casa
Edison estava promovendo. Ary gostou da ideia e escreveu a marchinha DÁ NELA, cuja letra era um violento ataque às mulheres
linguarudas: “ Esta mulher há muito tempo me provoca.../ Dá nela! Dá nela! É
perigosa, fala mais que pata-choca.../ Dá nela! Dá nela!. No dia 18 de janeiro de 1930, o público que
lotava o Teatro Lírico vibrava com as músicas de Pixinguinha, Sinhô,
Donga. Mas DÁ NELA sobrepujou a todas e os novecentos votantes da plateia
deram-lhe a vitória com trezentos votos de diferença para a segunda
colocada. Gravada por Francisco Alves,
foi o maior sucesso do carnaval de 1930.
Os 5:000$000 de prêmio foram mais do que suficientes para Ary pagar as
despesas com o diploma de bacharel em direito – recebido a 31 de janeiro – e
casar com Ivone Belfort de Arantes a 26 de fevereiro. Mas o dinheiro que
ganhava tocando piano e compondo não permitiria uma vida folgada para o casal.
O HOMEM DOS SETE MICROFONES
Com o diploma debaixo do braço, Ary foi a Belo Horizonte, onde um tio,
o Deputado Alarico Barroso, lhe conseguiu
uma nomeação para juiz municipal
de Nova Rezende. O futuro estava garantido. Só que quinze dias depois Ary
voltou para o Rio: chegara à conclusão de que não nascera para juiz, que sua
vida estava definitivamente ligada à música.
O tenor Machado del Negri, pronto para ensaiar um trecho de Marta, ópera de Flotow, perguntou para
Renato Murce, produtor do programa Horas
do Outro Mundo:
- Onde está o pianista?
Renato apresentou Ary e o tenor não gostou: -Este rapaz é do samba. Ele não conhece
música clássica! - Coloca a partitura no piano que ele acompanha.
Ary tocou perfeitamente e o tenor teve que pedir desculpas. Era 1932 e
Ary Barroso ingressava na Rádio Philips
a convite de Renato Murce. A princípio
simples pianista, logo se tornaria
locutor, humorista, animador e locutor esportivo.
Tudo começou com o terceiro lugar conseguido num concurso de
locutores. Ficou trabalhando na Philips e logo arranjou briga: criticou pelo
microfone Sodré Viana e Henrique Pongetti, que haviam elogiado um filme em que
a rumba aparecia como música brasileira. Formou-se uma polêmica, como tantas
outras que Ary promoveria mais tarde.
Depois da Philips, Ary foi para a Mayrink Veiga, e de lá para a
Cosmos, em São Paulo. Relembrando o
tempo em que contava piadas no intervalo das revistas que musicava,
transformou-se em humorista, trabalhando com Luís Peixoto e Gagliano Netto. Voltando para o Rio, foi para a Cruzeiro do Sul. Seus
companheiros: Heber de Bôscoli, Paulo
Roberto e Edmundo Maia, que era o “sonoplasta”, imitando trovão, latido de
cachorro, etc...
Os programas de calouros de Ary Barroso ficaram famosos pelos disparates
que os candidatos diziam e pelo gongo, inovação de Ary que, no princípio,
quando o programa começou na Rádio Cruzeiro do Sul (1937), era um sino. Ary brincava com os calouros, fazendo os
ouvintes se divertirem com os absurdos ditos ao microfone. Quando passou para a
Tupi, instituiu o gongo, que era tocado pelo auxiliar de portaria da rádio,
Macalé. O calouro desafinava e Ary fazia um discreto gesto – coçar a cabeça,
segurar o botão do paletó – e Macalé já sabia: gongo nele!
Preocupado em defender a música brasileira, não gostava quando um
calouro cantava Fox, bolero ou tango. E exigia que anunciassem o autor da
música, procurando prestigiar os compositores. Essa exigência motivou várias
confusões engraçadas, algumas com seus próprios sambas. O calouro anunciava que
ia cantar um “sambinha” de autor desconhecido: AQUARELA DO BRASIL... Ou se
espantava: “ Ué, RISQUE não é da Linda Batista?” . Outro, que ia cantar
composição de Vinicius de Moraes e Tom Jobim, anunciou apenas o nome do poeta.
Ary perguntou: “ e o Tom?” Resposta: “
Sol maior”.
Cantores famosos, como Angela
Maria e Lúcia Alves começaram em seu programa, que chegou a ser transmitido
pela televisão. Mas, Ary, desgostoso com o pouco tempo que lhe davam na TV Tupi
(25 minutos), acabou encerrando o programa definitivamente.
Fonte: NOVA
HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
Abril Cultural
– 2ª Edição – 1977
Fotos: GOOGLE
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