sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

A VALSA BRASILEIRA - II - O PÉ-DE-VALSA

O PÉ-DE-VALSA




A valsa desembarcou no Brasil junto com a sensibilidade romântica, com as modas, com as primeiras ideias liberais, as quinquilharias e outras coisas que Paris, “a capital do século XIX”, nos enviava. E ao que tudo indica o ritmo não encontrou muita dificuldade para  registrar seu passaporte ao cotidiano  de nosso império encartolado. 
Em 1833, no “Jornal do Comércio”,  Laemmert e Cia.  anunciavam valsas do compositor austríaco Henri Herz (1803-1888). É dessa época o arranjo para piano e flauta com o qual o professor Maurício Dooltinger coloriu a “nova” Valsa Brasileira. Porém, a data que nossa historiografia sobre a música popular considera como a da instalação da valsa no Brasil é a de 1837, quando do lançamento da Coleção de Valsas do compositor Cândido Inácio da Silva  (tenor e tocador de viola), editadas na velha São Sebastião do Rio de Janeiro por Pierre Laforge. No ano seguinte o valsejar já era um hábito íntimo de certas camadas sociais, frequentando mesmo alguns bailes de máscaras.  “O Carapuceiro”, periódico de crítica de costumes editado pelo Padre Lopes Gama, no Recife, também fazia alusões à dança de salão que se inaugurava.
O costume de dançar valsas confundiu-se tanto com nossos bailes e com nossas emoções que originou um novo personagem o “pé-de-valsa” – apelido expressivo  do bailarino galante, exímio, irresistível.  A valsa também despertou, em anotações dispersas,  a imaginação arguta de Machado de Assis: “ Ninguém há que aprecie mais as mulheres do que nós;  mas aqui é difícil vê-las juntas sem fazê-las dançar e dançar com elas.  Uma só que seja, podemos dizer-lhe coisas bonitas, enquanto não ouvirmos uma valsa; em ouvindo a valsa, deitamos-lhe o braço à roda da cintura e fazemos dois ou três giros”.




A valsa também percorreu o imaginário dos poetas românticos como Casimiro de Abreu e Castro Alves, que a citaram em suas rimas.

O LAÇO DE FITA

                                                             CASTRO ALVES (ESPUMAS FLUTUANTES -1870)


Não sabes, criança? 'Stou louco de amores...

Prendi meus afetos, formosa Pepita.

Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?!

Não rias, prendi-me

Num laço de fita.



Na selva sombria de tuas madeixas,

Nos negros cabelos da moça bonita,

Fingindo a serpente qu'enlaça a folhagem,

Formoso enroscava-se

O laço de fita.




Meu ser, que voava nas luzes da festa,

Qual pássaro bravo, que os ares agita,

Eu vi de repente cativo, submisso

Rolar prisioneiro

Num laço de fita.




E agora enleada na tênue cadeia

Debalde minh'alma se embate, se irrita...

O braço, que rompe cadeias de ferro,

Não quebra teus elos,

Ó laço de fita!




Meu Deusl As falenas têm asas de opala,

Os astros se libram na plaga infinita.

Os anjos repousam nas penas brilhantes...

Mas tu... tens por asas

Um laço de fita.




Há pouco voavas na célere valsa,

Na valsa que anseia, que estua e palpita.

Por que é que tremeste? Não eram meus lábios...

Beijava-te apenas...

Teu laço de fita.




Mas ai! findo o baile, despindo os adornos

N'alcova onde a vela ciosa... crepita,

Talvez da cadeia libertes as tranças

Mas eu... fico preso

No laço de fita.




Pois bem! Quando um dia na sombra do vale

Abrirem-me a cova... formosa Pepital

Ao menos arranca meus louros da fronte,

E dá-me por c'roa...

Teu laço de fita.

  


Em 1835, o flautista francês Pierre Laforge estabeleceu no Rio de Janeiro uma Indústria de Músicas, na Rua da Cadea n.º 98. Contando com a cumplicidade das Casas de Diversões Públicas, ele passou a divulgar a valsa num circuito mais amplo. A dança que acertou nossos ponteiros com a moda europeia, inscreve-se na tradição das "valsas puladas", de origem francesa. José Joaquim Goyano e A. S. Queiroz foram autores de peças que conservaram, acentuadamente, esse sotaque francês. Depois de 1840, assiste-se à proliferação das valsas vienenses de Lanner e dos Strauss (pai e filho).
A entrada em cena, pouco mais tarde, da polca e da schottisch – apesar do sucesso que alcançaram – não abalou o status que a valsa tinha conseguido junto ao público brasileiro. No intervalo de tempo que separa a coroação de D. Pedro II da aurora republicana, podem ser encontrados três estilos particulares de valsas:
1º - aquelas que desenham tons brilhantes, em movimento lépido, aparecendo como modelares as composições de Lanner e Strauss;
2º - as valsas  que utilizavam, comumente, os tons menores, empregando grupos de colcheias seguidas de notas de repouso (procedimento  já irrevogavelmente ancorado na musicalidade brasileira).
3º - a valsa de andamento  mais lento, podendo, inclusive, estampar uma ambiguidade modal.
Essas modalidades estiveram associadas à pulsação que nos habituamos a ouvir nas ruas, uma vez que foram utilizadas periodicamente pelas bandas de música, nos desfiles ou nos coretos domingueiros.
O gênero valsa tem sido fruído de várias maneiras, ora como dança de pares enlaçados, ora como música instrumental ou como canção. Traduzida pelos chorões antigos ela conquistou uma musicalidade brejeira e plangente, bordada pelos violões que acompanhavam o instrumento solista. Da fase heroica do choro (quando a valsa também era considerada choro) até hoje, forma-se uma tradição fecunda de instrumentistas que acomodaram sua sensibilidade nos moldes da valsa. Luar de Coromandel e Vânia, de Abel Ferreira, são exemplos eloquentes.
Foram os pianistas amadores, principalmente através da execução mais livre (facilitada), os primeiros  a dar coloração abrasileirada à valsa, ainda mal chegada do estrangeiro. Nessa adaptação da valsa para a pianística local salientaram-se Isidoro Bevilacqua e Arthur Napoleão (sobre o qual dizia Machado de Assis, em “A Semana”:  “ É assim que eu admiro música; basta ver o Arthur Napoleão parado”.
Escrevendo suas valsas numa literatura “pianeira” mais elaborada, burilada com maiores requintes sonoros, surge Ernesto Nazareth, que preservou em suas peças o esquema inicial da valsa alegre e dançante de salão.  São dele, por exemplo, Crê e Espera, e Genial (que apresentam a estrutura do minueto de três seções, além de uma vigorosa pulsação do primeiro tempo do compasso, seguida de harmonia em acordes “placados”, em nítida alusão à matriz europeia desse gênero musical).
Helena e Confidências, também de Ernesto Nazareth acusam cacoetes musicais retirados da tradição popular brasileira, mas não abandonam os gestos eruditos e vinculados à sugestão da dança giratória imigrante.
Outro chorão famoso que perambulou pela valsa foi o mestre Anacleto de Medeiros, fundador e regente da histórica Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, autor das peças Terna Saudade e  Despedida.
Em contato com a nossa modinha imperial, a valsa recebeu a aderência de suas técnicas, mantendo contudo sua periodicidade rítmica original, fixando os compassos ¾. Ambas são gêneros musicais que tanto passearam por saraus e salões nobres quanto se tornaram  adequadas à expressão do imaginário popular. A valsa de timbre aristocrático, dos bailes mais elegantes, possuía uma modulação central (a melodia, na primeira parte, passava do tom principal para o da dominante, retornando e concluindo  na tônica, na segunda parte). Esse modelo se evapora na apropriação  popular da música de dança: sua melodia refere-se a uma tonalidade, aceitando, de vez em quando, tensões modulantes mais livres. As insinuações da modinha, a adulteração de seu andamento inicial, criaram, entre nós, condições para a adequação da valsa ao canto, gerando a valsa-canção.

A VALSA –

                                         CASIMIRO DE ABREU



Tu, ontem,
Na dança
Que cansa,
Voavas
Co'as faces
Em rosas
Formosas
De vivo,
Lascivo
Carmim;
Na valsa
Tão falsa,
Corrias,
Fugias,
Ardente,
Contente,
Tranqüila,
Serena,
Sem pena
De mim!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas...
— Eu vi!...

Valsavas:
— Teus belos
Cabelos,
Já soltos,
Revoltos, 
Saltavam,
Voavam,
Brincavam
No colo
Que é meu;
E os olhos
Escuros
Tão puros,
Os olhos
Perjuros
Volvias,
Tremias,
Sorrias,
P'ra outro
Não eu!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas...
— Eu vi!...

Meu Deus!
Eras bela
Donzela,
Valsando,
Sorrindo,
Fugindo,
Qual silfo
Risonho
Que em sonho
Nos vem!
Mas esse
Sorriso
Tão liso
Que tinhas
Nos lábios
De rosa,
Formosa,
Tu davas,
Mandavas
A quem ?!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas,..
— Eu vi!...

Calado,
Sozinho,
Mesquinho,
Em zelos
Ardendo,
Eu vi-te
Correndo
Tão falsa
Na valsa
Veloz!
Eu triste
Vi tudo!

Mas mudo
Não tive
Nas galas
Das salas,
Nem falas,
Nem cantos,
Nem prantos,
Nem voz!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!

Quem dera
Que sintas!...
— Não negues
Não mintas...
— Eu vi!

Na valsa
Cansaste;
Ficaste
Prostrada,
Turbada!
Pensavas,
Cismavas,
E estavas
Tão pálida
Então;
Qual pálida
Rosa
Mimosa
No vale
Do vento
Cruento
Batida,
Caída
Sem vida.
No chão!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas...
Eu vi!






Fonte; Youtube: PAULO AUTRAN - DECLAMA - A VALSA - CASIMIRO DE ABREU

Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira - Abril Cultural - 1978
poesias: Google

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