A valsa desembarcou no Brasil
junto com a sensibilidade romântica, com as modas, com as primeiras ideias
liberais, as quinquilharias e outras coisas que Paris, “a capital do século
XIX”, nos enviava. E ao que tudo indica o ritmo não encontrou muita dificuldade
para registrar seu passaporte ao
cotidiano de nosso império
encartolado.
Em 1833, no “Jornal do
Comércio”, Laemmert e Cia. anunciavam valsas do compositor austríaco
Henri Herz (1803-1888). É dessa época o arranjo para piano e flauta com o qual
o professor Maurício Dooltinger coloriu a “nova” Valsa Brasileira. Porém, a
data que nossa historiografia sobre a música popular considera como a da
instalação da valsa no Brasil é a de 1837, quando do lançamento da Coleção de
Valsas do compositor Cândido Inácio da Silva
(tenor e tocador de viola), editadas na velha São Sebastião do Rio de
Janeiro por Pierre Laforge. No ano seguinte o valsejar já era um hábito íntimo
de certas camadas sociais, frequentando mesmo alguns bailes de máscaras. “O Carapuceiro”, periódico de crítica de
costumes editado pelo Padre Lopes Gama, no Recife, também fazia alusões à dança
de salão que se inaugurava.
O costume de dançar valsas
confundiu-se tanto com nossos bailes e com nossas emoções que originou um novo
personagem o “pé-de-valsa” – apelido expressivo
do bailarino galante, exímio, irresistível. A valsa também despertou, em anotações
dispersas, a imaginação arguta de
Machado de Assis: “ Ninguém há que aprecie mais as mulheres do que nós; mas aqui é difícil vê-las juntas sem fazê-las
dançar e dançar com elas. Uma só que
seja, podemos dizer-lhe coisas bonitas, enquanto não ouvirmos uma valsa; em
ouvindo a valsa, deitamos-lhe o braço à roda da cintura e fazemos dois ou três
giros”.
A valsa também percorreu o
imaginário dos poetas românticos como Casimiro de Abreu e Castro Alves, que a
citaram em suas rimas.
O LAÇO DE FITA
CASTRO ALVES (ESPUMAS FLUTUANTES -1870)
Não sabes, criança? 'Stou louco de amores...
Prendi meus afetos, formosa Pepita.
Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?!
Não rias, prendi-me
Num laço de fita.
Na selva sombria de tuas madeixas,
Nos negros cabelos da moça bonita,
Fingindo a serpente qu'enlaça a folhagem,
Formoso enroscava-se
O laço de fita.
Meu ser, que voava nas luzes da festa,
Qual pássaro bravo, que os ares agita,
Eu vi de repente cativo, submisso
Rolar prisioneiro
Num laço de fita.
E agora enleada na tênue cadeia
Debalde minh'alma se embate, se irrita...
O braço, que rompe cadeias de ferro,
Não quebra teus elos,
Ó laço de fita!
Meu Deusl As falenas têm asas de opala,
Os astros se libram na plaga infinita.
Os anjos repousam nas penas brilhantes...
Mas tu... tens por asas
Um laço de fita.
Há pouco voavas na célere valsa,
Na valsa que anseia, que estua e palpita.
Por que é que tremeste? Não eram meus lábios...
Beijava-te apenas...
Teu laço de fita.
Mas ai! findo o baile, despindo os adornos
N'alcova onde a vela ciosa... crepita,
Talvez da cadeia libertes as tranças
Mas eu... fico preso
No laço de fita.
Pois bem! Quando um dia na sombra do vale
Abrirem-me a cova... formosa Pepital
Ao menos arranca meus louros da fronte,
E dá-me por c'roa...
Teu laço de fita.
Em 1835, o flautista francês
Pierre Laforge estabeleceu no Rio de Janeiro uma Indústria de Músicas, na Rua
da Cadea n.º 98. Contando com a cumplicidade das Casas de Diversões Públicas,
ele passou a divulgar a valsa num circuito mais amplo. A dança que acertou
nossos ponteiros com a moda europeia, inscreve-se na tradição das "valsas puladas", de origem francesa. José
Joaquim Goyano e A. S. Queiroz foram autores de peças que conservaram,
acentuadamente, esse sotaque francês. Depois de 1840, assiste-se à proliferação
das valsas vienenses de Lanner e dos Strauss (pai e filho).
A entrada em cena, pouco mais
tarde, da polca e da schottisch – apesar do sucesso que alcançaram – não abalou
o status que a valsa tinha conseguido junto ao público brasileiro. No intervalo
de tempo que separa a coroação de D. Pedro II da aurora republicana, podem ser
encontrados três estilos particulares de valsas:
1º - aquelas que desenham
tons brilhantes, em movimento lépido, aparecendo como modelares as composições
de Lanner e Strauss;
2º - as valsas que utilizavam, comumente, os tons menores,
empregando grupos de colcheias seguidas de notas de repouso (procedimento já irrevogavelmente ancorado na musicalidade
brasileira).
3º - a valsa de
andamento mais lento, podendo,
inclusive, estampar uma ambiguidade modal.
Essas modalidades estiveram
associadas à pulsação que nos habituamos a ouvir nas ruas, uma vez que foram
utilizadas periodicamente pelas bandas de música, nos desfiles ou nos coretos
domingueiros.
O gênero valsa tem sido
fruído de várias maneiras, ora como dança de pares enlaçados, ora como música
instrumental ou como canção. Traduzida pelos chorões antigos ela conquistou uma
musicalidade brejeira e plangente, bordada pelos violões que acompanhavam o
instrumento solista. Da fase heroica do choro (quando a valsa também era
considerada choro) até hoje, forma-se uma tradição fecunda de instrumentistas
que acomodaram sua sensibilidade nos moldes da valsa. Luar de Coromandel e Vânia,
de Abel Ferreira, são exemplos eloquentes.
Foram os pianistas amadores,
principalmente através da execução mais livre (facilitada), os primeiros a dar coloração abrasileirada à valsa, ainda
mal chegada do estrangeiro. Nessa adaptação da valsa para a pianística local
salientaram-se Isidoro Bevilacqua e Arthur Napoleão (sobre o qual dizia Machado
de Assis, em “A Semana”: “ É assim que
eu admiro música; basta ver o Arthur Napoleão parado”.
Escrevendo suas valsas numa
literatura “pianeira” mais elaborada, burilada com maiores requintes sonoros,
surge Ernesto Nazareth, que preservou em suas peças o esquema inicial da valsa
alegre e dançante de salão. São dele,
por exemplo, Crê e Espera, e Genial (que
apresentam a estrutura do minueto de três seções, além de uma vigorosa pulsação
do primeiro tempo do compasso, seguida de harmonia em acordes “placados”, em
nítida alusão à matriz europeia desse gênero musical).
Já Helena e Confidências,
também de Ernesto Nazareth acusam cacoetes musicais retirados da tradição
popular brasileira, mas não abandonam os gestos eruditos e vinculados à
sugestão da dança giratória imigrante.
Outro chorão famoso que
perambulou pela valsa foi o mestre Anacleto de Medeiros, fundador e regente da
histórica Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, autor das peças Terna Saudade e Despedida.
Em contato com a nossa
modinha imperial, a valsa recebeu a aderência de suas técnicas, mantendo
contudo sua periodicidade rítmica original, fixando os compassos ¾. Ambas são
gêneros musicais que tanto passearam por saraus e salões nobres quanto se
tornaram adequadas à expressão do
imaginário popular. A valsa de timbre aristocrático, dos bailes mais elegantes,
possuía uma modulação central (a melodia, na primeira parte, passava do tom
principal para o da dominante, retornando e concluindo na tônica, na segunda parte). Esse modelo se
evapora na apropriação popular da música
de dança: sua melodia refere-se a uma tonalidade, aceitando, de vez em quando,
tensões modulantes mais livres. As insinuações da modinha, a adulteração de seu
andamento inicial, criaram, entre nós, condições para a adequação da valsa ao
canto, gerando a valsa-canção.
A VALSA –
CASIMIRO DE ABREU
Tu,
ontem,
Na dança
Que cansa,
Voavas
Co'as faces
Em rosas
Formosas
De vivo,
Lascivo
Carmim;
Na valsa
Tão falsa,
Corrias,
Fugias,
Ardente,
Contente,
Tranqüila,
Serena,
Sem pena
De mim!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas...
— Eu vi!...
Valsavas:
— Teus belos
Cabelos,
Já soltos,
Revoltos,
Saltavam,
Voavam,
Brincavam
No colo
Que é meu;
E os olhos
Escuros
Tão puros,
Os olhos
Perjuros
Volvias,
Tremias,
Sorrias,
P'ra outro
Não eu!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas...
— Eu vi!...
Meu Deus!
Eras bela
Donzela,
Valsando,
Sorrindo,
Fugindo,
Qual silfo
Risonho
Que em sonho
Nos vem!
Mas esse
Sorriso
Tão liso
Que tinhas
Nos lábios
De rosa,
Formosa,
Tu davas,
Mandavas
A quem ?!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas,..
— Eu vi!...
Calado,
Sozinho,
Mesquinho,
Em zelos
Ardendo,
Eu vi-te
Correndo
Tão falsa
Na valsa
Veloz!
Eu triste
Vi tudo!
Mas mudo
Não tive
Nas galas
Das salas,
Nem falas,
Nem cantos,
Nem prantos,
Nem voz!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues
Não mintas...
— Eu vi!
Na valsa
Cansaste;
Ficaste
Prostrada,
Turbada!
Pensavas,
Cismavas,
E estavas
Tão pálida
Então;
Qual pálida
Rosa
Mimosa
No vale
Do vento
Cruento
Batida,
Caída
Sem vida.
No chão!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas...
Eu vi!
Na dança
Que cansa,
Voavas
Co'as faces
Em rosas
Formosas
De vivo,
Lascivo
Carmim;
Na valsa
Tão falsa,
Corrias,
Fugias,
Ardente,
Contente,
Tranqüila,
Serena,
Sem pena
De mim!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas...
— Eu vi!...
Valsavas:
— Teus belos
Cabelos,
Já soltos,
Revoltos,
Saltavam,
Voavam,
Brincavam
No colo
Que é meu;
E os olhos
Escuros
Tão puros,
Os olhos
Perjuros
Volvias,
Tremias,
Sorrias,
P'ra outro
Não eu!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas...
— Eu vi!...
Meu Deus!
Eras bela
Donzela,
Valsando,
Sorrindo,
Fugindo,
Qual silfo
Risonho
Que em sonho
Nos vem!
Mas esse
Sorriso
Tão liso
Que tinhas
Nos lábios
De rosa,
Formosa,
Tu davas,
Mandavas
A quem ?!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas,..
— Eu vi!...
Calado,
Sozinho,
Mesquinho,
Em zelos
Ardendo,
Eu vi-te
Correndo
Tão falsa
Na valsa
Veloz!
Eu triste
Vi tudo!
Mas mudo
Não tive
Nas galas
Das salas,
Nem falas,
Nem cantos,
Nem prantos,
Nem voz!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues
Não mintas...
— Eu vi!
Na valsa
Cansaste;
Ficaste
Prostrada,
Turbada!
Pensavas,
Cismavas,
E estavas
Tão pálida
Então;
Qual pálida
Rosa
Mimosa
No vale
Do vento
Cruento
Batida,
Caída
Sem vida.
No chão!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas...
Eu vi!
Fonte; Youtube: PAULO AUTRAN - DECLAMA - A VALSA - CASIMIRO DE ABREU
Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira - Abril Cultural - 1978
poesias: Google
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