Catulo da Paixão Cearense,
com os versos que colava às melodias da época, foi um dos principais
responsáveis pela difusão e formação da valsa-canção. De sua autoria são os
poemas da música Terna Saudade (gravada por Vicente Celestino) e da famosa Clélia, cuja tessitura musical foi
desenhada pelo grande trompetista chorão Luiz de Souza.
Em 1914, a maneira valsejada
de cantar já tinha se tornado uma das vozes mais requisitadas da lírica popular brasileira. Uma das músicas
mais famosas daqueles dias veio do Recife: a Valsa dos que Sofrem, de Alfredo da Gama, interpretada por um duo
conhecido como Os Orestes, que excursionava por todo o país. Sombra do sucesso da Valsa dos que
Sofrem era Flor do Mal, de Santos Coelho, até hoje uma das peças mais
conhecidas do gênero. Por essa época,
era comum a música aparecer acompanhando
representações cênicas nos teatros e circos. Também servia de fundo sonoro para
as imagens do cinema mudo.
No Circo Spinelli, apresentavam-se destacados praticantes da sentimental
valsa-canção, como Catulo e o palhaço e cantor Eduardo das Neves; a valsa Royal
Cinema refere-se a homônima sala de exibição de fitas do Recife, como
testemunho histórico desses primeiros namoros entre a música e as imagens
industrializadas.
O cinema falado foi um dos
grandes culpados da transformação: a partir dos anos 20, a valsa participou de
nossos desejos e alumbramentos, principalmente através das trilhas de filmes
americanos. Movidos por essa circunstância, onde não se precisam claramente os
limites entre a imitação servil e as exigências de um sentimento estético
profundo, nossos compositores adotaram a valsa com entusiasmo. Essa tendência
se acentuou depois do alarido causado pelo sucesso de Dançando com lágrimas nos Olhos, versão de Lamartine Babo para Dancing with tears in my eyes, gravada em
1932 por Francisco Alves. Como efeito
contrário, adormecendo um pouco o uso da valsa, o cinema falado incentivou a
voga do fox-trot, que, como comenta Noel Rosa, compareceu nos repertórios das
gafieiras, obrigando o malandro a dançar “dando pinote”.
Datam ainda da década de 20,
as valsas lentas de Erotides de Campos: Melodia da fé, Vera, Dá-me o teu Coração,
Ave-Maria e outras, algumas com
versos de Jonas Neves. Natural de
Cabreúva, SP. (Erotides nasceu em 15 de Outubro de 1896 e faleceu em
Piracicaba, SP, em 20 de março de 1945).
Fonte: Youtube - FRANCISCO ALVES - O REI DA VOZ- AVE MARIA - (EROTIDES CAMPOS, COM VERSOS DE JONAS NEVES)
Grande compositor de valsas desse período, tendo seu nome associado ao choro Tico-Tico no Fubá, é José Gomes (Zequinha) de Abreu.
Considerado, ao lado de José Maria de Abreu e de Gastão Lamounier, um dos mestres do gênero, Zequinha de Abreu nasceu no interior paulista, em Santa Rita do Passa Quatro, em 19 de setembro de 1880. Em 1896, não suportando mais o Seminário Episcopal, Zequinha de Abreu fugiu, voltando à cidadezinha natal. Foi então que compôs Flor da Estrada, sua primeira valsa. Pouco depois, já se exercitando em outros gêneros (tangos, choros, foxes, marchas) e trabalhando na farmácia do pai, organizou a Lira Santarritense e a Orquestra Smart, que se apresentavam no cinema do mesmo nome. Em 1913, em homenagem à filha do chefe da estação ferroviária da cidade, suspirou a valsa Branca, antológica entre as valsas instrumentais.
Em 1920, Zequinha de Abreu
transferiu-se definitivamente para são Paulo. Inicialmente, como pianista,
encantou os clientes da Casa Beethoven; depois trabalhou na orquestra do Bar
Viaducto. Excelente pianista e compositor ainda se virava como uma espécie de
músico ambulante, percorrendo as residências de gente rica, tocando e vendendo
as partituras musicais.
De sua obra e, dentre os
vários gêneros, vale citar as valsas
Beijos ao Luar, Minha Valsa, Rosa Desfolhada (em parceria com Dino
Castilho), Alma em Delírio e Último
Beijo.
Em 1934 inicia-se um período
reluzente da valsa no Brasil. E é justamente nessa bela época do gênero que se encontra a obra maior de José Maria de
Abreu, talvez a figura mais importante dessa modalidade de canção popular.
José Maria de Abreu nasceu em
Jacareí, SP, no dia 7 de fevereiro de 1911. Seu pai era maestro e seu
professor. Aos 11 anos, José Maria de Abreu era primeiro pistão da bandinha de
seu colégio, tendo, inclusive, composto o hino do estabelecimento. Aos
dezesseis anos ocupou a vaga de maestro de uma companhia de teatro de revista
que peregrinava por sua cidade, ganhando seus primeiros tostões com a
música. Sua oportunidade como regente de
uma orquestra mais requintada deu-se no Teatro Boa Vista, em São Paulo. Fixando-se na capital, começou a viver
profissionalmente de música, trabalhando como pianista nas casas Sotero Gaó e
Di Franco. As primeiras gravações de músicas compostas por José Maria de Abreu
ocorreram nas vozes de Francisco Alves e
Paraguassu.Em 1933 José Maria mudou-se para o Rio de Janeiro, esparramando os acordes do seu piano entre os ouvintes
da Rádio Mayrink Veiga; a partir do ano seguinte, forma com Francisco Matoso
uma das parcerias mais fecundas em qualidade e quantidade que a valsa já
permitiu. A dupla é responsável por algumas das melhores faturas que o gênero
conheceu entre nós, produzindo canções definitivamente incorporadas pela
musicalidade brasileira: Boa Noite amor
(1936), Horas Iguais (1937), Alguém (1938), Ao Ouvir esta canção, hás de pensar em mim (1940).
Na companhia de outros
parceiros, José Maria de Abreu – a quem
o pesquisador e crítico Ary Vasconcelos chamou de o “Rei da Valsa” – conservava
seu profundo sentido musical, do qual são documentos suas composições com o genial Lamartine Babo -Mais uma Valsa... Mais uma saudade, Uma valsa Azul e Valsa da Formatura; e com
Osvaldo Santiago e Paulo Barbosa,
Italiana, em
1936, e Torre de Marfim, 1938.
Quando soaram na voz de um
Dick Farney, os primeiros sinais da radical mudança musical que, anos mais
tarde, iria acontecer com a bossa nova, José Maria de Abreu estava presente,
compondo com Jair Amorim as conhecidas Um
Cantinho e Você, Ponto Final e Alguém como tu. Por essa época, a
valsa-canção encontrava – ao tematizar o desencontro amoroso, a solidão, a
saudade, enfim, ao se valer de um certo lirismo romântico - concorrentes decididas em outras
conformações rítmicas, como o bolero ou o samba-canção.
BOA NOITE, AMOR
José Maria de Abreu e
Francisco Matoso
( gravada em 3 de abril
de 1936) por Francisco Alves e Orquestra Victor Brasileira – 78 rpm – RCA Vitor
n.º 34052.
Quando a noite descer
Insinuando um triste adeus
Olhando nos olhos teus
Hei-de, beijando teus dedos,
dizer
Boa Noite, amor
Meu grande amor
Contigo eu sonharei
E a minha dor esquecerei
Se eu souber que o sonho teu
Foi o mesmo sonho meu
Boa Noite, amor
E sonha enfim
Pensando sempre em mim
Na carícia de um beijo
Que ficou no desejo
Boa noite, meu grande amor.
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