sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

A VALSA BRASILEIRA - III - A VALSA NO CIRCO SPINELLI E NO CINEMA ROYAL





Catulo da Paixão Cearense, com os versos que colava às melodias da época, foi um dos principais responsáveis pela difusão e formação da valsa-canção. De sua autoria são os poemas da música Terna Saudade  (gravada por Vicente Celestino) e da famosa Clélia, cuja tessitura musical foi desenhada pelo grande trompetista chorão Luiz de Souza.
Em 1914, a maneira valsejada de cantar já tinha se tornado uma das vozes mais requisitadas da  lírica popular brasileira. Uma das músicas mais famosas daqueles dias veio do Recife: a Valsa dos que Sofrem, de Alfredo da Gama, interpretada por um duo conhecido como Os Orestes, que excursionava por todo o país.  Sombra do sucesso da Valsa dos que Sofrem  era Flor do Mal, de Santos Coelho, até hoje uma das peças mais conhecidas do gênero.  Por essa época, era comum  a música aparecer acompanhando representações cênicas nos teatros e circos. Também servia de fundo sonoro para as imagens do cinema mudo.
No Circo Spinelli, apresentavam-se  destacados praticantes da sentimental valsa-canção, como Catulo e o palhaço e cantor Eduardo das Neves; a valsa Royal Cinema refere-se a homônima sala de exibição de fitas do Recife, como testemunho histórico desses primeiros namoros entre a música e as imagens industrializadas.
O cinema falado foi um dos grandes culpados da transformação: a partir dos anos 20, a valsa participou de nossos desejos e alumbramentos, principalmente através das trilhas de filmes americanos. Movidos por essa circunstância, onde não se precisam claramente os limites entre a imitação servil e as exigências de um sentimento estético profundo, nossos compositores adotaram a valsa com entusiasmo. Essa tendência se acentuou depois do alarido causado pelo sucesso de Dançando com lágrimas nos Olhos, versão de Lamartine Babo  para Dancing with tears in my eyes, gravada em 1932 por Francisco Alves.  Como efeito contrário, adormecendo um pouco o uso da valsa, o cinema falado incentivou a voga do fox-trot, que, como comenta Noel Rosa, compareceu nos repertórios das gafieiras, obrigando o malandro a dançar “dando pinote”.
Datam ainda da década de 20, as valsas lentas de Erotides de Campos:  Melodia da fé, Vera, Dá-me o teu Coração, Ave-Maria e outras, algumas com versos de Jonas Neves.  Natural de Cabreúva, SP. (Erotides nasceu em 15 de Outubro de 1896 e faleceu em Piracicaba, SP, em 20 de março de 1945).




Fonte:  Youtube - FRANCISCO ALVES - O REI DA VOZ-  AVE MARIA - (EROTIDES CAMPOS, COM VERSOS DE JONAS NEVES)  

Grande compositor de valsas desse período, tendo seu nome associado ao choro Tico-Tico no Fubá,  é José Gomes (Zequinha) de Abreu.  
Considerado, ao lado de José Maria de  Abreu e de Gastão Lamounier, um dos mestres  do gênero, Zequinha de Abreu nasceu no interior paulista, em Santa Rita do Passa Quatro, em 19 de setembro de 1880.  Em 1896, não suportando mais o Seminário Episcopal, Zequinha de Abreu fugiu, voltando à cidadezinha natal. Foi então que compôs Flor da Estrada, sua primeira valsa.  Pouco depois, já se exercitando em outros gêneros (tangos, choros, foxes, marchas)  e trabalhando na farmácia do pai, organizou a Lira Santarritense e a Orquestra  Smart, que se apresentavam no cinema do mesmo nome.  Em 1913, em homenagem à filha do chefe da estação ferroviária da cidade, suspirou a valsa Branca, antológica entre as valsas instrumentais.
Em 1920, Zequinha de Abreu transferiu-se definitivamente para são Paulo. Inicialmente, como pianista, encantou os clientes da Casa Beethoven; depois trabalhou na orquestra do Bar Viaducto. Excelente pianista e compositor ainda se virava como uma espécie de músico ambulante, percorrendo as residências de gente rica, tocando e vendendo as partituras musicais.
De sua obra e, dentre os vários gêneros, vale citar as valsas Beijos ao Luar, Minha Valsa, Rosa Desfolhada (em parceria com Dino Castilho), Alma em Delírio e Último Beijo.

Em 1934 inicia-se um período reluzente da valsa no Brasil. E é justamente nessa bela época do gênero  que se encontra a obra maior de José Maria de Abreu, talvez a figura mais importante dessa modalidade de canção popular.
José Maria de Abreu nasceu em Jacareí, SP, no dia 7 de fevereiro de 1911. Seu pai era maestro e seu professor. Aos 11 anos, José Maria de Abreu era primeiro pistão da bandinha de seu colégio, tendo, inclusive, composto o hino do estabelecimento. Aos dezesseis anos ocupou a vaga de maestro de uma companhia de teatro de revista que peregrinava por sua cidade, ganhando seus primeiros tostões com a música.  Sua oportunidade como regente de uma orquestra mais requintada deu-se no Teatro Boa Vista,  em São Paulo.  Fixando-se na capital, começou a viver profissionalmente de música, trabalhando como pianista nas casas Sotero Gaó e Di Franco. As primeiras gravações de músicas compostas por José Maria de Abreu ocorreram  nas vozes de Francisco Alves e Paraguassu.Em 1933 José Maria mudou-se para o Rio de Janeiro, esparramando os acordes do seu piano entre os ouvintes da Rádio Mayrink Veiga; a partir do ano seguinte, forma com Francisco Matoso uma das parcerias mais fecundas em qualidade e quantidade que a valsa já permitiu. A dupla é responsável por algumas das melhores faturas que o gênero conheceu entre nós, produzindo canções definitivamente incorporadas pela musicalidade brasileira: Boa Noite amor (1936), Horas Iguais (1937), Alguém (1938), Ao Ouvir esta canção, hás de pensar em mim (1940).
Na companhia de outros parceiros,  José Maria de Abreu – a quem o pesquisador e crítico Ary Vasconcelos chamou de o “Rei da Valsa” – conservava seu profundo sentido musical, do qual são documentos  suas composições com o genial Lamartine Babo -Mais uma Valsa... Mais uma saudade, Uma valsa Azul e Valsa da Formatura; e com Osvaldo Santiago  e Paulo Barbosa,
Italiana, em 1936, e Torre de Marfim, 1938.
Quando soaram na voz de um Dick Farney, os primeiros sinais da radical mudança musical que, anos mais tarde, iria acontecer com a bossa nova, José Maria de Abreu estava presente, compondo com Jair Amorim as conhecidas Um Cantinho e Você, Ponto Final  e Alguém como tu. Por essa época, a valsa-canção encontrava – ao tematizar o desencontro amoroso, a solidão, a saudade, enfim, ao se valer de um certo lirismo romântico  - concorrentes decididas em outras conformações rítmicas, como o bolero ou o samba-canção.

BOA NOITE, AMOR
José Maria de Abreu e Francisco Matoso
( gravada em 3 de abril de 1936) por Francisco Alves e Orquestra Victor Brasileira – 78 rpm – RCA Vitor n.º 34052.
Quando a noite descer
Insinuando um triste adeus
Olhando nos olhos teus
Hei-de, beijando teus dedos, dizer
Boa Noite, amor
Meu grande amor
Contigo eu sonharei
E a minha dor esquecerei
Se eu souber que o sonho teu
Foi o mesmo sonho meu
Boa Noite, amor
E sonha enfim
Pensando sempre em mim
Na carícia de um beijo
Que ficou no desejo
Boa noite, meu grande amor.


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