quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

BEETHOVEN - 250 ANOS - PARTE IV



O DESESPERO ANTE UM MAL INCURÁVEL

Nos últimos anos do século, Beethoven foi abalado pelos primeiros sintomas da surdez. Em carta de 29 de junho de 1801, lamenta-se ao amigo Wegeler: “[ ...] Há três anos que meu ouvido vem enfraquecendo cada vez mais  [...] evito toda sociedade, porque não posso dizer aos outros: estou surdo!”. Pouco mais de um ano depois, a consciência de que o mal era irremediável leva-o a escrever o “Testamento de Heiligenstadt”,  carta dirigida a seus dois irmãos, mas jamais remetida. Descoberta após sua morte, revela  seu desespero e a ideia de suicídio: “[...] que humilhação, quando alguém a meu lado ouvia o som de uma flauta ao longe ou o canto do pastor e eu não percebia nada. Experiências como essa quase me levaram ao desespero. E pouco me faltou para pôr termo à vida”. Isso só não aconteceu graças à música. “ Foi a Arte, ela só, que me reteve”. Encerrou-se,  assim,  o período provavelmente mais feliz de sua vida. O que se iniciava foi, sem dúvida, o mais fecundo, embora profundamente atormentado.

A vida amorosa de Beethoven não é bem conhecida, mas sabe-se que de suas diversas ligações afetivas, nenhuma teve desfecho feliz; seus vários projetos de casamento ou foram recusados ou não se concretizaram. O documento mais famoso sobre esse aspecto da vida do grande compositor é a "CARTA À BEM-AMADA IMORTAL", encontrada após a sua morte, sem destinatária e jamais remetida. Terá sido Josephine von Brunswick ou sua irmã Marie-Therese, Bettina von Arnim ou Giulietta Guicciardi, Amalie Sebald ou Teresa Malfatti?

O período da vida de Beethoven que se estende de 1802, ano em que redigiu o Testamento de Heilingenstadt”, até 1812, quando concluiu a SÉTIMA SINFONIA,  foi marcado pelo progresso contínuo e inexorável da surdez, que se tornaria absoluta em 1819. Se isso não bastasse, ao infortúnio físico vieram juntar-se os males do coração: o desfecho infeliz de suas paixões amorosas. A primeira, ao que tudo indica, foi uma condessa de origem italiana, Giulietta Guicciardi, a aluna de piano a quem Beethoven dedicou a SONATA OPUS 27, Nº 2 (“AO LUAR”),  composta em 1801. Giulietta, no entanto, casou-se, em 1803, com o conde Gallemberg e mudou-se para Nápoles. A segunda paixão é uma incógnita. Para alguns biógrafos, trata-se de Josephine von Brunswick; para outros Marie-Therese von Brunswick, irmã de Josephine. Segundo André  Maurois, o compositor não só amou Josephine, como teve um filho com ela. Aluna de piano do mestre de Bonn,  juntamente com sua irmã e sua prima, Giulietta Guicciardi, Josephine enviuvou do Conde Von Deym, ainda jovem, em 1804. Beethoven propôs-lhe então casamento – que não se consumou, provavelmente por oposição da família Von Brunswick. Mais tarde ela se casaria com o Conde Stackelberg – mas as relações com o compositor permaneceram e eles teriam tido uma filha, chamada Minona, nascida em abril de 1813.  Outros autores, porém, afirmam que o caso amoroso de Beethoven no seio da família Von Brunswick foi com Marie-Therese, a quem dedicou a SONATA OPUS 78,  conhecida como Sonata “ a Teresa”, e em quem se teria inspirado para compor a QUARTA e a SEXTA SINFONIAS, bem como a SONATA OPUS 57 (“APASSIONATA”). O casamento dos dois teria sido impedido pela família Von Brunswick, que desejava para a moça um marido da mesma classe social. Seja como for, Marie-Therese jamais se casou, o que fez crescer a lenda sobre a existência do romance entre ela e o compositor.

Outras mulheres marcaram a vida de Beethoven nesses anos, embora, ao que tudo indica, sem a mesma profundidade. A Teresa Malfatti ele teria proposto casamento, em maio de 1810, mais uma vez sendo recusado; em Marie von Erdödy, encontrou uma substituta da figura da mãe, a partir de 1802; outra foi Bettina von Brentano  (ou Bettina von Arnim), mulher muito admirada por seus vários talentos e uma das principais figuras do Romantismo alemão, juntamente com Achim von Arnim, com quem se casou ainda em 1810.

A lista das mulheres que passaram pela vida de Beethoven poderia ser acrescida de outros nomes. Mas as fontes sobre sua vida amorosa são insuficientes, o que tem dado  margem a suposições frequentemente infundadas. Parece certo, porém,  que suas relações com as mulheres foram marcadas pela decepção e pelo desgosto. Seja como for, o insucesso amoroso não lhe abateu o ânimo de artista e, sobretudo, não lhe diminuiu a capacidade criativa. Pelo contrário, esses anos de primeira década do século XIX  constituíram a fase mais produtiva de toda sua vida. Neles, Beethoven explodiu como um gênio inteiramente original, compondo obras que constituem um marco na história da música. A grande maioria das composições  que o público, hoje, imediatamente reconhece como sendo de Beethoven são desses anos de infortúnios amorosos e de progressiva surdez: a QUINTA SINFONIA,  a SONATA ‘AO LUAR’, A SEXTA SINFONIA (“PASTORAL”), a SONATA “à KREUTZER”, a  “APPASIONATA”, entre muitas outras.

Da mesma forma, sua vida social não foi muito afetada. Sabendo esconder a surdez, frequentemente era visto discutindo assuntos políticos, religiosos, filosóficos e, sobretudo, Shakespeare, uma de suas maiores paixões. Brigava muito, seja pelos ideais republicanos e igualitários, seja para defender sua posição e a do artista criador, o que às vezes  se confundia numa coisa só. Em 1808, por exemplo, ameaçou deixar Viena de uma vez por todas. Imediatamente, o Arquiduque Rodolfo, o Príncipe Lobkowitz e o Príncipe Kinsky prontificaram-se a lhe conceder uma pensão anual de 4000 florins, com a condição de permanecer na cidade e continuar compondo como e quando quisesse. Beethoven conheceu, então, o prestígio e a glória. Mas tempos de depressão e sofrimento o aguardavam.


FONTE:  MESTRES DA MÚSICA                                                                              ABRIL CULTURAL– 2ª EDIÇÃO – 1982                                                              IMAGENS: GOOGLE              

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