sexta-feira, 10 de agosto de 2012

VELHOS E NOVOS DA MÚSICA CAIPIRA- MILIONÁRIO E JOSÉ RICO


MILIONÁRIO E JOSÉ RICO

Romeu Januário de Matos, o MILIONÁRIO, nasceu em Monte Santo, MG, em 4 de Janeiro de 1940; e José Alves de Souza, o JOSÉ RICO, São José do Belmonte, estado de Pernambuco em 29 de Junho de 1946. Por ter sido criado desde os dois anos de idade  em Terra Rica, Paraná, acabou adotando e registrando em cartório o nome de JOSÉ RICO ALVES DOS SANTOS.
Desde 1956 Milionário cantava em dupla: era então a ROMEU E CONSTANTINO, de sucesso regular na Rádio Progresso de Monte Santo, MG, disposta a se lançar no mercado em são Paulo, a dupla, porém, logo se desfalca. Constantino, intimidado pela forte concorrência, seleção rigorosa e possíveis mistérios de caitituagem, resolve abandonar a parceiragem e os sonhos de sucesso.
Romeu teve mais paciência e manha para se manter sozinho até 1970, quando conhece Quintiliano Costa, com quem forma a dupla Branco e Negrito. Romeu era o Negrito. Sucesso e extinção rápidos. Já no ano seguinte, Romeu conhece José de Souza, que também tentava a fortuna em São Paulo. Porque vinha de Terra Rica, achou que ficaria bem o pseudônimo José rico. Com a confiança já então de profissionais, pagaram a gravação de um disco na gravadora Califórnia e, à maneira de Cornélio Pires, partiram em excursão para o Paraná. Em Londrina são promovidos pelo radialista Prado Júnior que, diante da rápida vendagem dos discos, resolve levá-los mais tarde à Chantecler. Sucessos da dupla: O VELHO CANDEEIRO (José Rico e Duduca). TODOS TÊM O MESMO FIM ( José Rico –Nonô Basilio), ILUSÃO PERDIDA (Milionário- José Rico), ÚLTIMA CANÇÃO (Milionário- José Rico); CORAÇÃO DE PEDRA ( Milionário –José Rico ) e muitos outros.




Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira
Abril Cultural – 1978
Google: Enciclopédia Wikipédia
Video: Youtube: DE LONGE TAMBÉM SE AMA ( CLIP RARÍSSIMO)


quinta-feira, 9 de agosto de 2012

VELHOS E NOVOS DA MÚSICA CAIPIRA - TONICO E TINOCO


TONICO E TINOCO

João Salvador Perez, o TONICO, nasceu em São Manoel, São Paulo, em 2 de março de 1917 e faleceu em 13 de agosto de 1994.
Seu irmão José Salvador Perez, o TINOCO, em Pratânia, São Paulo, em 19 de novembro de 1920, e faleceu em São Paulo em 4 de maio de 2012.
Talvez a mais ativa dupla caipira tradicional, rivalizando apenas com Alvarenga e Ranchinho. Tem acumuladas mais de setecentas gravações e um trabalho praticamente ininterrupto desde 1938    (profissionalizado a partir de 1943).
Naquele decisivo ano para a música caipira – 1930 – Tonico morava com a família em Botucatu. Frequentava a escola rural e após as aulas passava lição aos colonos mais velhos, recebendo como pagamento frutas, verduras e às vezes até dinheiro. Em cinco anos juntou o suficiente para comprar uma violinha feita a canivete, começando a cantar em dupla com o irmão: animavam arrasta-pés e faziam serenatas.
Em 1938 a família deixou Botucatu e foi morar em Sorocaba, depois em São Manoel, onde a dupla teve a sua primeira oportunidade: uma apresentação na Rádio Clube local, e foram convidados para cantar todos os domingos – de graça. Ficaram por lá se exercitando até que em 1943 resolveram tentar a sorte em São Paulo, acompanhados do primo Miguel Perez. Inscreveram-se no programa de calouros  de Chico Carretel (Durvalino Peluzzo) na Rádio Emissora de Piratininga, não alcançando, porém, o destaque que esperavam. A grande oportunidade veio quando o Capitão Furtado abriu concurso para duplas caipiras em seu programa Arraial da Curva Torta, na Rádio Difusora.
No começo apresentaram-se com o primo, adotando o nome de Trio da Roça. Classificaram-se para as finais e acabaram subindo ao primeiro lugar. Entretanto, mesmo o rápido êxito, num concurso bastante disputado, não lhes abriu de imediato as portas das gravadoras. Só no ano seguinte, conseguem a primeira gravação, substituindo no lado B de um 78 rpm da dupla Palmeira e Piraci, uma música que havia sido proibida pela censura. A Continental aproveitou então uma prova de  EM VEZ DE ME AGRADECER (Capitão Furtado e Jaime Martins Aimoré):
Cabocla pra lhe agradá
Já cumpri o meu deve
Fiz o que pude, inté mais
Do que divia fazê
Só prá vê se eu conseguia
Ser amado por vancê

A rápida vendagem do disco facilitou a gravação de mais duas faces de 78rpm. De um lado a moda de viola SERTÃO DE LARANJINHA, motivo popular adaptado por Tonico, Tinoco e o Capitão Furtado, e PERCORRENDO O BRASIL, de Tonico, Tinoco e João Merlini. Com esse disco, Tonico e Tinoco começam a aparecer como uma das mais importantes duplas caipiras. Em 1947 participam do histórico primeiro 33 rpm de música caipira, o LP ARRAIAL DA CURVA TORTA, no qual assinam e cantam  a faixa TUDO TEM NO SERTÃO, cateretê que evoca a alegria e os bichos do sertão. Daí por diante seriam as intermináveis excursões, apresentações em circos, feiras, quermesses, teatros paroquiais, festas juninas, etc. Tudo isso entremeado de constantes gravações e regravações, participação em numerosos filmes como Lá no Sertão (1961), Obrigado a Matar (1965), e A Marca da Ferradura(1970).
Em 1964, Tonico adoeceu e foi temporariamente substituído por Chiquinho (Francisco Perez), irmão mais novo que ainda hoje acompanha esporadicamente a dupla. Tonico se restabeleceu e voltou a cantar. Em 1968,  lançaram o LP VINTE-E-SEIS ANOS DE GLÓRIA, e m 1969, VINTE-E-SETE ANOS DE TONICO E TINOCO, com reedições de velhos sucessos como MARINGÁ, LUAR DO SERTÃO e o antológico TRISTEZAS DO JECA.
Em 1970 Tonico e Tinoco prestaram tributo a Raul Torres, gravando vários sucessos daquele autor: MODA DA MULA PRETA, SEGREDO SE GUARDA, PINGO D’ÁGUA, CHICO MULATO (as duas últimas em parceria com João Pacífico).
Em 1974 a dupla lança 4 LPs, com destaque para a composição SALVE, CAMPOS DO JORDÃO, de Tonico e Mamarama ( pseudônimo de Mario Mauro Ramos Matoso). No ano seguinte, mais 4 LPs cujas faixas que mais agradaram foram MOTORISTA DO PROGRESSO ( Texeirinha) e TRINTA-E-TRÊS, poema de Mamarama narrando a vida artística da dupla:
“deixando a roça deserta
Num triste dia nublado
A dupla foi descoberta
Num brado vivo de alerta
Pelo Capitão Furtado”

Tonico e Tinoco já mantiveram um programa exclusivo na TV Bandeirantes, além de já terem feito apresentações avulsas em todos os canais de televisão de São Paulo e na Radio Bandeirantes o programa Na bera da tuia.
Em 1979, precisamente no dia 6 de junho, Tonico & Tinoco fazem o que nenhum caipira havia sonhado: apresentam-se no Teatro Municipal de São Paulo, num show de três horas que reúne um público recorde de 2.500 pessoas. Da beira da tuia, celeiros centenários onde cantavam no passado, os irmãos Perez chegavam a um dos mais famosos teatros do mundo, que até então só abria suas portas para óperas, balés e concertos eruditos. Permaneceram na Continental até 1982, emplacando vários sucessos. Nesse ano resolvem ir para a gravadora Copacabana onde mudam seu repertório, passam a gravar canções mais alegres, arrasta-pés divertidos e Nadir Perez, esposa de Tinoco passa a assinar várias músicas com a dupla. No ano de 1983 estreiam o programa “Na Beira  
da Tuia” na TV Bandeirantes e lançam o filme “O Menino Jornaleiro”,
só que dessa vez como co-produtores.
 Em 1989 voltam para a Copacabana e gravam “Mãe Natureza” (Tinoco/José Carlos). Nesse disco Tonico já se encontrava bastante debilitado mas continuava sua carreira.
No ano de 1994 na Polygram com a produção de José Homero e Chitãozinho gravam seu último trabalho, onde destaca-se “Coração do Brasil” (Joel Marques/Maracaí) com participação especial de Chitãozinho e Xororó e  Sandy e Jr., e “Chora minha viola” (Nilsen Ribeiro/Geraldo Meirelles).
Apresentaram o Programa Na Beira da Tuia nas seguintes emissoras - Bandeirantes (1983),e SBT (1988), Cultura (Viola, Minha Viola). Realizaram grandes eventos, como: A Grande Noite da Viola, no Maracanãzinho/Rio de Janeiro(1981), Teatro Municipal de São Paulo (1979), Semana Cultural Tonico e Tinoco no Centro Cultural de São Paulo (1988) e o Troféu Tonico e Tinoco (1992). No mesmo ano, realizaram um show em conjunto com Chitãozinho Xororó na cidade de São Bernardo do Campo (SP), onde foram prestigiados por mais 100.000 espectadores. Entre as inúmeras premiações destacamos: 04 Roquetes Pinto, Medalha Anchieta (Comenda da Cidade de São Paulo), Ordem do Trabalho (Ministro do Trabalho Almir Pazzianoto), Ordem do Mato Grosso (Comendador), Troféu Imprensa, 02 Prêmios Sharp de Música e o Prêmio Di Giorgio. O slogan "A Dupla Coração do Brasil", surgiu em 1951, quando o humorista Saracura resolveu batizá-los assim, pela interpretação de todos os ritmos regionais.
A dupla passou por todas as mudanças na música sertaneja, mas jamais mudou seu estilo, copiadíssimo durante as décadas de 1950 e 1960.
O último show da Dupla Tonico & Tinoco foi na cidade mato-grossense de Juína, no dia 7 de agosto de 1994. só que dessa vez como co-produtores.
Tinoco encontrou forças no apoio que recebeu dos fãs, e na saudade do companheiro que faleceu. Realizou mais de trinta apresentações contratadas anteriormente a morte do irmão. Em 2010 no Especial Emoções Sertanejas Tinoco recebeu uma homenagem do cantor Roberto Carlos que é um amigo e fã da dupla. Em 2012, Tinoco tornou-se o artista sertanejo há mais tempo na ativa. Em 4 de maio de 2012, Tinoco morreu aos 91 anos devido a insuficiência respiratória e a duas paradas cardícas. 




Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira
Abril Cultural – 1978
Google: Enciclopédia Wikipédia
Vídeo: CANA VERDE - Tonico e Tinoco

VELHOS E NOVOS DA MÚSICA CAIPIRA - TEDDY VIEIRA


TEDDY VIEIRA

Teddy  Vieira de Azevedo nasceu em Itapetininga, São Paulo, em 1922 e faleceu em São Paulo em 16 de Dezembro de 1965 e é considerado um dos mais bem sucedidos compositores caipiras. Ao terminar o curso primário em sua cidade natal, transferiu-se para São Paulo. Aos 18 anos escrevia versos caipiras e em 1948 teve suas duas primeiras músicas gravadas pela dupla Mineiro e Manduzinho: PRETO DE ALMA BRANCA com (Lauripe Pedroso) e JOÃO-DE-BARRO (com Muibo cury), em etiqueta particular. João-de-barro teve inúmeras regravações, algumas de grande sucesso como a de Sergio Reis em 1974 pela RCA. O cururu MENINO DA PORTEIRA (de Teddy com Luisinho), um dos clássicos caipiras, foi gravado por Luisinho, Limeira e Zezinha em 1955 na RCA. Essa gravação consagrou-o como compositor.
Em 1956 Teddy Vieira passou a ser diretor-sertanejo da Columbia, depois CBS, criando então a dupla caipira Tião Carreiro e Pardinho, que obteve rápido sucesso com CAVALEIROS DE BOM JESUS ( de Teddy com João Alves e NHÔ Silva). No mesmo ano, Moreno e Moreninho gravaram, na Columbia, o cururu TREZE DE MAIO (de Teddy, Riachão e Riachinho). Ainda em 1956 lançou em discos a dupla Zico e Zeca, com composições que marcaram época, como A ENXADA E A CANETA ( parceria com o Capitão Barduíno). Em 1958 Vieira mudou para a Chantecler, com o cargo de assessor do diretor artístico da gravadora ( que era o Palmeira). Em 1962, após a saída de Palmeira da Chantecler, Teddy continuou como assistente artístico, contudo não deixo de compor, e suas músicas continuavam sendo grandes sucessos. Em 1964, BANDEIRA DO DIVINO,  feita em parceria com Alves Lima, gravada por Tonico e Tinoco foi um dos maiores sucessos da gravadora.
Quando Teddy Vieira morreu, no ano seguinte, já contava com mais de duzentas composições gravadas e regravadas. A mais conhecida delas, O MENINO DA PORTEIRA, serviu em 1976 de tema para um filme dirigido e interpretado por Sergio Reis, cantor que já a tinha gravado com grande repercussão em 1973.



Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira
Abril Cultural – 1978
Google: Enciclopédia Wikipédia
Video: MENINO DA PORTEIRA - Teddy Vieira e Luizinho (Violeiros da Terra)

VELHOS E NOVOS DA MÚSICA CAIPIRA- RAUL TORRES


RAUL TORRES

Raul Montes Torres nasceu em Botucatu, Estado de São Paulo, em 11 de julho de 1906 e faleceu em São Paulo, em 12 de julho de 1970. Muitas de suas composições são hoje consideradas “clássicos” do gênero. Filho de espanhóis, já na adolescência exibia-se cantando moda de viola nas quermesses e festas juninas de sua cidade natal, formando dupla com seu primo Joaquim Vermelho. Em 1922 veio tentar a sorte em São Paulo, onde pelo menos para caipiras nada havia ainda de especial. Assim, Torres nada conseguiu no terreno artístico propriamente dito, embora sua arte, exibida em cantinas, lhe valesse a refeição da noite.
De dia, perambulava – quando não estava fazendo ponto com uma “aranha” (espécie de charrete de aluguel) na Estação da Luz. Logo notou que os maiores sucessos da época vinham na voz de Augusto Calheiros e acompanhamento dos Turunas da Mauricéia, ou nas interpretações de Jararaca e Ratinho, famosos cantores de embolada, pelos quais Raul Torres não escondia sua admiração.
Assim, adotando um estilo baseado nas emboladas nordestinas, consegue ingressar em 1927, na Rádio Educadora Paulista ( depois Gazeta), ao lado de nomes já conhecidos como PARAGUAÇU (Roque Ricciardi, 1894-1976),  ARNALDO PESCUMA e o violonista CANHOTO.
Transferiu-se a seguir para a Rádio Cruzeiro do Sul  (posteriormente Rádio Piratininga). Também gravou uma face de um 78 rpm na Série Caipira Cornélio Pires, da Columbia. Era composição de sua autoria, e tinha o título de Galo Sem Crista.
Entre 1929 e 1931, já bem mais conhecido, aparece em várias gravações Parlophon, comandando o grupo Raul Torres e os Turunas Paulistas. Em 1933, ao gravar na Odeon, chegou a ter como coro nada menos que Francisco Alves, Castro Barbosa, Moreira da  Silva, Jaime Vogeler  e Jonjoca. Foi naquele ano também que conheceria JOÃO PACÍFICO, com quem formaria dupla vocal, gravando na Odeon acompanhado da Embaixada de Raul Torres (espécie de “coral” masculino), e com quem mais tarde, comporia um clássico caipira, CHICO MULATO.
A primeira dupla estável Raul Torres formou com seu sobrinho Serrinha (Antenor Serra) em 1937: ficaram gravando durante 10 anos. Iria, porém, se notabilizar ao lado de FLORÊNCIO (João Batista Pinto) com quem gravou em 1934 APELIDO DOS JOGADORES  de Torres e Palmeira.
Em 1940 escreve SAUDADES DO MATÃO.  A dupla só nasce realmente em 1944 lançando PINGO D’ÁGUA de Raul Torres e João Pacífico e  MODA DA MULA PRETA, só de Torres.
Com a parceria de João Pacífico nascem, além de Pingo D’água, as canções COLCHA DE RETALHOS, CABOCLA TERESA,  MOURÃO DA PORTEIRA.
Torres e Florêncio passaram  a se dedicar mais ao rádio , mantendo na Record de São Paulo, o programa OS TRÊS BATUTAS DO SERTÃO, animado pelo trio de mesmo nome composto por Florêncio, Raul Torres e José Rielli – a partir de 1947 substituído por Emilio Rielli filho.  
Torres, apesar de ligado ao meio radiofônico das cidades, mantinha contato direto com a população rural.



Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira
Abril Cultural – 1978
Google: Enciclopédia Wikipédia
Vídeo: youtube - Pingo D'água - Raul Torres e Florencio

VELHOS E NOVOS DA MÚSICA CAIPIRA -ALVARENGA E RANCHINHO


ALVARENGA E RANCHINHO

Murilo Alvarenga nasceu em Itaúna, Minas Gerais, em 22 de Maio de 1911 e faleceu em São Paulo, em 18 de Janeiro de 1978.
Diésis dos Anjos Gaia, o Ranchinho, nasceu em Jacareí, S. Paulo em 23 de Maio  de 1912, e faleceu em são Paulo em  6 de Julho de 1991.    
Alvarenga e Ranchinho constituem a dupla mais famosa do país, e também a mais politizada, a que melhor soube lidar com a sátira popular de cunho político – o que lhe valeria anos de constante perseguição e censura por parte dos órgãos repressivos do Estado Novo de Getúlio Vargas, além de curtas temporadas no xadrez.
Sobrinho de empresário circense, já aos onze anos Alvarenga trabalhava como trapezista e malabarista. Mais tarde tentou a vida como cantor de tangos em Santos, onde conheceu em 1931 o Diésis, aquele que seria o primeiro Ranchinho (apelido que ganhou de tanto cantar No Rancho Fundo). Formada a dupla, começam a se exibir em circos, interpretando músicas caipiras. Em 1933 apresentam-se com a Companhia Bataclã em São Paulo e em 1934 atendem a um convite do maestro Breno Rossi para cantar na Rádio São Paulo. Formam com Silvino Neto o trio Mosqueteiros da Garoa (que pouco durou, apesar do sucesso).
Em 1935 refaz-se a dupla com Alvarenga e Ranchinho saindo vitoriosos do concurso de músicas carnavalescas de São Paulo, com a marchinha SAI, FEIA:

“sai, feia, da minha frente,
Sai feia, que isso pega na gente”.

No mesmo ano são convidados pelo Capitão Furtado para trabalhar no filme FAZENDO FITA, de Vittorio Capellaro. Ligaram-se artisticamente a ele, de sorte que em 1936 já estavam no Rio de Janeiro, formando a Trinca do Bom Humor  (Alvarenga, Ranchinho –Capitão Furtado)– na qual a função principal do Capitão Furtado era escrever “causos” e piadas para a dupla de violeiros. Depõe o próprio Capitão, rememorando a época:
- Imagine você que cismei de fazer uma visita à Rádio Tupi. Terminadas as gravações desse dia, na Odeon, fomos para a Rua Santo Cristo, onde chegamos justamente no momento em que Dona Silvia Autuori – a meiga Tia Chiquinha, da HORA DO GURI – lia uma crítica de “ O Estado de São Paulo”, a respeito de uma peça minha levada à cena no então respeitável Teatro Santana, da Rua 24 de Maio. Fui recebido como caipira que sabia escrever, e o Dr. Ayres de Andrade não teve dúvida em nos ceder um espaço para a visita. Sempre com o vento a favor, nossa atuação agradou também ao exigente Assis Chateaubriand, que – pra sorte nossa – estava ouvindo a emissora dele, e recomendou que se empregassem “esses meninos”.
Fo assim que obtiveram contrato para se apresentar num horário vespertino, na Rádio Tupi (Hora do Guri), com sucesso imediato.
Ao contrário do que ocorre com a maioria das duplas, Alvarenga e Ranchinho estrearam primeiro  no cinema e depois no disco. Foi em 1936, na Odeon, num 78 rpm com Itália e Abissínia, de Alvarenga, Ranchinho e Capitão Furtado
“ A intália e a Bissínia já tão dando o que falar:
Inda hoje teve um pega, lá no fundo do quintar!
A Bastiana e o Seo Beppe, já garraro a se unhar!
Pelo jeito que eu tô vendo, isso vai acaba mar!”

e Liga das Nações, de Alvarenga e Ranchinho
“um brasileiro, besteira;
Dois brasileiros, muamba”.

Caipiras mordazes, observando o início de um segundo conflito mundial. Recorda Capitão Furtado:
- Era uma sátira inocente, porém alguém pôs na cabeça do Dr. Byington Jr. que não ficava bem uma firma de nome inglês estar fazendo piada de uma guerra entre dois países que mereciam respeito. Acatando essa observação, o disco que Nhá Zefa e Laureano tinham gravado foi cancelado. Nessa altura já Alvarenga e Ranchinho estavam cantando em dupla, tendo acolhido essa moda no repertório, com absoluto sucesso.
Ainda em 1936 a dupla partiu para Buenos Aires, onde cumpriu temporada no Teatro Smart. De volta ao Rio de Janeiro, participaram em 1939 da primeira experiência de transmissão de televisão, na Feira de Amostra. Contratados pelo Cassino da Urca, no Rio, exibem-se com sucesso até o fechamento daquela casa de diversões em 1946. Chegaram a se apresentar junto com Carmen Miranda, e foram assistidos por Bing Crosby e Walt Disney. A seguir, abriram uma boate em Copacabana, com o nome da dupla, e lá permaneceram até 1950.
No Cassino da Urca, as paródias logo deixaram de glosar a situação internacional, para deterem-se nos políticos nacionais mais em evidência.
A propósito de HISTÓRIA DE UM SOLDADO, lundu satírico-político que chegaram a gravar na Odeon, conta-se que em pleno Estado Novo, ao se apresentarem num show, cantaram a música, cujos versos finais diziam: “e o Getúlio, que é homem ativo, pega a papelada, e manda pro arquivo”, e fizeram o seguinte comentário:
Ranchinho – Não tem medo de mexer com os homens da lei?
Alvarenga -  Eu tô de acordo com o presidente que diz “ a lei, ora, a lei”.
Foram presos e a história acabou chegando aos ouvidos do ditador, que os mandou chamar “em palácio” para cantar também diante dos ministros as sátiras políticas, especialmente as que falassem dele, Getúlio Vargas. Ouviu, achou graça e mandou liberar as sátiras em todo o território nacional. Segundo Ranchinho, Getúlio teria dito:
- podem continua, desde que seja uma crítica razoável, sem ofender a moral ou o físico das pessoas.
A dupla também não descuidou do gênero carnavalesco, e assim é que em 1938 fizeram bastante sucesso com a marchinha SEU CONDUTOR ( Alvarenga- Ranchinho- Herivelto Martins):
Seu condutor, Dim-dim
Seu condutor, Dim-dim
Para o bonde pra descer o meu amor
No mesmo ano, Ranchinho se afasta de Alvarenga e este procura outro parceiro. Escolhe José Vono, e troca seu pseudônimo (Zé Leiteiro) para Bentinho (lembrando Joaquim Bentinho). Juntos gravaram um disco, que tinha, de um lado, Ó Bela (Capitão Furtado e Peter Pan) e, do outro Bombeiro (Alvarenga e Bentinho).
A partir de 1939, todos os parceiros de Alvarenga recebiam o nome de Ranchinho, mantendo a “marca registrada” da dupla.  Foram três os Ranchinhos: Diésis Gaia, o primeiro,  Delamare de Abreu, irmão de Alvarenga por parte de mãe e que se manteve na dupla apenas dois meses, e Homero Souza Campos o ex Nhô Pinta
Que permaneceu na dupla de 1965 a 1978, quando faleceu Alvarenga.
Em 1940, após apresentações em Porto Alegre, receberam o apelido de Os milionários do Riso (e Alvarenga também já era  afetuosamente chamado de “ Pai dos Caipiras”). Foi ainda naquele ano que lançaram um de seus maiores sucessos humorísticos: ROMANCE DE UMA CAVEIRA ( Alvarenga, Ranchinho, Chiquinho Sales).
“Eram duas caveiras que se amavam
E á Meia-noite se encontravam...”

No mesmo estilo lançaram três anos depois o “ Canto Tétrico”           (designação que aparece no selo do disco) DRAMA DE ANGÉLICA,
De Alvarenga e M. G. Barreto
                        “ ouve meu cântico, quase sem ritmo,
                        Na voz de um tísico, magro, esquelético...”

Alvarenga e Ranchinho participaram de 49 filmes entre os quais a célebre “série das frutas “ – Abacaxi azul, Laranja da China e Banana da Terra.  Em vista do repertório de sátiras políticas foram muitas vezes convidados a participar de campanhas eleitorais como as de Ademar de Barros, Juscelino Kubitschek e Lucas Nogueira Garcez.
Em 1975 apresentam-se  em São Paulo, na boate Igrejinha, com o show Proibido para Jovens, comemorando os 45 anos de atividade da dupla. E, procurado pelos jornais, Alvarenga se queixava com conhecimento de causa:
- existe, na verdade, um certo preconceito urbano contra a música caipira e sertaneja no Brasil. Já confirmei isso pessoalmente: como se não bastasse o horário pré-determinado, numa faixa da tarde e da manhã, em que as rádios-emissoras transmitem o gênero, a segregação existe nas próprias casas revendedoras de discos. Eu não choro de barriga cheia. Quando aponto esta discriminação, acho mesmo que a questão envolve a defesa de nossa cultura. Qualquer casa de discos vende música caipira norte-americana, mas brasileira só pode ser encontrada em casas especializadas.
E, naquele show de 1975, cantaram uma paródia de Disparada, de Geraldo Vandré, que é um resumo da própria carreira da dupla às voltas com a censura:
“Já falei de Janio Quadros, e também do Juscelino
Já falei do Seo Lacerda, e também do Ademar.
Mas quando falei do Getúlio, nessa hora eu me dei mar.
Na cadeia eu já fui rei, só andava de rádio-patrulha
Mas um dia eu me mudei, e andei de lá pra cá.
Muitas coisas aprendi, se um político tá perto
Vou cantar noutro lugar”.

Numa quarta-feira, 18 de janeiro de 1978, morre Murilo Alvarenga, o Pai dos Caipiras. No cemitério, dois dias depois, três Ranchinhos órfãos eram colhidos de surpresa pela imprensa: “ Diésis Gaia falava que esperava ser lembrado pelos empresários, mesmo cantando sozinho.  Delamare estava calado, não tinha planos. Homero  dizia que iria esperar os convites para voltar à televisão como ator em programas humorísticos, ou então gravar solos de viola e violão, porque para ele era “muito mais fácil voltar para o rádio do que arranjar outro Alvarenga, e que nos próximos dias ira desfazer os 41 contratos já assinados para shows, além dos nove programas de televisão”.




Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira
Abril Cultural – 1978
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Vídeo: youtube - Drama de Angélica





CHANTE A LA LIBERTÉ - NANA MOUSKOURI


NANA MOUSKOURI


NANA MOUSKOURI
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VELHOS E NOVOS DA MÚSICA CAIPIRA - JOÃO PACÍFICO




JOÃO PACÍFICO

João Baptista da Silva nasceu em Cordeirópolis, no dia 5 de agosto de 1909 e faleceu em Guararema, São Paulo, em 30 de Dezembro de 1998.
Para alguns autores, João Pacífico é tido como o “criador da toada sertaneja”. Desde criança demonstrava seu talento artítisco; era comum vê-lo declamar  poesias timidamente e cantar para colegas e professores.
Mudou-se para Campinas em 1919, quando sua mãe, foi trabalhar na casa de Ana Gomes, irmã do maestro Carlos Gomes, e ai passou a ter mais contato com os músicos da cidade grande. Aos onze anos trabalhava como ajudante de lava-pratos de um vagão-restaurante. Um passageiro ouviu algumas composições do garoto e aconselhou-o a procurar “um certo” Paraguaçu (Roque Ricciardi, 1894-1976), em São Paulo.  João ficou dois anos matutando e criando coragem.
Em 1923 o jovem baterista entrou para a Orquestra Sinfônica de Campinas chegando a tocar a abertura de “O Guarani” de Carlos Gomes, no Teatro Dom Bosco. Em homenagem a Campinas, escreveu o poema “Cidade de Campinas”, musicado mais tarde por  Raul Torres.
Em 1924, aos 15 anos, foi para  São Paulo onde chegou no meio de uma revolução. Foi trabalhar como estafeta em uma fábrica de tecidos. Em 1929, voltou para Campinas indo trabalhar como copeiro na casa do bispo da cidade, Dom Francisco de Barros Barreto.
O amigo Bimbim, filho do dono da  Rádio Educadora de Campinas, levou-o um dia para cantar e declamar naquela rádio onde acabou sendo contratado e tornou-se presença constante na emissora ao lado dos violinistas João Nogueira e José Figueiredo. Logo depois voltou a trabalhar no trem e num belo dia o cozinheiro lhe disse para fazer um verso que ele entregaria ao escritor e poeta modernista Guilherme de almeida, que estava a bordo, em viagem ao interior. O poeta leu e gostou, em seguida mandou entregar um cartão de visitas ao jovem João e o mandou procurá-lo na Radio Cruzeiro do Sul, em São Paulo, onde era diretor.
João Pacífico só conseguiu achar Paraguaçu alguns anos depois. Contou que tinha feito uma embolada: Paraguaçu ouviu e gostou tanto que resolveu levar o rapaz à presença do “rei da embolada” Raul Torres, que também gostou muito, a ponto de gravá-la na Odeon em 1933, em dupla com Aurora Miranda. O título: Seo João Nogueira. No mesmo ano compõe Chico Mulato, hoje um “clássico” da toada sertaneja.
A seguir, na esteira do sucesso, vem Cabocla Tereza, e Mourão de
Porteira.
Em 1937, Raul Torres foi para a RCA Vicotr e levou com ele o cantor Serrinha que fazia a segunda voz na dupla e nesse mesmo ano gravaram Chico Mulato, música que consagraria João Pacifico como um dos mais importantes compositores de sua época. Em seguida veio o grande clássico que atravessaria décadas: a história de amor Cabocla Tereza, gravada por Torres e Serrinha em 1940.
Anos depois, em 1982, o enredo de Cabocla Tereza acabou virando filme com o mesmo nome, dirigido e estrelado por Sebastião Pereira, com Zélia Martins papel de Tereza e a participação especial de Jofre Soares.
Por ocasião da grande seca nordestina de 1944, João Pacífico compôs Pingo d’água, imediatamente gravado em dupla com Torres. Uma semana após o lançamento do disco choveu no Nordeste. Logo começaram a surgir estórias associando a música ao “milagre”. Foi a consagração de João Pacífico, calmo e respeitável caipira que acumula cerca de 650 gravações. Chico Mulato, Cabocla Tereza e Pingo D’água tiveram, respectivamente, trinta, quarenta e sessenta gravações diferentes. Por conseguir sempre manter a calma caipira nos momentos de maior tensão e bagunça no estúdio, recebeu o apelido com o qual ficaria famoso.
Em 1954, ano de comemoração do IV Centenário de São Paulo, ao compor a marcha-hino Treze Listas, baseado no poema Nossa Bandeira de Guilherme de Almeida, João Pacífico quis prestar uma homenagem a cidade que lhe acolheu e ao mesmo tempo agradecer ao poeta por seu apoio e amizade. Gravada pelo cantor Nelson Gonçalves a música fez enorme sucesso e João Pacífico teve a honra de receber das mãos de Guilherme de Almeida, presidente da comissão do IV Centenário de São Paulo a medalha Anchieta.
O casal Federico Mogentale (Freddy) e Maria Antonia, de Guararema SP, conviveu com João Pacífico durante os últimos anos de sua vida e foram os responsáveis pela sua volta ao interior, em 1995. Apaixonados pela música, Freddy e Maria Antonia conheceram João Pacífico em 1981. “Ele era uma mito para mim”, conta Freddy, então um alto executivo de uma multinacional.





Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira
Abril Cultural – 1978
Google: Enciclopédia Wikipédia
vídeo: youtube- CHICO MULATO - Inesita Barroso - João Pacífico - Adauto Santos - Nono Basilio - Moraes Sarmento


MÚSICA CAIPIRA




O garoto da cidade sentiu um pouco de medo. Na fazenda, fora da casa, do terreiro, do pomar, tudo parecia desconhecido, selvagem.
A charrete parou; dos dois lados da estradinha não muito mais do que mato. Só um pequeno roçado de feijão marcava a presença humana.
A charrete parou e o avô disse – vamos descer um pouco – tenho um assunto a tratar com o Valdomiro. O garoto quis pedir ao avô para não ir, tinha medo. Nhô Miro, o menino conhecia do terreiro, do curral, do gemido agudo do carro de bois.
Um cachorro magro como a morte, o pelo junto à cauda, derrubado pela sarna, avisou que chegavam. A casa era humilde, “como a casa do joão-de-barro” pensou o garoto. A  parede de barro, o chão de terra, as panelas no canto, o choro da criança de barriga estufada, a miséria. Só a violinha pendurada na parede.
O filho mais velho de Nhô Miro olhou o garoto da cidade. Olhou de frente, pois eram do mesmo tamanho. Não prestou atenção nos sapatos (sapatos?), nem na cor da pele, branca, tão diferente da sua própria, onde o amarelo azeitonado mostrava o passado índio. Viu apenas que o menino urbano olhava para a parede, para a viola. Então, tirou-a da parede e ofereceu:
- Toca.
O menino estremeceu diante da oferta, buscou o avô que havia se afastado a combinar com Nhô Miro alguns trabalhos que o caipira deveria executar para o patrão, de graça, em troca da permissão de manter sua choupana e um roçado na propriedade alheia.
- Toca você – foi o que conseguiu responder.
O outro pensou: tocaria sim, mas diante daquele senhorzinho, deveria ser algo bem respeitoso. Passou os dedos pelas cordas tensas da viola, segurou um pouco a imaginação e soltou a voz:
- no artá da virge,/ se atrapaiô.
O garoto da cidade não entendia direito, mas permaneceu em silêncio. Sentia-se fascinado pelas canções tristes e alegres, que foram desfilando, e só se lembra de ter ouvido Nhô Miro dizer:
- descurpa o garoto... ele gosta de tirá umas musguinhas na viola.
O avô chama o garoto para ir embora.
- Vô, eles tocam música!
0 avô pisa no estribo, puxa-se para cima da charrete, desata as rédeas, faz um movimento de pulso batendo de leve com o couro do chicote no lombo do animal e responde:
- não é música não. É só música caipira. Não é gente; são só uns caipiras.
A prepotência e o preconceito do branco senhor das terras e, mais tarde, do homem urbano, sempre bloqueou a difusão das formas de cultura popular do Sudeste do país. Assim como o caipira foi, por séculos, considerado um sub-homem, também sua música foi considerada uma submúsica, e até hoje a discriminação persiste. E, no entanto, talvez seja esta a produção cultural mais sólida, mais firmemente enraizada, ao menos no interior de São Paulo, triângulo mineiro, sul de Mato Grosso e norte do Paraná.
Ela começa a surgir com a descoberta do Brasil e a chegada dos jesuítas a São Paulo. Na interação do religioso com o índio, e servindo aos fins da catequese jesuítica, juntaram-se as frases bíblicas em  português aos ritmos indígenas. Começava a nascer o CURURU – dança e canto ainda encontrados nas festas religiosas típicas do interior paulista. A partir do cururu (uma raiz comum) e acompanhando a transformação do indígena que se aculturava – se acaipirava perifericamente à sociedade branca em expansão -, foram surgindo novos ritmos e novas estruturas melódicas, que, em princípio, aceitaram duas influências.
De um lado mais nítida, delineia-se a presença portuguesa, bem marcada nas letras saudosistas e de cunho sentimental-descritivo. Em geral, formam uma estória com começo, meio e fim, a exemplo do que ocorria com o antigo fado (gênero, aliás,   criado no Brasil por portugueses saudosos da pátria).  Menos visível, mas também presente está um influxo árabe, seguramente intermediado pelos espanhóis que por aqui andaram no século XVII. Dessa proveniência são as músicas de andamento mais rápido, ritmo e letra mais quentes e alegres a refletir a ancestralidade andaluza.
Contudo, com o isolamento e o atraso da região paulista, nessa época, a influência europeia não é a influência da cultura “oficial”, aristrocratizada, da Europa. Não é como, por exemplo, no nordeste, onde o senhor do engenho estabelecia efetivamente uma ponte entre as cortes europeias e os ritmos da senzala. No caso paulista, essa influência aristocrática, até meados do século XVIII, não está presente. O português e o espanhol são aventureiros, cujas raízes culturais estão bem mais próximas do popular em suas regiões de origem, e o indígena vai interagir diretamente com o popular da Andaluzia ou de Trás-os-Montes. Provavelmente, esta é uma das razões pela qual a presença europeia não é reconhecida, parecendo não haver pontos de contato entre a música caipira e a cultura colonial (de filtro aristocrático) que penetra a região a partir da segunda metade do século XVIII.
Do abismo cultural,proveio o preconceito e o não reconhecimento da presença de uma música caipira. Assim como do abismo social proveio o não reconhecimento do ser humano do meio rural paulista. E, no entanto, ele estava lá, e fazia música. Descalço, com a barba rala por fazer, misturava sua cantiga à do carro de boi. Em noite estrelada, ouvindo miado da onça longe, tocava viola. De botina apertada, com muito respeito, ia à procissão, à igreja, ao som da música.  De camisa xadrez, soltava balão colorido e cantava para Santo Antonio, São João e São Pedro.
Às vezes melhorava um pouquinho: a cidade, casa de alvenaria, vizinhos. E vem o italiano, “carcamano”, e o alemão,” bicho-d’água” – imigrantes, pobres. Vem a sanfona, tradição, inovação, fusão, novos ritmos.
“A música caipira se caracteriza principalmente pelo som da viola e pelo estilo do canto, o qual talvez seja o fator mais importante dessa caracterização. Os cantores – ou “cantadores”  - sempre se utilizam das terças, isto é; nas duplas, em geral, um canta em dó e o outro em mi”. “Jamais usam o vibrato, aquela oscilação de voz levada ao exagero”. “ A viola caipira, invariavelmente afinada em dó natural, compõe-se de dez cordas ( ou cinco dobradas), sem o tradicional bordão da música popular urbana”.( Maestro Rogério Duprat).
Com o desenvolvimento das vilas e pequenas cidades do interior, com a chegada da eletricidade e do fonógrafo, criou-se um mercado consumidor, pronto para receber, industrializada, a produção cultural caipira.
Quem primeiro percebeu isso foi Cornélio Pires (1884-1958), entusiasta do gênero e que organizou a Turma Caipira Cornélio Pires.
Paulista de Tietê, vivendo no interior, imaginou que ali estaria um mercado potencial para a colocação de discos da música cabocla. Entretanto, as gravadoras da capital, naturalmente, não podiam acreditar que “aquilo” vendesse. Cornélio teve que comprar antecipadamente a edição de cinco mil discos para a que a Columbia (depois Continental) aceitasse a proposta. E, com os discos na bagagem, partiu em excursão pelo interior para apresentar suas famosas “conferências”, onde contava casos da roça, com o humor caboclo servindo de ligação entre as apresentações de violeiros.
Vinte e cinco mil discos vendidos depois, a RCA entrou na parada por sua própria conta com a Turma Caipira Victor. E mais caravanas começaram a percorrer o interior, com violeiros profissionais a promover suas gravações. E começaram a ganhar popularidade regional as primeiras duplas, como por exemplo, Raul Torres e Serrinha, Zico dias e Ferrinho, Mandi e Sorocabinha, Mariano e Caçula, Mineiro e Mineirinho, além de Florêncio, Caboclinho e muitos outros.
Por outro lado, já que um filão de ouro fora descoberto, tentou-se a experiência contrária, isto é, a apresentação dos caipiras nas capitais. Procurando adaptar o gênero caipira ao gosto urbano e percebendo a popularidade que a embolada nordestina conseguira no Rio de Janeiro, Raul Torres introduziu a “embolada paulista”. Aliás, foi também Torres quem trouxe para o repertório caipira a guarânia e outros gêneros regionais.
E o rádio (ainda que restrito às capitais) descobriu o Capitão Furtado e a dupla Alvarenga e Ranchinho. Estes últimos, principalmente, excepcionais criadores, na melhor tradição caipira, intercalando as composições (muitas de crítica social ou política) com a narração de “causos” cheios de verve, alcançaram amplo sucesso. Alvarenga e Ranchinho constituíram a dupla caipira mais famosa – e, certamente a mais politizada – dentre todas as que surgiram no país desde a década de 30.
Paulatinamente, a industrialização da produção musical caipira passou a trazer seus efeitos. Em primeiro lugar, em contato com o mercado fonográfico, começou a abrir-se a novas influências, provenientes do meio rural de outros países. Veio a guarânia paraguaia, o bolero, a influência mexicana pelas canções de Miguel Aceves Mejias, e a do meio–oeste americano. O cantor Bob Nelson fez muito sucesso apresentando-se como cow-boy e vertendo para o caipira a música rural dos Estados Unidos.
Dessa forma, embora permanecessem os ritmos típicos caipiras – a moda-de-viola, o cateretê, o cururu, a cana-verde, a moda campeira e o arrasta-pé, o gênero estendeu-se muito mais, até incluir degenerações urbanas – como o iê-iê-iê.
Outra consequência da industrialização da música caipira foi a constatação de que seu público era muito pouco sensível aos modismos passageiros. Os discos do gênero, ao invés de apresentarem uma aguda curva de vendagem, atingindo o ápice para depois descer para o completo esquecimento, manteve-se firmes por anos ou décadas, o que  demonstra sua radicação cultural muito mais sólida.  Muitas produções da década de 30, continuam sendo editadas, com vendagem segura e firme.  E não se trata de casos esparsos: Tião Carreiro e Pardinho gravaram quase trinta LPs, e todos eles ainda sustentam vendagem e continuam em catálogo.
Essa circunstância não atenuou o preconceito das emissoras de rádio, das gravadoras e da TV contra a música caipira. Muito ao contrário, logo a manutenção do preconceito se mostraria bastante lucrativa: os artistas caipiras, segregados do restante da música popular, podiam receber menos, garantir a baixo preço boas audiências em horários “infelizes”, apresentar-se de graça, em busca de promoção. Empresários ligados a gravadoras continuaram o caminho de Cornélio Pires, mas, levados apenas pelo faro comercial, não se arriscariam,preferindo transferir toda a possibilidade de prejuízo para seus contratados, e assumindo apenas os lucros. Promovem caravanas, mas não levam os discos; levam apenas os artistas que desejam se promover, pagos em comida e alojamento, e só depois que estes conseguem prestígio é que promovem a gravação. Dessa maneira, conseguem shows baratíssimos, para depois editar discos com vendagem já assegurada.
E os quase cinquenta anos de fonografia caipira tiveram, em resumo, esta consequência, segundo o sociólogo Valdenir “Batatais” Caldas:
- a rápida proliferação das duplas era uma nítida demonstração de que o sucesso discófilo do gênero sertanejo estava assegurado. Qualquer investimento nessa modalidade musical significava rentabilidade garantida. E nisso os empresários nunca titubearam. O resultado foi o progressivo crescimento da música “sertaneja” enquanto “novo estilo musical” e a consequente perda de autonomia de seus compositores e cantores, que passavam a produzir não aquilo que sabiam e queriam, mas o que lhes era determinado por elementos especializados em mercadologia. Nasce dessa forma a canção sertaneja de caráter comercial, caráter esse que domina sua existência até os dias de hoje.
Aculturados, os caipiras acabaram aceitando o preconceito que se levanta contra eles. Muitos chegaram ao sucesso mantendo a raiz, mas estão passando.
O filho de Nhô Miro talvez tenha morrido de maleita há vinte ou trinta anos atrás. Talvez tenha vindo para São Paulo, trabalhar na indústria, morar no subúrbio, trocar a viola pelo rádio. Talvez ainda esteja no campo, lavrador, boia fria.


VIM PRA CIDADE –
Júlio Nagi e Sydnei Moraes

Vim pra cidade,
Esquecer a saudade,
Mas a saudade
Veio junto pra cidade
(...) estou sozinho (...)


A VOLTA DO BOIADEIRO
Teddy Vieira

Quem não sentiu
O ar puro das campinas
E nunca ouviu
Um berrante em surdina,
Não viu a lua
Deitado sobre um baixeiro –
Não sabe, amigos,
Quanto é bom ser boiadeiro!

O SERTÃO
Tonico e Alberto Loureiro

Eu vivo no meu ranchinho,
Bem perto da natureza.
O cantar dos passarinhos
Disfarça minha tristeza (...)
Eu sou caboclo pachola
Dum Brasil tradicional –
A solidão me consola, (...)
(...) o sertão é minha escola
Faço verso natural.

CABELO PRETO
Tião Carreiro e Nízio

Vivo no meio do povo,
Carregando a minha dor
O povo pede justiça
Eu vivo pedindo amor!

CENTELHA DIVINA
Goiá e Amir

Por onde cantamos,
Vai gente à cavalo,
De jeep, ou carro emprestado,
Senhoras,  moças, crianças
E velhos. E assim
Trabalhamos com o circo
Lotado.
E nós dependemos
Do apoio sincero
Da gente que sempre nos vem aplaudir (...)
A música nasce da simples ideia
E a grande plateia vai decidir


O PRESIDENTE E O LAVRADOR
Léo Canhoto

Vossa Excelência
Precisa ir no interior,
Pegar na mão do lavrador
E ver seu rosto queimado.
Aqueles calos que ele tem,
Eu lhe asseguro,
São fruto de um trabalho puro,
Muito honesto e muito honrado (...)
Pertenço a eles, eu falo de coração.

BOIA FRIA
Moacyr dos Santos e Jacozinho

Meu patrão gritou comigo,
Me chamou de boia fria,
Não bati na cara dele
Pra não perder o dia.
Todo dia eu deito cedo,
Pra sair de madrugada,
Tomo um cafezinho quente,
A boia está preparada,
O caminhão está esperando
Na beiradinha da estrada.


ARTISTA CONSAGRADO
Braz Aparecido e Luiz de Castro

Nasci lá na roça, sou um sertanejo,
Não Nego que sou
Um caboclo de fato (...)
Neste recanto vivi muitos anos,
Me acostumei
Com a simplicidade,
Gosto do sertão, mas quis o destino
Que eu viesse um dia morar na cidade.

FLOR DO RINCÃO
Ademar da Silva

Eu conheci uma morena,
(...) por ela senti paixão –
Hoje só ela é que mora
Dentro do meu coração!
Foi num domingo de tarde,
Que a donzela encontrei,
(...) e, quando um mês se passou,
Com a morena eu casei –
Foi esse o passo mais certo
Que na minha vida eu dei!

O TEMPO
Arranjo de Tonico

Sou o tempo e o tempo passa
Sem princípio, sem fim, sem medida
(...) formo os anos que nascem e que morrem.

Vou correndo sereno e constante
E assim de cem em cem anos
Formo um século e
Passo pra diante.

Trabalhai porque a vida é pequena
E não há tempo para a demora
Não gastai os minutos sem pena
Não façais pouco caso das horas

O relógio do mundo é o tempo
Marca horas e horas cumprida
Os minutos de tempo no tempo
Os segundos no tempo da vida.


Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira
Abril Cultural - 1978