Os pés nus marcam a
areia úmida. Largo chapéu de palha e leves roupas de algodão, os homens sentem
a brisa que sopra da terra para o mar. Falam pouco, apenas o suficiente para a
realização das tarefas. O sol ainda não surgiu e o grupo se movimenta orientado
pela fraca luz de um lampião a querosene. E o marulho do mar.
A rede estendida para
secar no dia anterior, é enrolada. O mestre
examina a vela para ver se há algum furo. Está em ordem; foi tratada com sangue
de peixe e exposta ao sereno, garantindo a sua durabilidade. Os paus também são
verificados: meios, bordos e mimburas em perfeito estado. O proeiro
traz a quimanga, cheia de farinha,
rapadura, banana e peixe assado, e o barril com água doce. O bico de proa carrega o samburá onde serão guardados os peixes. Os
três homens estão prontos para partir.
Ainda é noite quando eles começam a empurrar a jangada sobre
os roletes feitos de tronco de coqueiro. Uma frágil embarcação (5 metros de
comprimento, 1,5 metros de largura) que
balança ao impacto das primeiras ondas.
MINHA JANGADA VAI SAIR PRO MAR
Quando a
água chega à cintura, Bento e Zeca saltam sobre os troncos. E Chico diz pra
Rosinha:
“minha
jangada vai sair pro mar
Vou
trabalhar Meu bem-querer
Se Deus
quiser quando eu voltar do mar
Um peixe bom
eu vou trazer
Meus
companheiros também vão voltar
E a Deus do céu vamos agradecer“
Em terra, as mulheres
ficam fazendo renda e esperando , esperando e rezando para Iemanjá. Que não
chova, que não venha o pé-de-vento, que voltem com os samburás cheios de peixe.
Iemanjá, rainha do mar, há de velar pelos homens, pois pescador, quando sai,
nunca sabe se volta nem sabe se fica.
“Adeus,
adeus
Pescador não
esqueça de mim
Vou rezar
pra ‘tê’ bom tempo Meu nego
Pra não ‘tê’
tempo ruim
Vou fazer
sua caminha, macia
Perfumada de
alecrim.”
Pedro saiu às 6 horas da tarde,
passou toda a noite, não veio na hora do sol raiar....
“Pedro,
Pedro, Pedro, Pedro!
Chegou,
chegou, chegou, chegou!
Ninô, Ninô,
Ninô, Ninô!
Zeca,
Zeca, Zeca, Zeca!
Cadê vocês,
homens de Deus?
Eu bem que
disse a José:
Não vá José!
Não vá José!
Meu Deus”
Com um tempo
desses não se sai
Quem vai pro
mar, Quem vai pro mar
Não vem!
É tão triste
ver partir alguém
Que a gente
quer com tanto amor
E suportar a
agonia de esperar voltar
Viver
olhando o céu e o mar
A incerteza
a torturar
A gente fica
só, tão só. É triste esperar.
Uma
‘incelença’ entrou no Paraíso!
Uma
‘incelença’ entrou no Paraíso!
Adeus,
irmão, adeus
Até o dia do
Juízo
Adeus,
irmão, adeus
Até o dia do
Juízo
Perdida no mar, a
jangada parece um barco de náufragos. Mas seus tripulantes sabem muito bem o
que estão fazendo: lançaram o tauaçu e silenciosamente soltaram a linhada. O local
é bom, logo o samburá começa a se encher. O mar está manso, a pesca é farta e
nos rostos queimados do sol há um sorriso. Eles voltarão com muito peixe, vai
‘tê’ presente prá Chiquinha e ‘tê’ presente pra Iaiá.
No brilho da tarde, ao
longe, uma vela aparece. Sob o olhar aflito e resignado das mulheres, os
pescadores se aproximam. Com água pela cintura, empurram a jangada para a
areia, onde estão os roletes, e todos, mulheres, velhos e crianças, ajudam a
puxar a embarcação.
Até mesmo um menino,
que não é filho de pescador, não mora perto, mas vive fascinado pelo mar, pelas
histórias de pescadores, por aquela aventura diária da jangada sobre as ondas.
Ele também quer ajudar, participar do esforço, sentir a alegria da volta. É uma
criança ainda, mas pressente a beleza e o drama da vida daquela gente.
O menino DORIVAL
CAYMMI ama os pescadores, a jangada, a areia, o vento, o sol, o mar. E a BAHIA.
SUITE DOS PESCADORES - Dorival Caymmi e família - Tom Jobim
Na Bahia, Caymmi ia à
praia de Itapoã, na época um vilarejo de pescadores, onde conviveu com a luta e
a tragédia da gente do mar. Ouviu histórias e registrou-as em canções como esta
Suíte dos Pescadores, também conhecida como História de pescadores.
Direitos autorais de
Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores Musicais
Fonte: Nova História
da Música Popular Brasileira – 1976 – Abril Cultural
Vídeo - Suite dos Pescadores - youtube
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MIMBURAS ou MUMBURAS –(NORDESTE)
- nome dado aos dois paus extremos da jangada.
BORDOS , MEIOS – (NORDESTE)- Cada um dos paus dentre os que formam as jangadas
PROEIRO –(MARINHA) –
marinheiro que vigia a proa.
QUIMANGA (NORDESTE)
- espécie de cabaça, preparada com
quengos de coco na qual os jangadeiros levam a comida.
TAUAÇU- (NORDESTE) –
pedra furada que serve de âncora às jangadas
Fonte: Dicionário Contemporâneo Da
Língua Portuguesa – Caldas Aulete – Editora Delta S.A. – 1958