OS ARTISTAS AMIGOS FALAM DE
CAYMMI AMIGO E ARTISTA
Domingo. No mormaço da
tarde, Caymmi está sentado na varanda. É uma casinha simpática, com um limoeiro
no quintal. Segura o violão mas não dedilha suas cordas.
Folheia um livro sobre
cinema, mas não o lê. O calor está muito forte e ele olha distraído para a
filhinha Nana que brinca no chão.
Quase sem se dar
conta, levanta-se, vai para o cavalete, pega o carvão e começa a desenhar- uma
palmeira, um rosto amigo, uma natureza morta, a paisagem da Bahia que conserva
na memória. Seus dedos acostumados a criar melodias, inventam formas, volumes e
cores.
Em 1930, na Bahia,
Caymmi frequentou um curso de desenho e aprendeu os rudimentos acadêmicos (desenhar
modelos de gesso, como dar a impressão de volume, etc.) que mais tarde o
ajudariam no caminha das artes plásticas. Em sua casa do Grajaú, no Rio de
Janeiro, instalou o cavalete, comprou telas, papel de desenho, carvão, grafite,
pincéis, tintas, e começou a pintar. O trabalho nas rádios deixava-lhe tempo
para esse prazer.
- Sou um lírico em
pintura, gosto da harmonia das cores; por outro lado não posso me desprender da
forma. Meu ideal seria uma pintura que correspondesse em cores às harmonias de
Bach. A pintura funciona em mim de um modo todo especial. Não sou um pintor de
domingos, como Churchill ou Eisenhower, mas também não chego a ser cem por
cento pintor. Tenho um compromisso com a canção, que é, de fato, a minha
maneira de exprimir. Em geral, com meus quadros satisfaço interiormente certas
frustrações musicais.
No final da década de
40, dedicou-se intensamente à pintura, embora não se tornasse pintor
profissional. Na roda de artes plásticas, fez vários amigos, procurando
aprender com eles. Augusto Rodrigues, Pancetti, Portinari e Clovis Graciano,
recebiam a visita do baiano com sua paixão pela arte, sem distinção de escola:
Giotto, Masaccio, Tintoretto, Cézanne, Gauguin, Utrillo, Matisse. E não perdia qualquer exposição de Pancetti,
Graciano, Guignard.
A pintura nunca
impediu que Caymmi fizesse boas músicas. Antes, ajudou: suas canções retratam,
em pinceladas vigorosas e coloridas, o homem, o mar e o ambiente da Bahia.
Assim como seus quadros transmitem a sonora poesia de sua terra natal. Na época
em que mais pintava, fez duas de suas melhores composições musicais: O
VENTO e FESTA DE RUA.
Em 1956, Caymmi
participou da Exposição dos Artistas de Rádio realizada na então Câmara
Municipal do Rio de Janeiro. Apresentou seis quadros, entre eles o retrato do
cronista Rubem Braga e de Rui Dias, padrinho de seu filho Danilo.
DEPOIMENTO
DOS AMIGOS
RUBEM BRAGA – Cronista
Caymmi é um pintor
sério, que trabalha devagar e não procura efeitos fáceis nem truques de
primitivo de araque. Já o vi pintar muitos
dias: ele fez um retrato meu. Primeiro desenhou, fez uns quatro ou cinco
desenhos no papel, afinal um na tela. Aí pegou o pincel e foi pintando com tinta muito rala – um óleo
sem volume, mas também sem simplismo, sem placas coloridas, com uma certa sabedoria
de mistura, uma fineza de tons. Gastou três sessões, e possivelmente mais de
uma garrafa de uma cachaça muito especial que eu tinha naquele tempo, feita em
alambique de louça de uma velha fazenda do Estado do Rio, guardada em tonel de
carvalho. E ali estou eu: não precisamente como sou agora, mas como eu era, há
cerca de 20 anos atrás. No fundo – como acontecia de verdade naquele
apartamentinho de Ipanema -, o mar, algumas ilhas e dois pinheiros que havia
ali, dois pinheiros que deram muito trabalho , porque ficavam parecendo duas
torres de aço, dessas para a exploração de petróleo.
Tenho vários retratos
meus, um deles desenhado com muito capricho, também em várias sessões, por
Cândido Portinari. Mas o meu jeito de ser, meio triste e meio bobo, está mesmo
naquele retrato feito pelo pintor Dorival Caymmi.
GENARO DE CARVALHO – Tapeceiro e
Pintor
Caymmi é o repórter e
o poeta do mar. Considero-o um dos mais importantes e dignos representantes
desta cidade. Homem do povo, com aspirações, temperamento e vivência desse
povo. A sua poesia é um canto, um canto
de amor.
MÁRIO CRAVO – Escultor
Caymmi representa
perfeitamente a ideia que temos da cultura e da sensibilidade baiana. A amizade
que não somente eu, mas a Bahia tem com Caymmi, data de muitos anos. A Bahia é
Dorival.
VINICIUS DE MORAES – poeta (1970)
“ Acontece que eu sou
baiano” – disse ele, num de seus melhores sambas. E é realmente difícil
encontrar alguém mais baianamente dengoso que Caymmi, apesar de sua grande
quilometragem carioca. Sua barriga redonda e cheia de ritmo que, parece dançar
por conta própria quando ele canta – a barriga de um homem que viveu e amou a
vida -, é o retrato da Bahia. Como, de resto, sua cor; a malemolência de seus
olhos, quando interpreta; e o balanço gordo
e descansado do seu samba: samba que parece ter o visgo gostoso do ar da
Bahia, feito de calor e brisa; o quebranto de suas ladeiras, por onde as
baianas descem desmanchando as ancas; a
untuosidade pungente de suas comidas e seus pirões afrodisíacos e a misteriosa
claridade de seu luar, que o fez dizer, num verso de mais alta poesia, em sua
canção sobre a lagoa do Abaeté; “ a noite tá que é um dia...”
Caymmi constitui, a
meu ver como Pixinguinha, Noel Rosa, Antonio Carlos Jobim e agora, despontando
no amanhecer, Chico Buarque, um dos cinco grandes solitários da música popular
brasileira. E assim é meu Caymmi: grande
sábio, vasto, intenso; um excelso mandarim baiano, que ainda representa melhor
que ninguém esse berço mestiço da nacionalidade que é sua Bahia nativa, onde os
preconceitos não têm cor e a falta de bossa não tem vez.
CLOVIS GRACIANO - Pintor e desenhista
O desenho e a pintura
de Caymmi são quase de um profissional, embora ele não dê importância a isso.
Tem grande facilidade para desenhar, transmitindo perfeitamente bem o que ele
pensa e transformando em desenho tudo o que ele quer, com grande inspiração e
técnica bem realizada. Mesmo que se ignorasse o nome de Caymmi como compositor
e músico e só se conhecesse o pintor, mesmo assim ele estaria à altura de
vários pintores que fazem sucesso.
Caymmi não está preso
a uma escola. Ele faz parte da arte contemporânea, que vem desde o
impressionismo e vai até as formas mais avançadas. Ele é mais equilibrado e,
como é um pintor que usa mais os temas da Bahia, sabe interpretá-los dentro
dessa escola, dentro dessa maneira de pintar.
Caymmi, para mim, está
entre os pintores de renome do Brasil. Está muito bem colocado e não faz feio
entre eles.
CARIBÉ – Desenhista e
Pintor
Caymmi não tem época.
Ele é específico, é a força vital e a poesia de nossa terra. Caymmi é o dengo
da Bahia, é a saudade da Bahia, é a tristeza da Bahia, as praias, é o sol.
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