Nos
dias atuais não faltariam amigos para amparar uma mulher que tivesse as razões
de Chiquinha Gonzaga para romper com o casamento. Mas naquela segunda metade do
século XIX, uma mulher que abandonava o marido tornava-se responsável por uma “vergonha” que devia enfrentar
sozinha. No primeiro momento, a voluntariosa Francisca Edwiges pensou que
poderia sair da dificuldade pelo caminho mais agradável: namorando um jovem
engenheiro apreciador de boa música, e passando a viver com ele, João Batista
de Carvalho, com quem teve uma filha Alice Maria. Mas as condições de vida que
o engenheiro construtor de estradas de ferro lhe oferecia acabaram se revelando
simples repetição do que acontecera com Jacinto. O novo marido não a fechava
num camarote, mas levava-a em sua vida nômade a viver em barracas armadas na
Serra da Mantiqueira, ouvindo o martelar da colocação dos trilhos durante o dia
e o zumbido dos mosquitos durante a noite. Foi preciso pouco tempo para
Chiquinha compreender a sua falta de vocação para o casamento:
separando-se também do engenheiro,
encerrava as suas tentativas de vida familiar e iniciava a carreira de mulher
independente, em que poderia afinal revelar a sua verdadeira personalidade. Ao separar-se de João Batista, este também não
permitiu que Chiquinha ficasse com a guarda da filha.
Para
a jovem mãe que só sabia tocar piano, o início não foi fácil. Instalada no
térreo de uma casa da antiga Rua da Aurora (hoje General Bruce), Chiquinha fez
uma revisão dos cadernos de aula dos tempos do Cônego Trindade, e anunciou
corajosamente que ensinava português, francês, latim, geografia, história e
matemática. O seu tipo físico, porém, descrito
pelo jornalista Barros Vidal, como “bem brasileiro - um mundo de seduções nos
olhos, morena, cabelos negros ligeiramente ondulados”, não devia servir muito à
imagem da mestra de saberes tão diversificados. E foi assim que a aluna do
Maestro Lobo desbancou a do Cônego Trindade, fazendo surgir a professora de
piano de compositora de polcas, valsas, tangos
e cançonetas Chiquinha Gonzaga, que em breve o Brasil todo ia conhecer.
Por
aqueles fins da década de 1870, bom pagamento para um músico que animasse uma
festa, tocando sem parar durante toda a noite, não ia nunca além de 10
mil-réis. Pois Chiquinha, além das aulas na casa dos alunos, juntou-se a um
grupo de músicos de choro, para concorrer algumas vezes na semana a alguns
desses cachês. Quando podia, Chiquinha encaixava no conjunto o seu filho mais
velho, João Gualberto, que por não ter chegado ainda aos quinze anos só recebia
2 mil-réis. Para a outrora mimada filha dos Neves Gonzaga era uma dura
experiência, mas foi essa necessidade de adaptar a voz do seu piano ao gosto
popular que lhe valeria, em poucos anos, a glória de tornar-se a primeira
grande compositora popular do país.
Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira
Abril Cultural - 1977
Imagens: Google
Nenhum comentário:
Postar um comentário