Por
volta de 1900, Chiquinha conhece a irreverente artista Nair de Tefé Von
HoonHoltz a primeira caricaturista mulher do mundo, uma moça boêmia, embora de
família nobre,da
qual se torna grande amiga. Chiquinha viaja pela Europa entre 1902 e 1910,
tornando-se especialmente conhecida em Portugal, onde escreve músicas para
diversos autores. Logo após o seu retorno da Europa, sua amiga Nair de Tefé
casa-se com o então Presidente da República Hermes da Fonseca, tornando-se
primeira dama do Brasil. Após o término do mandato presidencial, o casal Hermes da Fonseca e Nair de Tefé mudam-se
para a França e em decorrência desse afastamento, Chiquinha e Nair acabam por
perder contato.
A
peça de dois novatos Luiz Peixoto e Carlos Bittencourt, depois uma das mais
famosas duplas de autores do teatro de revista carioca, – estreou em 11 de junho de 1912, para
bater um recorde absoluto de permanência em cartaz na história do teatro de
revista brasileiro: 1500 representações.
Na
noite da estreia do original, encenado sob um clima de descrédito (a montagem
custou apenas 125 mil-réis), até o ator Alfredo Silva, que faria o papel de um
engraçado guarda-noturno, manifestava o seu medo do fracasso.
-
Não se impressione – disse-lhe então nos bastidores a confiante Chiquinha
Gonzaga- , esta peça vai dar muito dinheiro para todos nós! E vocês vão ficar
com caras de bobos...
Ó lua branca de fulgores e de encanto
Se é verdade que ao amor tu dás abrigo
Vem tirar dos olhos meus o pranto
Ai! vem matar essa paixão que anda comigo.
Ai! por quem és, desce do céu, ó lua branca
Essa amargura do meu peito, ó vem, arranca
Dá-me o luar de tua compaixão
Oh! vem por Deus, iluminar meu coração.
E quanta vezes lá no céu me aparecias
A brilhar em noite calma e constelada
A sua luz, então, me surpreendia
Ajoelhado junto aos pés da minha amada.
E ela a chorar, a soluçar, cheia de pejo
vinha em seus lábios me ofertar um doce beijo
Ela partiu, me abandonou assim
Oh! lua branca, por quem és, tem dó de mim.
Modinha integrante da burleta Forrobodó, foi composta, ao que consta, em algumas horas, às vésperas da estreia, transformando-se num dos maiores sucessos de Chiquinha Gonzaga. O estilo é da velha modinha provinda do Império, mas revelando a contribuição muito particular da concepção melódica de Chiquinha.
Para
Chiquinha Gonzaga, que desde 1917, com a criação da Sociedade Brasileira de
Autores Teatrais, SBAT, transformara-se numa espécie de figura simbólica do
teatro musicado, era uma glória que ia muito além das ambições de quem já dizia
desejar como epitáfio apenas duas palavras: “Sofreu e chorou”. Mas foi afinal cercada dessa glória que
Chiquinha Gonzaga viveu até às vésperas do carnaval de 1935 ( ela morreu a 28
de fevereiro, numa antevéspera do chamado sábado magro do carnaval). Caminhava
então para os 89 anos, e sua única distração era comparecer diariamente à SBAT
para tomar conhecimento das pequenas intrigas do meio teatral, o que a levou a
responder, em seus últimos anos de vida, ao Maestro Francisco Braga, que lhe
perguntara se ainda compunha muito:
- Qual o quê! Agora só
descomponho!..
.
Aos 52 anos de idade, Chiquinha
conheceu João Batista Fernandes Lage, um jovem português, com 16 anos de idade,
aprendiz de música, por quem se
apaixonou. Para viver um grande amor, temendo o preconceito, fingiu adotá-lo
como filho, decisão tomada para evitar escândalos em respeito aos seus filhos. Chiquinha e Joãozinho, como era carinhosamente
chamado, mudaram-se para Lisboa onde permaneceram algum tempo. Retornaram ao
Brasil, sem levantar suspeitas de viverem como marido e mulher. Esse romance só
foi descoberto após a sua morte, através de cartas e fotos do casal.
JOÃO BATISTA FERNANDES LAGE
O caricaturista,
pintor, cenógrafo, revistógrafo, poeta (é autor dos versos de MARIA, música de
Ary Barroso) e um dos primeiros estilistas de carrocerias de automóvel, Luiz
Peixoto, fala de sua experiência no teatro musicado ao lado de Chiquinha
Gonzaga:
-
Eu não tinha mais de dezoito anos quando procurei o empresário Pascoal Segreto,
em 1912, para que ele visse os originais da revista Forrobodó. Pascoal era uma espécie de dono do teatro
burlesco da época. Fui a ele junto com o outro autor do texto, Carlos
Bittencourt. Evidentemente Pascoal nem tomou conhecimento da nossa existência.
Foi ai que alguém nos falou de Chiquinha Gonzaga.
Ela
morava na hoje Rua Pedro I, na Praça Tiradentes, e não se fez de rogada, nos
recebeu, foi para o piano com as letras e o roteiro da peça, e imediatamente
começou a compor. Para mim e para o Carlos aquilo era quase um sonho. Ela, entrando nos 70 anos, dona de uma
vitalidade incrível, imediatamente começou a trabalhar na peça e, se não fosse
ela, Forrobodó não seria levada à cena. Tudo terminado, Chiquinha nos levou de
novo ao Pascoal Segreto, e como tinha grande ascendência sobre o empresário,
praticamente o obrigou a encenar a peça. Lembro ainda que para a montagem não
houve necessidade de maiores investimentos. Os cenários foram aproveitados de
outras peças. E para a vestimenta só houve um problema: foi preciso arranjar
uma casaca para um dos personagens.
Quando
conheci Chiquinha, ela era uma velhinha baixa, vestida como homem. Uma reedição
da George Sand. Costume fechado até o pescoço, chapéu e bengala. Apesar dos
seus setenta anos, a mesmo tempo em que cantarolava os tanguinhos brasileiros
em moda, dançava com uma desenvoltura de fazer inveja. Era uma criatura
risonha, pronta a ajudar quem a procurasse.
Um outro fato que me
ligou muito a Chiquinha Gonzaga foi a apresentação que fiz dela a meu tio, o
Maestro Leopoldo Miguez. Ela admirava meu tio havia muito tempo, e poder conhecê-lo
pessoalmente no fim da vida foi uma grande alegria. Chiquinha Gonzaga era uma
maestrina na acepção da palavra. Conhecia música profundamente e, se quisesse,
poderia ter sido uma compositora erudita.
Abril Cultura 1977
Imagens: Google
Vídeo: Youtube
Muito bom, a vida da chiquinha nunca pode deixar de ser contada!!!
ResponderExcluir