No
dia 17 de outubro de 1847 nascia na aristocrática Rua do Príncipe, no Rio de
Janeiro, uma menina que se chamaria Francisca Edwiges Neves Gonzaga, filha de
um militar José Basileu Neves Gonzaga e de Rosa Maria Neves de Lima, uma mulata
de origem humilde. José Basileu pertencia a uma família ilustre do Império, ligada
aos Lima e Silva (que tinha em Caxias o seu maior representante), e que chegaria ao posto de marechal de campo.
Se
há alguém de quem se possa dizer (sem
perigo de lugar-comum) que a sua vida
parece um romance, esse alguém é a compositora Chiquinha Gonzaga. Quem a visse
com seus vestidos escuros, nos últimos anos de vida, na década de 30,
comparecendo às estreias teatrais no Rio de Janeiro ao lado de João Gonzaga, jamais poderia imaginar que
aquela austera velhinha de gola alta tivesse sido uma pioneira da emancipação
da mulher no Brasil.
À
entrada do Teatro São José ou nos jardins do teatro Recreio, os senhores que a
cumprimentavam, tirando respeitosamente o chapéu de palha, não podiam, porém,
deixar de sorrir amigavelmente ante certas lembranças. Francisca Edwiges, a
independente representante da severa família Neves Gonzaga, fora a primeira
moça de família carioca a usar um lenço na cabeça, em público, em lugar de
chapéu. E na noite de estreia de uma companhia lírica estrangeira, estando sem
dinheiro para comprar uma cadeira na
plateia, subiu simplesmente até os
últimos bancos das torrinhas, só frequentadas até então por estudantes piadistas e irreverentes e
pela estranha fauna humana dos profissionais da claque.
Chiquinha
Gonzaga, é claro, sabia que atitudes como essa causavam escândalo entre as
arfantes senhoras amarradas em espartilhos, que suspiravam com os sonetos de
Olavo Bilac, mas era talvez por isso
mesmo que ousava. A sua independência,
lhe tinha custado, quase menina, uma dura guerra, que fora obrigada a sustentar
sozinha contra a família e contra os preconceitos.
Quando
Francisca Gonzaga nasceu, naqueles primeiros anos do reinado do austero Dom
Pedro II, as meninas burguesas que usavam grandes laços de fita e polainas
cheias de botõezinhos, não tinham muito em que pensar. Brincavam de roda,
aprendiam a ler e escrever, iniciando-se em francês com professores que vinham em
casa (o de Chiquinha fora o Cônego Trindade, amigo da família). E, quando
chegava a puberdade, eram apresentadas na sala de visitas ao senhor de bigode e
costeletas que a família escolhera para ser o seu marido. Com a menina
Francisca Edwiges, desde cedo chamada de Chiquinha, o velho costume patriarcal
das grandes famílias brasileiras ia cumprir-se com a precisão de um ritual.
Ao completar treze
anos, a aluna de piano do Maestro Lobo (e que dois anos antes estreara como
compositora com uma cantiga de Natal intitulada CANÇÃO DOS PASTORES, veio saber que o seu escolhido era um oficial da marinha mercante chamado Jacinto Ribeiro do Amaral, meio associado ao Barão de Mauá na exploração de um certo navio São Paulo. Corria o ano de 1860 e o então Major Gonzaga previa pelas agitações políticas na região do rio da Prata, que um armador não seria mau genro àquela altura.
Jacinto Ribeiro do Amaral
Realizado o casamento, verificou-se que ele tinha razão. Em 1864 começou a guerra do Paraguai e grandes verbas do governo passaram a correr para os bolsos de Jacinto e do Barão de Mauá, em pagamento do transporte de soldados e material bélico para o sul.
O que era, entretanto, uma satisfação para o previdente chefe da família Gonzaga, tornou-se desde logo o tormento da jovem senhora Gonzaga do Amaral. Com o dobro da sua idade, Jacinto tinha a sólida incultura de um pequeno empresário do Segundo Império, herdeiro de todos os vícios da tradição patriarcal-escravista. Além de implicar com o piano da esposa (que acabou vendendo), Jacinto obrigava-a a viajar com ele, praticamente reclusa em seu camarote do São Paulo. E quando Chiquinha resolveu compensar-se da falta de música comprando um violão, as brigas do casal atingiram o auge. Já a esta altura mãe de três filhos, a futura maestrina, colocada pelo próprio Jacinto na opção de escolher entre ele e o violão, tomou a sua primeira grande decisão: comprou passagem para ela e para os filhos em outro navio e voltou ao Rio de Janeiro, trazendo o violão. O marido, no entanto, não permitiu que ela cuidasse dos filhos mais novos, Maria do Patrocínio e Hilário, e apenas o filho João Gualberto ficou com ela.
Fonte: Nova História da Música Popular brasileira
Abril cultural - edição 1977
Imagens: Google
Fonte: Nova História da Música Popular brasileira
Abril cultural - edição 1977
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