terça-feira, 3 de setembro de 2019

JACOB DO BANDOLIM E O CHORO - I

O CHORO 

TEXTO DO MAESTRO BAPTISTA SIQUEIRA



JACOB DO BANDOLIM
MÚSICA: ANDRÉ DE SAPATO NOVO
COMPOSITOR: ANDRÉ VICTOR CORREIA


A mais antiga referência ao termo “choro” entendido como toque expressivo nos instrumentos de cordas parece ser aquela registrada no início da segunda metade do século XIX. Teria ocorrido quando Manuel Joaquim Maria compôs a polca-lundu Chora Pitanga! Esse título repete uma expressão popular que nasceu quando o violoncelista Casimiro Lúcio de Souza Pitanga, ao executar em 1857, no Salão do Congresso Fluminense, uma Fantasia em Adágio, se ouve com tamanha expressividade no vibrar das cordas que, da plateia,  alguém gritou entusiasmado: - Chora, Pitanga!
O dito invadiu a cidade e a polca-lundu Chora, Pitanga, várias vezes editada e até incluída na peça “Orfeu na Roça” (1868), acabou conhecida também como a A Polca do Grito. Desde o fim do século XVIII o adjetivo “chorado” vinha sendo empregado  no sentido de “plangente”. Em “Obras Poéticas” (1801), Nicolau Tolentino de Almeida faz referência ao londum chorado, isto é , o lundu tocado expressivamente na guitarra.
Muito tempo depois, coube a Ernesto Nazareth relacionar o termo “choro” a um instrumento muito popular no Brasil , o cavaquinho, aproveitando a forma da polca-de-serenata a que deu o nome de Cavaquinho, porque choras?
Verifica-se por outro lado,  que tanto em Portugal quanto no Brasil, era comum o uso de expressões como “chorar no pinho” , significando o modo plangente de tocar os instrumentos de cordas dedilhadas.
A fixação popular do termo “choro”  com referência ao conjunto característico da terra carioca ocorreu quando Chiquinha Gonzaga compôs o tango brasileiro de nome  Só no Choro (1889).
A organização original do grupo de choro carioca era composta de flauta transversa, cavaquinho e violões. Coincide, portanto, com aquilo que praticavam os músicos populares do gênero, no tempo do Império. O Rio de Janeiro era então o centro mais evoluído do país, em matéria de flautistas, violonistas e exímios tocadores de cavaquinho. Isso foi a causa primordial do enlevo da alma humana que a fez defender a essência que deu vida ao choro carioca. Não era um terceto, um quarteto, etc., mas um conjunto autêntico  de características próprias. Quando o grupo era variado, ou seja, quando apareciam clarinetas, saxofones ou trompetes substituindo  a flauta na execução  da melodia, empregava-se a expressão  genérica “grupo” para aludir à presença do sax-horn (instrumento oriundo da pequena banda de música).
O choro começou a existir quando, nos intervalos dos bailes, saraus e serenatas, o tocador de cavaquinho, a um canto, dedilhava a melodia da polca da moda, a que os violonistas acompanhavam heterofonicamente (de ouvido), guiando-se pelas estruturas regulares das músicas dançantes: valsas, polcas, tangos, etc. Formava-se assistência curiosa em torno do grupo e os aplausos repetiam-se animados. Nesses prélitos virtuosísticos cessavam cantos e danças: a música pura dominava. No choro prevalecia o conceito de música absoluta, ao gosto dos executores, que, assim, buscavam fugir do predomínio constante do ato de dançar.
Num caderno escrito a lápis que pertenceu à família de Joaquim Antonio da Silva Calado Júnior (1848-1880) e que hoje está em nosso arquivo, encontram-se duas polcas que eram executadas continuadamente como choro. Trata-se da peça nº 1, em dó maior, cujas modulações surpreendentes sugerem o ambiente dos choros; e da nº 2, a polca-de-serenata Perigosa, ainda hoje considerada genérica pelos chorões. Ambas trazem aquela destinação auspiciosa que consistia em “apanhar” o cavaquinho que, errando na modulação, “caía” na passagem tangenciada. Daí, provavelmente, a origem da polca de Viriato Figueira Caiu, não disse! a  que dá Ernesto Nazareth resposta pilhérica: Não Caio Noutra.
Mas como interpretar, por exemplo, a presença do nome “choro” na obra pianística de Ernesto Nazareth? O piano, apesar de instrumento polifônico, não é componente ideal do choro. O mecanismo particular desse instrumento, onde martelos movidos por teclas fazem vibrar cordas soltas (que não têm possibilidade de reproduzir os denominados “sons plangentes”) retira qualquer autenticidade a seu emprego  no grupo característico a que estamos nos referindo. Em Nazareth o choro é, pois, uma referência, uma interpretação de imagens sonoras peculiares.

JACOB DO BANDOLIM E O CHORO




Jacob Pick Bittencourt, mais conhecido como Jacob do Bandolim (Rio de Janeiro, 14 de fevereiro de 1918 — Rio de Janeiro, 13 de agosto de 1969) foi um músico, compositor e bandolinista brasileiro de choros. Filho do capixaba Francisco Gomes Bittencourt e da judia polonesa Raquel Pick nascida na cidade de Łódź, morou durante a infância no bairro da Lapa, à Rua Joaquim Silva 97, no Rio de Janeiro. Posteriormente, morou em uma casa avarandada com jardim em Jacarepaguá (Rio de Janeiro), rodeado pelas rodas de choro e de grandes amigos chorões. Apesar de não ser um entusiasta do carnaval, gostava do frevo. Estudou em escolas tradicionais, como no Colégio Cruzeiro (escola referencial da comunidade alemã) e no Colégio Anglo-Americano e serviu no CPOR. Trabalhou no arquivo do Ministério da Guerra, quando já tocava bandolim. Por fim, Jacob fez carreira como serventuário da justiça no Rio de janeiro, chegando a escrivão de uma das varas criminais da capital.
Entre seus ídolos estavam Almirante (compositor), Orestes Barbosa, Noel Rosa, Nonô (pianista, tio de Ciro Monteiro e parente do cantor Cauby Peixoto), Bonfiglio de Oliveira, Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Sinhô, Paulo Tapajós, João Pernambuco, Capiba e Luiz Vieira.
Em 1968 foi realizado um espetáculo no Teatro João Caetano (Rio de Janeiro) em benefício do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, com Jacob do Bandolim, a divina Elizeth Cardoso, Zimbo Trio e o Época de Ouro. A apresentação de Jacob tocando a música Chega de Saudade (Tom Jobim/Vinicius de Moraes) foi antológica. Foi lançado álbum com dois longplays (LP) da gravação original do espetáculo, em edição limitada.
Teve um casal de filhos, sendo que um deles, era o jornalista polêmico (O Globo, Última Hora) e compositor Sérgio Bittencourt, que era hemofílico e faleceu com apenas 38 anos em 1979. A sua filha Elena Bittencourt, cirurgiã dentista, que fundou e presidiu o Instituto Jacob do Bandolim, faleceu em 2011, por problemas cardíacos.
Jacob passou sua última tarde, no bairro de Ramos, em visita a seu amigo compositor e maestro Pixinguinha. Ao chegar à varanda da sua casa cansado e esbaforido, caiu nos braços de sua esposa Adília, já sem vida.
São de sua autoria clássicos do choro como Vibrações, Doce de Coco, Noites Cariocas, Assanhado e Receita de Samba.  Alcançou popularidade ao montar o conjunto ÉPOCA DE OURO,  conjunto regional de choro fundado por Jacob do Bandolim em 1964. Foi organizado definitivamente em 1966 e teve grande importância no movimento de resistência do choro na década de 1960, época em que a bossa nova reinava quase absoluta.




                      Época de Ouro se apresentando durante a premiação do Festival de Música
                                                    Rádios MEC e  Nacional 2016.


A formação atual do conjunto é: Celsinho Silva (pandeiro), Jorge Filho (cavaquinho), Ronaldo do Bandolim, Antonio Rocha (flauta), João Camarero (violão de sete cordas) e Luiz Flavio Alcofra (violão).
(WIKIPEDIA)



NAQUELA MESA 
HOMENAGEM DE  SERGIO BITTENCOURT 
A SEU PAI JACOB DO BANDOLIM
GRAVAÇÃO DE NELSON GONÇALVES

Fonte: Nova história da Música Popular Brasileira
Abril Cultural  - 1978
Imagens: Google
Vídeo: Youtube









                         



JACOB DO BANDOLIM E O CHORO - II


PLANGE, PLANGE, VIOLÃO,
COMO MEU CORAÇÃO.
AFASTA, BANDOLIM,
ESSA TRISTEZA DE MIM!



Antes, havia a cumplicidade das ruas, o fundo de quintal a noite de luar: a dose sapeca do choro era exercida cotidianamente pelos membros da baixa classe média da velha São Sebastião do Rio de Janeiro. Em seus encantos e mistérios, e às vésperas da proclamação da República, o chorinho revelava certa maleabilidade e flexibilidade social que o crescimento das cidades de antigamente permitia, em oposição às formas rígidas e violentas do latifúndio e da escravidão.
No Rio de Janeiro, principalmente, a emergência e o crescimento de uma classe média iriam facilitar o intercâmbio de a síntese entre o tecido próprio da grande música ocidental (as notas que vinham da colonização europeia) e a vigorosa pulsação rítmica de origem negra – linguagens musicais que se encontravam divorciadas na grande propriedade de monocultura. Dos diversos personagens inscritos  nesta nova classe social urbana – amanuenses, servidores públicos municipais, pequenos comerciantes retalhistas, músicos de bandas militares, carteiros, condutores de bonde, etc.  – o choro extrairia seus mais destacados praticantes, que recebiam o batismo expressivo de “chorões”. Aliás, como aponta Alexandre Gonçalves Pinto, o Animal, em seu livro  O Choro – Reminiscências de chorões antigos 1936, a prática do chorinho não era exercida profissionalmente: isto chama atenção para sua intimidade com dia-a-dia cultural desses brasileiros, em seu periódico compromisso com o prazer de tocar. É  na alma encantadora das ruas, como gostava de dizer o cronista de costumes cariocas João do Rio , e na maneira de viver dessa modesta classe média sustentada pelos senhores da terra, ainda que indiretamente) que a tradição musical europeia iria se encontrar com o dengo e a malícia rítmica do “ mulato democrático do litoral”. Dessa aproximação surgiria um gênero de música instrumental brasileiro, o mais elaborado e criativo, e o que permite uma maior rebeldia improvisativa: o chorinho.

SOB O SIGNO DA ESPONTANEIDADE



O batuta Pixinguinha costumava dizer que “choro é um negócio sacudido e gostoso”, e nisso ninguém bota reparo. Agora quando se trata de falar das raízes desse gênero  musical e da origem da palavras “choro” para designá-lo, a historiografia só admite uma certeza: a controvérsia.
A versão mais difundida é aquela que aceita o termo “choro” como uma corruptela  de “xolo”, espécie de baile com canto e dança que os negros escravos realizavam nos latifúndios, por ocasião de festas como a  de São João por exemplo.  Confundida com a sua parônima portuguesa, virou “xoro” e, chegando à cidade, foi grafada “choro”. Investindo contra essa postura, o pesquisador José Ramos Tinhorão argumenta que o nome “choro” deriva do tom plangente e melancólico  fornecido pelos violões na execução de uma peça. (Os tocadores de violão fixaram certas passagens modulatórias, as quais, por se movimentarem na sonoridade mais grave do violão, ganhariam o apelido de “baixaria”. “Pois seriam esses esquemas modulatórios, partindo do bordão para descaírem quase sempre rolando pelos sons graves, em tom plangente, os responsáveis  pela impressão de melancolia que acabaria conferindo o nome de choro a tal maneira de tocar, e a designação de chorões aos músicos de tais conjuntos, por extensão”,  justifica Tinhorão, em sua Pequena História da Música Popular).
Mais recentemente, o pesquisador Ary Vasconcellos oferece nova explicação: a palavra “choro” derivaria de “choromeleiros” ou “charameleiros”, corporação de músicos que teve atuação importante no período colonial brasileiro. Os choromeleiros não executavam apenas a charamela, mas outros instrumentos de sopro. Para o povo, naturalmente, qualquer conjunto instrumental deveria ser sempre os choromeleiros, expressão que acabou sendo encurtada para choros.
De qualquer forma, a fixação do grupo de instrumentistas que forneceria a estrutura do futuro “regional” – composto do “terno” violão (responsável  pela marcação), cavaquinho (“centro”, respondendo também pelo ritmo) e flauta (solo; às vezes substituída pela oficlide, espécie de antepassado rústico  do saxofone) – resulta da evolução de dois tipos de ajuntamentos musicais (não raro compostos pelos mesmos músicos) que perambulavam pelas festas e noites cariocas do século XIX. Um deles, que reunia os chorões para as serenatas, utilizava-se mais dos instrumentos de cordas (embora, de vez em quando, se pudesse ouvir os queixumes de uma flauta), que harmonizavam o acompanhamento para o canto triste e lamentoso do seresteiro; o outro, com um discurso sonoro quase exclusivamente instrumental, fornecia música de dança para as festas religiosas e para os aniversários , batizados, casamentos, nas casas de família dos bairros da classe média empobrecida. Era nessas ocasiões que os instrumentistas procuravam imprimir sua forte intuição rítmico-melódica e sua deliciosa habilidade técnica nas polcas, shottischs, mazurcas e valsas que frequentavam a vidinha musical da Sede do Império e futura Capital  da Primeira República. Isso parece confirmar a opinião de alguns  historiadores, segundo a qual o choro, antes de adquirir o estatuto de gênero musical, circulava apenas como maneira de tocar.  E foi durante as atividades desse modo  chorado de executar que começou  a se desenvolver um tipo de diálogo  entre o instrumento solista e os responsáveis pela harmonia, cujo ato final era a “derrubada” – quando o acompanhamento  não conseguia mais seguir o espicaçamento e a esperteza do improviso. Já o título de uma das peças precursoras do gênero, Caiu, não disse  de Viriato Ferreira da Silva, aludia a esse “debate” entre os instrumentos.   Apanhei-te Cavaquinho (de Ernesto Nazareth),Cuidado Colega(de Pixinguinha e Benedito Lacerda), e outras são exemplos nítidos de que o chorinho reproduzia-se sob o signo da espontaneidade e de uma acentuada liberdade criativa.
Nos primeiros anos do século XX, o choro amadurece em gênero; constrói-se sua gramática. Para Adhemar Nóbrega, estudioso dos choros de Villa-Lobos, o gênero hoje conhecido como tal é “uma peça em compasso binário, de movimento moderato para vivo, construído com figurações da polca e do schottisch, mescladas à síncope afro-brasileira” e/ou, ainda, “com a linha melódica expressa em semicolcheias corridas”.
No chorinho, quase sempre, sobressai  um instrumento solista, que capricha no virtuosismo, numa pererequice tonal, com modulações inesperadas. Fracionada comumente em três partes (concebidas em três tonalidades), a sequência do chorinho apresenta o corte típico do rondó: primeira parte/segunda/repete-se a primeira/terceira/retorna-se à primeira (A/B/A/C/A).
Com o desenvolvimento das rádios e do mercado de discos, e com a crescente hegemonia do samba no panorama da música popular brasileira, a partir da segunda década do século XX, o choro foi deixando de ser requisitado como atividade musical específica, transformando seus praticantes em regionais de acompanhamento de cantores. A inevitável  profissionalização dos músicos iria modificar sensivelmente o exercício ritualístico do choro, antes realizado sob a égide da espontaneidade e do prazer








NEWTON NAZARETH
AVE MARIA - SHUBERT
solo de bandolim


Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira
Abril Cultural - 1978
Imagens: GOOGLE
Videos: Youtube


JACOB DO BANDOLIM E O CHORO – III




DERRUBA, CAVAQUINHO,
TODA A MÁGOA NUM CHORINHO.
FLAUTA QUERIDA,
 ASSOPRA ESPERANÇA NA VIDA.



“Jacob Bittencourt, bandolinista consagrado, estudioso e pesquisador renitente do populário nacional, compositor de mérito, é um homem para quem o crime compensa. E isto explica-se: Jacob não é apenas músico, mas também o escrivão da 19ª Vara Criminal. Mora em Jacarepaguá, tem  um fabuloso arquivo musical e é fotógrafo amador.”  Assim, o saudoso Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, iniciava na extinta Revista de Música Popular, comentário sobre a discografia de Jacob Pick Bittencourt, ou melhor, de Jacob do Bandolim, o homem que seria, durante muito tempo, um dos responsáveis pela manutenção da gramática do choro.
Essa rápida pincelada biográfica esboçada por Sérgio Porto chama atenção para a diversidade de atividades exercidas por aquele que foi um de nossos maiores bandolinistas e, talvez, o responsável pela popularização desse instrumento.  De fato, Jacob procurou nunca viver exclusivamente de música (daí ter-se tornado escrivão), e seu apego e dedicação a nossa música popular deixou uma inestimável herança: a Sala Jacob do Bandolim, no Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro, local que abriga o rico arquivo deixado  pelo bandolinista ao morrer. Nesse acervo, encontram-se  arquivados cem livros, 6 mil partituras (muitas delas grafadas pelo próprio Jacob), mil revistas, quinze fichários, 1400 discos de 78, 45 e 33 rotações e 120 fitas gravadas, entre outras coisas de excepcional valia, principalmente para quem se preocupa em desvendar os segredos do chorinho.
Os primeiros passos musicais daquele menino nascido nas Laranjeiras, em 14 de fevereiro de 1918, não foram nada prazerosos. Como prêmio por sua inédita tentativa de fazer um arranjo musical, um contracanto no coro do Hino Nacional, ficou de castigo até a noite na escola. Mais tarde, seus colegas de turma na British American School divertiam-se com os sons que o garoto dos Bittencourt extraía de uma gaita, demonstrando uma tendência estranha à família, que não se lembrava sequer de um antepassado com dotes musicais. Mas o que parecia tendência acabaria se revelando vocação.
Aos doze anos, Jacob ganhou seu primeiro instrumento, um violino que receberia uma maneira toda especial de execução.  Sem uma adequada instrução de como tocar aquele instrumento, e considerando o arco desnecessário e incômodo, ele passou a traduzir valas e canções da época num particular pizzicato, valendo-se dos grampos de cabelo de sua mãe. Este era o divertimento principal do menino que morava na Lapa boêmia e musical.  Mas como as cordas do violino viviam arrebentando, Jacob, aconselhado por uma amiga de sua mãe, abraçou pela primeira vez o instrumento ao qual ficaria unido intimamente pelo resto da vida – tão intimamente que incorporaria o nome do instrumento ao seu. O primeiro bandolim que possuiu era um modelo napolitano, chamado de “cuia” ou “saúva” e adquirido na loja “Guitarra de Prata”, por 80 mil-réis. A partir daí, Jacob encontrou melhores condições para exercer seu profundo sentido musical, embora continuasse sem métodos nem professores.
A data considerada como a da primeira exibição de Jacob do Bandolim é 20 de dezembro de 1933. Empurrado por amigos e acompanhado por três deles, executou o choro Aguenta Calunga, de Attílio Grany, no programa Hora do Amador Unisal, da Rádio Guanabara. O resultado da apresentação frustrou bastante as exigências do jovem Jacob, que contava então quinze anos. Mas o primeiro êxito da incipiente carreira do bandolinista aconteceria em 27 de maio de 1934, depois de duas apresentações realizadas dias antes (uma no programa Horas Luso-Brasileiras, da Rádio Educadora; outra, no Clube Ginástico Português, ambas tocando violão, instrumento que por pouco não seduz Jacob). Participando  de um concurso promovido pelo jornal “O Radical”, no Programa dos Novos, da Rádio Guanabara, ele conseguiu o segundo lugar na preferência dos ouvintes, que enviavam seus votos pelo cupom extraído da coluna de Silvio da Fonseca, no “ O Radical”. O resultado, porém, não era definitivo: o júri (que lhe conferiu unanimemente os 10 pontos) – composto por Orestes Barbosa, Francisco Alves, Benedito Lacerda, Cristóvão de Alencar, Eratóstenes Frazão, Alberto Manes (diretor da rádio), Oscar Pamplona e sua filha, a professora Maria Pamplona – outorgou-lhe o primeiro prêmio. O grupo (Jacob mais Carlos Gil, cavaquinho; Osmar Menezes, violão; Valério Farias, o “Roxinho”, violão; Manoel Gil, pandeiro; e Natalino Gil, ritmista) foi batizado por Frazão de “Jacob e sua Gente”, passando a revezar com o Benedito Lacerda e sua Gente do Morro no acompanhamento dos cantores da Rádio Guanabara.  Noel Rosa, por exemplo, foi um dos cantores que o novo regional acompanhou. A virtuose do bandolim de Jacob, ainda que por poucos instantes, nas pausas da voz de algum cantor, principiava a encontrar suas primeiras “vibrações”.


 
JACOB DO BANDOLIM -  BENZINHO

Até a década de 20, nem o bandolim nem o cavaquinho eram, geralmente, propostos como instrumentos de solo em rodas de choro. Historicamente, eles chegaram até nós pelos portugueses, servindo de acompanhamento em modinhas e lundus. Considerados instrumentos de precários recursos técnicos para o papel de solista, eles, a exemplo dos banjos no jazz-band, cumpriam a função de enriquecimento harmônico e rítmico, entre os chorões. Em 1977, ao gravar um disco de choros, no qual passa quase todo o tempo tocando cavaquinho, Paulinho da Viola escreveu: “o cavaquinho ‘solado’ não é muito fácil devido aos poucos recursos que oferece. É, na verdade, adequado para fazer o centro”. De resto, vale notar que as gravações feitas pelo sistema mecânico não conseguiam um registro eficiente dos sons do bandolim e do cavaquinho, que se confundiam com os violões.

BANDOLIM, VIOLINO & VIOLÃO



O nome do pernambucano Luperce Bezerra Pessoa de Miranda (1904-1977) inscreve-se como um dos pioneiros na promoção do bandolim ao papel de solista de chorinhos. Filho de João Henrique Pessoa de Miranda (tocador de bandolim, violão e violino) e de Amélia Bezerra Silveira de Miranda (pianista) apareceu no Rio por volta de 1927 ou 28 tocando cavaquinho ao lado de seu irmão João Miranda (bandolim), no legendário conjunto Turunas da Mauriceia (nome sugerido pelo historiador Mário Melo, lembrando os tempos de Maurício de Nassau no Recife). Em 28, os Turunas conseguiram o maior sucesso do carnaval carioca, com a embolada Pinião, hoje antológica. Luperce pode ser apontado como um dos principais responsáveis pela divulgação do bandolim como instrumento solista, embora na época houvesse grandes tocadores de bandolim (seu irmão João, Francisco Neto, João Martins) e  de cavaquinho (Nelson dos Santos Alves, um dos Oito Batutas, e Ari Valdez,  o “Tatuzinho”),   e já se formasse uma tradição nessa linhagem de instrumentistas – tradição que vem de Galdino Cavaquinho e de seu discípulo o célebre Mário Alvares, o Mário Cavaquinho (1876-10/01/1909), que inventou o cavaquinho de cinco cordas e que foi professor de Pixinguinha.



                                                             OS OITO BATUTAS

 Segundo Lúcio Rangel, os solos de bandolim e de cavaquinho de Luperce “percorriam todas as vitrolas do país, num número sempre crescente de interpretações”. Especula-se  que Luperce talvez seja o solista instrumental brasileiro que mais gravou, tendo passado por quase todas as etiquetas brasileiras: Odeon, RCA Vitor, Parlophon, Columbia, Continental  e  Marcus Pereira, onde gravou pela última vez, não chegando, contudo, a ouvir o disco pronto. Vítima de um enfarte, faleceu a 5 de abril de 1977.
O som do bandolim ou do cavaquinho de Luperce pode ser reconhecido em algumas gravações históricas como Se você Jurar, com a dupla Mário Reis-Francisco Alves, ou Tabuleiro da Baiana, com Carmen Miranda e Luiz Barbosa; atribui-se a Luperce Miranda, também, a primeira gravação de Carinhoso, de Pixinguinha. Luperce Miranda redefiniu o cavaquinho e o bandolim para a música popular brasileira, e assim abriu caminho para outros instrumentistas como José Menezes, Waldir Azevedo, Jacob do Bandolim, Canhoto, Índio, Jonas, Deo Rian, Joel, Evandro.




LUPERCE MIRANDA - 
ODEON -  de ERNESTO NAZARETH

Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira
Abril Cultural - 1978
Imagens: Google
Vídeos: Youtube

JACOB DO BANDOLIM E O CHORO - IV




TIA AMÉLIA, SEMPRE LINDA, AO PIANO
AINDA: ADEMILDE COM A MAGIA DE SUA VOZ:
ELAS CHORAM POR TODOS NÓS.


ADEMILDE FONSECA - 
NOITES CARIOCAS
Música de JACOB DO BANDOLIM
Letra de  HERMÍNIO BELLO DE CARVALHO


















 No final da década de 40 e início dos anos 50, o cavaquinho e o bandolim conheceriam seu instante de consagração popular, revivescendo, inclusive, a linguagem do choro – agora presa a esquemas profissionais e aos caprichos do mercado de discos. Durante a II Guerra Mundial, Jacob do Bandolim continuou a dividir seu tempo entre a manutenção de uma profissão e o compromisso, iniludível, com a música, reproduzindo o comportamento dos chorões antigos, que sobreviviam com atividades extra-musicais. Jacob foi prático de farmácia, vendedor pracista, agente de seguros e de títulos diversos, vendedor, dono de um laboratório e de duas farmácias, até 1940, quando prestou concurso e foi nomeado escrevente juramentado do Distrito Federal (que naquela ocasião era o próprio Rio de Janeiro). À noite, bandolim e Rádio Guanabara, para o alumbramento dos que o ouviam. Mas Jacob continuava como músico acompanhante, o que não satisfazia plenamente sua inventividade e habilidade técnica, nem mesmo quando participava de gravações memoráveis, como a de Ai, que saudades da Amélia, com Ataulfo Alves, em 1942.
Um 78 rpm da Continental, gravado em 1947, registra, pela primeira vez, todo o virtuosismo de Jacob ao solar seu bandolim Uma das faces apresentava um chorinho do próprio Jacob, Treme-Treme. Sobre Treme-Treme, Sérgio Porto escreveu: “choro de Jacob que, sendo o primeiro de uma longa série, é um dos melhores de toda a sua discografia.  (...). Benedito César Ramos de Faria dirigia o regional escolhido por Jacob para ser o seu conjunto permanente nas gravações”.  Mas o sucesso de um chorinho executado por Jacob do Bandolim aconteceria em seu segundo disco, também gravado pela Continental, um mês depois, novamente, com acompanhamento do regional de César. Trata-se do choro Flamengo, do chorão e pistonista Bonfiglio de Oliveira, do grupo da Velha Guarda, composto em homenagem ao bairro onde morou. Comenta-se que Flamengo, em número de gravações, só perde para os choros Carinhoso (Pixinguinha) e Tico-Tico no Fubá (Zequinha de Abreu). A gravação de Jacob teria vendido cerca de 100 mil cópias, quantidade espantosa para a época, o que provocou grande interesse pelo bandolim. (O pesquisador J.L. Ferrete recorda que foi nesta hora que “o célebre  Garoto, por exemplo, que estivera durante anos limitado a uns poucos e inexpressivos lançamentos, começou a ser aproveitado por sua gravadora a Odeon, na base do bandolim”). O bandolim estava definitivamente talhado para a execução de solos, não só em choros, como também em valsas, baiões, sambas, frevos, etc.





Jacob do Bandolim entraria nos estúdios da RCA Victor em 1954 para registrar em disco um dos maiores clássicos de seu repertório: "Santa Morena", valsa flamenca claramente inspirada na malagueña, estilo musical genuinamente espanhol. Nos violões, provavelmente estão Dino e Meira. Pela primeira vez na carreira, Jacob se fazia acompanhar por orquestra de cordas. Infelizmente, não se sabe quem é o autor do magnífico arranjo.


WALDIR, PAULINHO, EVANDRO, CANHOTO:
DAS CORDAS SAI ESSE SOM MAROTO:
DOR FEITO NOTA, 
LÁGRIMA FEITO ANEDOTA.



Waldir Azevedo (1923) seria o responsável pela difusão dos sons do cavaquinho, em grande escala, a exemplo do que fizera o bandolim de Jacob. Para se ter uma ideia, em 1951 esse carioca criado no Engenho de Dentro recebeu o título de “ Rei do Disco”, tendo vendido naquele ano 415.285 exemplares (somente sua gravação do baião  Delicado que alcançou fama mundial, vendeu  182.854 cópias).  Sinais claros de que o cavaquinho passava a ser escutado por novos ouvidos, superando sua dimensão  de instrumento pouco recomendável  como solista de chorinhos.
Waldir começou a se interessar pelos instrumentos de corda quando ouviu o famoso Moleque Diabo, grande malabarista do violão, do banjo, do cavaquinho e do bandolim.  Até então , soprava uma flautinha que, por influência do encapetado instrumentista, foi trocada por um violão, passando depois para o bandolim, para a viola americana (de quatro cordas) e para o banjo.  Aos dezessete anos, improvisando  um regional, Waldir peregrinou pelos programas de calouros das rádios do Rio, atuando com grande êxito nos concursos (ganhando os da Rádio Cruzeiro do Sul e da  Rádio Guanabara, tocando nesta última o choro Cambucá, de Pascoal de Barros, que mais tarde gravaria). Um pequeno problema no coração, atribuído ao excesso de exercícios de ginástica que praticava, desviou-o  de uma carreira na Aeronáutica, reforçando mais seu desejo de dedicar-se à música.
Por volta de 1943, o ingresso do tocador de cavaquinho Gugu (Gumercindo Silva, que depois adotaria o contrabaixo, tocando, inclusive, no conjunto do próprio Waldir) na orquestra de Djalma Ferreira abre uma vaga para Waldir Azevedo tornar-se profissional, trabalhando no regional de César Moreno, na Rádio Mayrink Veiga.  Em 45, a profissionalização se concretiza: Waldir entra para o regional de Dilermando Reis, encarregado de substituir o de Benedito Lacerda no acompanhamento de cantores da Rádio Clube do Brasil.



O acaso tornou Waldir compositor. Para conter o choro (não musical) de um sobrinho, passou a improvisar no único instrumento que tinha à mão, um cavaquinho que só não estava mudo porque a corda ré permanecia íntegra. E foi brincando nessa corda só que Waldir compôs aquele que seria um dos chorinhos mais famosos de todos os tempos: o Brasileirinho. Mais tarde, pronta a segunda parte, o saltitante Brasileirinho passou a fazer sucesso nas apresentações de Waldir, que o incluiu no primeiro disco que gravou como solista, lançado em 5 de maio de 1949. A partir daí, o cavaquinho foi se tornando um dos instrumentos mais ajustados à expressão desse sentimento, dessa espécie de molejo com languidez que caracterizam o mais elaborado discurso musical popular do Brasil. Além disso, Brasileirinho foi o título do I Festival Nacional de Chorinho, promovido pela TV Bandeirantes (1977), assumindo o papel de música-símbolo dessa retomada da gramática do choro, cem anos após a dada assinalada como a de seu aparecimento. O regional que acompanhou Waldir Azevedo durante a gravação de seu primeiro chorinho, o Brasileirinho, apresentava uma interessante inovação: a utilização  do contrabaixo. Na verdade, a composição dos regionais que tocavam choro foi se modificando durante o transcorrer deste século, de acordo com a exigência de cada músico - seja ela governada por um profundo sentido musical  ou apenas ditada pela moda.
Com a transformação dos regionais em conjuntos de acompanhamento para cantores, nas rádios e nas gravações, foi requisitada, por exemplo, uma ênfase no ritmo, motivando o aparecimento de uma seção de percussão. Assim,  começaram a aparecer, nos antigos agrupamentos de choro, pandeiros, surdos, ganzás, reco-recos, afoxés, tamborins, etc. O pandeiro seria irrevogavelmente incorporado à formação dos atuais regionais. Os instrumentos de sopro, por sua vez, tiveram seus timbres muito revezados  nos solos e, em fins dos anos 40, somou-se aos instrumentos já existentes o acordeom,  que há muito frequentava intimamente a sonoridade rural brasileira. O acordeom  em regional apareceu inicialmente em São Paulo e funcionava, quase sempre, num diálogo ou contracanto com o solo da flauta ou do bandolim. Ficaram famosos alguns acordeonistas que atuavam sem regionais de choro, como Orlando Silveira, que tocou no regional de Canhoto, e o paraibano Sivuca (Severino Dias Oliveira)  que tocou com Waldir Azevedo. (No I Festival Nacional de Chorinho, Sivuca apresentou Músicos e Poetas,  para solo de acordeom, acompanhado pelo regional de Evandro).
Quando o flautista carioca Joaquim Antonio da Silva Calado Júnior (1848-1880) traduziu de uma maneira toda chorada as polcas da época, ele já se fazia acompanhar de dois violões. Daí para frente, a dupla de violões será mantida por qualquer regional que se preze. Inicia-se nessa época um filão de grandes violonistas chorões do porte de um Sátiro Bilhar (1860?-1927?), autor da polca estilizada em choro Tira a Poeira, gravada tempos depois por Jacob do Bandolim;  do famoso Tute (Artur Nascimento), inventor do violão de sete cordas, que tocou com Chiquinha Gonzaga e no Grupo da Velha Guarda, com Pixinguinha; de Catulo da Paixão Cearense, que insistiu na dignidade do violão; de Donga, que foi violão-baixo dos Oito Batutas; de Quincas Laranjeiras; de China e Leo Viana (irmãos de Pixinguinha); de Rogério Guimarães,  de João Pernambuco; do grande Garoto (Anibal Augusto Sardinha), mestre também no bandolim, no cavaquinho, na guitarra havaiana e no banjo.


                                                                      GAROTO

  Garoto (1915-1955) estreou no rádio bandeirante em 1928, e em 1943 transferiu-se para o Rio de Janeiro, integrando o Quarteto Continental e o Sexteto Continental, grupos instrumentais dirigidos  pelo maestro Radamés Gnatalli. Sua composição mais famosa foi uma homenagem à capital paulista, feita em parceria com Chiquinho: São Paulo quatrocentão. A tradição se mantém com Américo Jacomino, o Canhoto; com Gorgulho que integrou o regional de Benedito Lacerda; com o solista Dilermando Reis, com Laurindo de Almeida, que foi chorão antes de ir para os Estados Unidos, e com Benedito César Ramos de Faria, o César da Época de Ouro, desde os tempos de Jacob, que o considerava um violão “pé-de-boi”. E ainda com a maior dupla de violonistas regionais da história da música popular brasileira , base do grupo do Pixinguinha e Benedito Lacerda e, depois, do conjunto de Canhoto: Orondino Silva (1918-  ) e Jaime Florence (1909-  ), ou melhor, Dino e Meira.  Dino, responsável pela manutenção do violão de sete cordas, ao contrário de Luperce Miranda, Jacob do Bandolim e Waldir Azevedo, nunca se incomodou com o fato de não executar um instrumento solista;  ele considerava seu violão mais adequado ao acompanhamento. Durante algum tempo, Dino fez segredo sobre a sétima corda de seu violão, afinada em dó, mas logo se descobriu que se tratava da quarta corda do violoncelo.


                                             DINO REIS COM O REGIONAL DE CANHOTO

- O falecido Tute foi o primeiro que eu vi tocar um violão de sete cordas – afirma ele. E eu me intrigava com aquilo, mas achava impossível vir a tocar um. Tute tocava com Pixinguinha na Rádio Mayrink Veiga e, com sua morte, resolvi  experimentar. Encomendei um violão idêntico ao seu e iniciei um auto-aprendizado. Levei uns três meses “apanhando” do instrumento até conseguir domá-lo.  A vontade de tocar  um sete-cordas nasceu da necessidade de florear o acompanhamento do choro com fraseados mais graves.  O sete-cordas é um instrumento nacional, assim como o cavaquinho de cinco cordas, que hoje já não se toca.
O violão-tenor uma relíquia do choro foi tocado quase exclusivamente por Claudionor Cruz (parceiro de Pedro Caetano em muitos clássicos).
Já, Canhoto da Paraíba (Francisco Soares de Araújo, nascido em Princesa Isabel a 19 de maio de 1928), preferiu fazer do violão um instrumento solista de choro. Em 1959, Canhoto esteve no Rio de Janeiro, em contato com os chorões locais, num sarau na casa de Jacob do Bandolim, em Jacarepaguá. Ali, encontrou-se com Pixinguinha, Radamés Gnatalli, Tia Amélia, Dilermando Reis, César Faria e outros. A aparição  de Canhoto fascinou um menino que principiava na música: Paulinho da Viola, que mais tarde lhe dedicou o choro Abraçando Chico Soares. Falando sobre o choro  Com mais de Mil, de Canhoto da Paraíba, o crítico Ruy Fabiano afirma que ele “apresenta uma sequência harmônica incomum no gênero, capaz de derrubar o mais experimentado acompanhador. Trata-se de uma cadência inusual  (lá, si bemol e dó maior), certamente extraída do som dos violeiros nordestinos, cuja aplicação ao choro revela-se um achado magnífico, de efeito raras vezes obtidos”.




                                                            PAULINHO DA VIOLA

Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira
Abril Cultural - 1978
Imagens: Google
Vídeos: Youtube

JACOB DO BANDOLIM E O CHORO - V




SOZINHOS OU EM BANDO,
ELES ESTÃO SEMPRE CHORANDO: 
LAMENTOS
SÃO RISOS EM SEUS INSTRUMENTOS
                           PIANO E VOZ


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CHIQUINHA GONZAGA


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ERNESTO NAZARETH

                                                                                                                                                                       TIA  AMELIA                                                                                                   AMELIA BRANDÃO NERY




A partir da segunda metade da década de 70 o chorinho vem sendo executado por uma grande variedade de instrumentos, que vai da guitarra elétrica à cítara de Avena de Castro.
Quando passou para as salas de espera dos  cinemas de antigamente, o choro adaptou-se ao piano, com Ernesto Nazareth, que se inspirava em “pianeiros” populares, chorões inveterados do Rio da virada do século, tais como os citados por Alexandre Gonçalves Pinto: Aurélio Cavalcanti, Chirol, Azeredo Pinto, Lobinho, Maneco Leal, Bulhões, Freitas (um dos primeiros pianistas de jazz-band do Rio), Benedito de Oliveira, Costinha e outros. Depois, o piano se revelaria o instrumento de choro preferido pelas intérpretes femininas, num fio condutor que se inaugura com Chiquinha Gonzaga e se estende por Tia Amélia (Amélia Brandão Nery, pernambucana de Jaboatão, uma das resistentes do chorinho, e que, na década de 50, possuía um programa na TV-Rio, Velhas Estampas, que reunia chorões antigos);  por Lina Pesce (paulista, autora do chorinho Bem-te-vi Atrevido; por Carolina Cardoso de Menezes; por Eudóxia de Barros. No setor masculino, não se pode esquecer um daqueles que melhor choraram ao piano, Zequinha de Abreu, autor do famoso chorinho Tico-Tico no Farelo (posteriormente , no Fubá); nem do tio de Ciro Monteiro, o Nonô (Romualdo  Peixoto),  pianista oficial de Silvio Caldas, ou ainda Gade (Oswaldo  Chaves Ribeiro) , parceiro de Walfrido Silva em inúmeras composições  “malandras”. Lembre-se, ainda, do pianista de extração Artur Moreira Lima, impecável em sua interpretação de Nazareth, compositor mais recentemente “relido” por um duo pianístico erudito, Francisco Mignone e sua mulher Maria Josefina. Observe-se que, dado seus recursos técnicos e sonoros, o piano, na execução de um choro, dispensa a utilização de outros instrumentos fazendo, sozinho, melodia, harmonia e ritmo.


ZEQUINHA DE ABREU                                        NONÔ (ROMUALDO PEIXOTO)

                                                          
E foi justamente o Tico-Tico no fubá,  de Zequinha de Abreu, a música responsável pelo aparecimento em 1942, daquela que seria consagrada como a “Rainha do Chorinho”, Ademilde Fonseca. Ademilde criou um novo tipo na música popular brasileira, o de cantor de chorinhos. Os ouvintes, entre boquiabertos e seduzidos, escutaram a voz de Ademilde Fonseca cantando Tico-Tico, cuja letra, até então desconhecida, é atribuída ao paulista Eurico Barreiros. Mais tarde, por volta de 1950, a cantora reeditaria seu sucesso, desta vez com o Brasileirinho, de Waldir Azevedo, com letra de Pereira da Costa. Nos anos 60, Nara Leão também incursionou pelo chorinho cantado, interpretando Odeon e Apanhei-te, Cavaquinho, ambos de Ernesto Nazareth. A vocalização do choro pede a utilização da voz como um instrumento, além de uma grande agilidade vocal, somada a uma dicção perfeita.

“VOLTEI PRA CHORAR COM VOCÊS”




   PICHINGUINHA   
ODEON
MÚSICA DE ERNESTO NAZARETH

Tocado ou cantado, na flauta ou num bandolim, com ou sem acordeom, no fundo do quintal ou em alguma mesa de bar, o sentimento do chorinho (calcado na espontaneidade, na rebeldia improvisativa, na liberdade inovadora) vai se preservando, ora no jeito de se segurar um instrumento, ora na “queda” de algum violão, ou no saracoteado de um cavaquinho. Chorinho: ingênuo, brejeiro, carinhoso. Como disse o poeta Vinicius de Moraes nos versos que botou em Odeon, de Nazareth, o choro voltou “ Pra dizer  ‘ Não faz mal,/ tanto faz, tanto fez/ Eu volte pra chorar com vocês’ “.

MAS, PRA CHORAR DE VERDADE,

ACEITE O AVISO:
CHORO TEM IMPROVISO,

CHORO É A MÚSICA EM LIBERDADE.

Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira
Abril Cultural - 1978
Imagens: Google
Vídeos: Youtube