terça-feira, 3 de setembro de 2019

JACOB DO BANDOLIM E O CHORO – III




DERRUBA, CAVAQUINHO,
TODA A MÁGOA NUM CHORINHO.
FLAUTA QUERIDA,
 ASSOPRA ESPERANÇA NA VIDA.



“Jacob Bittencourt, bandolinista consagrado, estudioso e pesquisador renitente do populário nacional, compositor de mérito, é um homem para quem o crime compensa. E isto explica-se: Jacob não é apenas músico, mas também o escrivão da 19ª Vara Criminal. Mora em Jacarepaguá, tem  um fabuloso arquivo musical e é fotógrafo amador.”  Assim, o saudoso Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, iniciava na extinta Revista de Música Popular, comentário sobre a discografia de Jacob Pick Bittencourt, ou melhor, de Jacob do Bandolim, o homem que seria, durante muito tempo, um dos responsáveis pela manutenção da gramática do choro.
Essa rápida pincelada biográfica esboçada por Sérgio Porto chama atenção para a diversidade de atividades exercidas por aquele que foi um de nossos maiores bandolinistas e, talvez, o responsável pela popularização desse instrumento.  De fato, Jacob procurou nunca viver exclusivamente de música (daí ter-se tornado escrivão), e seu apego e dedicação a nossa música popular deixou uma inestimável herança: a Sala Jacob do Bandolim, no Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro, local que abriga o rico arquivo deixado  pelo bandolinista ao morrer. Nesse acervo, encontram-se  arquivados cem livros, 6 mil partituras (muitas delas grafadas pelo próprio Jacob), mil revistas, quinze fichários, 1400 discos de 78, 45 e 33 rotações e 120 fitas gravadas, entre outras coisas de excepcional valia, principalmente para quem se preocupa em desvendar os segredos do chorinho.
Os primeiros passos musicais daquele menino nascido nas Laranjeiras, em 14 de fevereiro de 1918, não foram nada prazerosos. Como prêmio por sua inédita tentativa de fazer um arranjo musical, um contracanto no coro do Hino Nacional, ficou de castigo até a noite na escola. Mais tarde, seus colegas de turma na British American School divertiam-se com os sons que o garoto dos Bittencourt extraía de uma gaita, demonstrando uma tendência estranha à família, que não se lembrava sequer de um antepassado com dotes musicais. Mas o que parecia tendência acabaria se revelando vocação.
Aos doze anos, Jacob ganhou seu primeiro instrumento, um violino que receberia uma maneira toda especial de execução.  Sem uma adequada instrução de como tocar aquele instrumento, e considerando o arco desnecessário e incômodo, ele passou a traduzir valas e canções da época num particular pizzicato, valendo-se dos grampos de cabelo de sua mãe. Este era o divertimento principal do menino que morava na Lapa boêmia e musical.  Mas como as cordas do violino viviam arrebentando, Jacob, aconselhado por uma amiga de sua mãe, abraçou pela primeira vez o instrumento ao qual ficaria unido intimamente pelo resto da vida – tão intimamente que incorporaria o nome do instrumento ao seu. O primeiro bandolim que possuiu era um modelo napolitano, chamado de “cuia” ou “saúva” e adquirido na loja “Guitarra de Prata”, por 80 mil-réis. A partir daí, Jacob encontrou melhores condições para exercer seu profundo sentido musical, embora continuasse sem métodos nem professores.
A data considerada como a da primeira exibição de Jacob do Bandolim é 20 de dezembro de 1933. Empurrado por amigos e acompanhado por três deles, executou o choro Aguenta Calunga, de Attílio Grany, no programa Hora do Amador Unisal, da Rádio Guanabara. O resultado da apresentação frustrou bastante as exigências do jovem Jacob, que contava então quinze anos. Mas o primeiro êxito da incipiente carreira do bandolinista aconteceria em 27 de maio de 1934, depois de duas apresentações realizadas dias antes (uma no programa Horas Luso-Brasileiras, da Rádio Educadora; outra, no Clube Ginástico Português, ambas tocando violão, instrumento que por pouco não seduz Jacob). Participando  de um concurso promovido pelo jornal “O Radical”, no Programa dos Novos, da Rádio Guanabara, ele conseguiu o segundo lugar na preferência dos ouvintes, que enviavam seus votos pelo cupom extraído da coluna de Silvio da Fonseca, no “ O Radical”. O resultado, porém, não era definitivo: o júri (que lhe conferiu unanimemente os 10 pontos) – composto por Orestes Barbosa, Francisco Alves, Benedito Lacerda, Cristóvão de Alencar, Eratóstenes Frazão, Alberto Manes (diretor da rádio), Oscar Pamplona e sua filha, a professora Maria Pamplona – outorgou-lhe o primeiro prêmio. O grupo (Jacob mais Carlos Gil, cavaquinho; Osmar Menezes, violão; Valério Farias, o “Roxinho”, violão; Manoel Gil, pandeiro; e Natalino Gil, ritmista) foi batizado por Frazão de “Jacob e sua Gente”, passando a revezar com o Benedito Lacerda e sua Gente do Morro no acompanhamento dos cantores da Rádio Guanabara.  Noel Rosa, por exemplo, foi um dos cantores que o novo regional acompanhou. A virtuose do bandolim de Jacob, ainda que por poucos instantes, nas pausas da voz de algum cantor, principiava a encontrar suas primeiras “vibrações”.


 
JACOB DO BANDOLIM -  BENZINHO

Até a década de 20, nem o bandolim nem o cavaquinho eram, geralmente, propostos como instrumentos de solo em rodas de choro. Historicamente, eles chegaram até nós pelos portugueses, servindo de acompanhamento em modinhas e lundus. Considerados instrumentos de precários recursos técnicos para o papel de solista, eles, a exemplo dos banjos no jazz-band, cumpriam a função de enriquecimento harmônico e rítmico, entre os chorões. Em 1977, ao gravar um disco de choros, no qual passa quase todo o tempo tocando cavaquinho, Paulinho da Viola escreveu: “o cavaquinho ‘solado’ não é muito fácil devido aos poucos recursos que oferece. É, na verdade, adequado para fazer o centro”. De resto, vale notar que as gravações feitas pelo sistema mecânico não conseguiam um registro eficiente dos sons do bandolim e do cavaquinho, que se confundiam com os violões.

BANDOLIM, VIOLINO & VIOLÃO



O nome do pernambucano Luperce Bezerra Pessoa de Miranda (1904-1977) inscreve-se como um dos pioneiros na promoção do bandolim ao papel de solista de chorinhos. Filho de João Henrique Pessoa de Miranda (tocador de bandolim, violão e violino) e de Amélia Bezerra Silveira de Miranda (pianista) apareceu no Rio por volta de 1927 ou 28 tocando cavaquinho ao lado de seu irmão João Miranda (bandolim), no legendário conjunto Turunas da Mauriceia (nome sugerido pelo historiador Mário Melo, lembrando os tempos de Maurício de Nassau no Recife). Em 28, os Turunas conseguiram o maior sucesso do carnaval carioca, com a embolada Pinião, hoje antológica. Luperce pode ser apontado como um dos principais responsáveis pela divulgação do bandolim como instrumento solista, embora na época houvesse grandes tocadores de bandolim (seu irmão João, Francisco Neto, João Martins) e  de cavaquinho (Nelson dos Santos Alves, um dos Oito Batutas, e Ari Valdez,  o “Tatuzinho”),   e já se formasse uma tradição nessa linhagem de instrumentistas – tradição que vem de Galdino Cavaquinho e de seu discípulo o célebre Mário Alvares, o Mário Cavaquinho (1876-10/01/1909), que inventou o cavaquinho de cinco cordas e que foi professor de Pixinguinha.



                                                             OS OITO BATUTAS

 Segundo Lúcio Rangel, os solos de bandolim e de cavaquinho de Luperce “percorriam todas as vitrolas do país, num número sempre crescente de interpretações”. Especula-se  que Luperce talvez seja o solista instrumental brasileiro que mais gravou, tendo passado por quase todas as etiquetas brasileiras: Odeon, RCA Vitor, Parlophon, Columbia, Continental  e  Marcus Pereira, onde gravou pela última vez, não chegando, contudo, a ouvir o disco pronto. Vítima de um enfarte, faleceu a 5 de abril de 1977.
O som do bandolim ou do cavaquinho de Luperce pode ser reconhecido em algumas gravações históricas como Se você Jurar, com a dupla Mário Reis-Francisco Alves, ou Tabuleiro da Baiana, com Carmen Miranda e Luiz Barbosa; atribui-se a Luperce Miranda, também, a primeira gravação de Carinhoso, de Pixinguinha. Luperce Miranda redefiniu o cavaquinho e o bandolim para a música popular brasileira, e assim abriu caminho para outros instrumentistas como José Menezes, Waldir Azevedo, Jacob do Bandolim, Canhoto, Índio, Jonas, Deo Rian, Joel, Evandro.




LUPERCE MIRANDA - 
ODEON -  de ERNESTO NAZARETH

Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira
Abril Cultural - 1978
Imagens: Google
Vídeos: Youtube

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