terça-feira, 3 de setembro de 2019

JACOB DO BANDOLIM E O CHORO - IV




TIA AMÉLIA, SEMPRE LINDA, AO PIANO
AINDA: ADEMILDE COM A MAGIA DE SUA VOZ:
ELAS CHORAM POR TODOS NÓS.


ADEMILDE FONSECA - 
NOITES CARIOCAS
Música de JACOB DO BANDOLIM
Letra de  HERMÍNIO BELLO DE CARVALHO


















 No final da década de 40 e início dos anos 50, o cavaquinho e o bandolim conheceriam seu instante de consagração popular, revivescendo, inclusive, a linguagem do choro – agora presa a esquemas profissionais e aos caprichos do mercado de discos. Durante a II Guerra Mundial, Jacob do Bandolim continuou a dividir seu tempo entre a manutenção de uma profissão e o compromisso, iniludível, com a música, reproduzindo o comportamento dos chorões antigos, que sobreviviam com atividades extra-musicais. Jacob foi prático de farmácia, vendedor pracista, agente de seguros e de títulos diversos, vendedor, dono de um laboratório e de duas farmácias, até 1940, quando prestou concurso e foi nomeado escrevente juramentado do Distrito Federal (que naquela ocasião era o próprio Rio de Janeiro). À noite, bandolim e Rádio Guanabara, para o alumbramento dos que o ouviam. Mas Jacob continuava como músico acompanhante, o que não satisfazia plenamente sua inventividade e habilidade técnica, nem mesmo quando participava de gravações memoráveis, como a de Ai, que saudades da Amélia, com Ataulfo Alves, em 1942.
Um 78 rpm da Continental, gravado em 1947, registra, pela primeira vez, todo o virtuosismo de Jacob ao solar seu bandolim Uma das faces apresentava um chorinho do próprio Jacob, Treme-Treme. Sobre Treme-Treme, Sérgio Porto escreveu: “choro de Jacob que, sendo o primeiro de uma longa série, é um dos melhores de toda a sua discografia.  (...). Benedito César Ramos de Faria dirigia o regional escolhido por Jacob para ser o seu conjunto permanente nas gravações”.  Mas o sucesso de um chorinho executado por Jacob do Bandolim aconteceria em seu segundo disco, também gravado pela Continental, um mês depois, novamente, com acompanhamento do regional de César. Trata-se do choro Flamengo, do chorão e pistonista Bonfiglio de Oliveira, do grupo da Velha Guarda, composto em homenagem ao bairro onde morou. Comenta-se que Flamengo, em número de gravações, só perde para os choros Carinhoso (Pixinguinha) e Tico-Tico no Fubá (Zequinha de Abreu). A gravação de Jacob teria vendido cerca de 100 mil cópias, quantidade espantosa para a época, o que provocou grande interesse pelo bandolim. (O pesquisador J.L. Ferrete recorda que foi nesta hora que “o célebre  Garoto, por exemplo, que estivera durante anos limitado a uns poucos e inexpressivos lançamentos, começou a ser aproveitado por sua gravadora a Odeon, na base do bandolim”). O bandolim estava definitivamente talhado para a execução de solos, não só em choros, como também em valsas, baiões, sambas, frevos, etc.





Jacob do Bandolim entraria nos estúdios da RCA Victor em 1954 para registrar em disco um dos maiores clássicos de seu repertório: "Santa Morena", valsa flamenca claramente inspirada na malagueña, estilo musical genuinamente espanhol. Nos violões, provavelmente estão Dino e Meira. Pela primeira vez na carreira, Jacob se fazia acompanhar por orquestra de cordas. Infelizmente, não se sabe quem é o autor do magnífico arranjo.


WALDIR, PAULINHO, EVANDRO, CANHOTO:
DAS CORDAS SAI ESSE SOM MAROTO:
DOR FEITO NOTA, 
LÁGRIMA FEITO ANEDOTA.



Waldir Azevedo (1923) seria o responsável pela difusão dos sons do cavaquinho, em grande escala, a exemplo do que fizera o bandolim de Jacob. Para se ter uma ideia, em 1951 esse carioca criado no Engenho de Dentro recebeu o título de “ Rei do Disco”, tendo vendido naquele ano 415.285 exemplares (somente sua gravação do baião  Delicado que alcançou fama mundial, vendeu  182.854 cópias).  Sinais claros de que o cavaquinho passava a ser escutado por novos ouvidos, superando sua dimensão  de instrumento pouco recomendável  como solista de chorinhos.
Waldir começou a se interessar pelos instrumentos de corda quando ouviu o famoso Moleque Diabo, grande malabarista do violão, do banjo, do cavaquinho e do bandolim.  Até então , soprava uma flautinha que, por influência do encapetado instrumentista, foi trocada por um violão, passando depois para o bandolim, para a viola americana (de quatro cordas) e para o banjo.  Aos dezessete anos, improvisando  um regional, Waldir peregrinou pelos programas de calouros das rádios do Rio, atuando com grande êxito nos concursos (ganhando os da Rádio Cruzeiro do Sul e da  Rádio Guanabara, tocando nesta última o choro Cambucá, de Pascoal de Barros, que mais tarde gravaria). Um pequeno problema no coração, atribuído ao excesso de exercícios de ginástica que praticava, desviou-o  de uma carreira na Aeronáutica, reforçando mais seu desejo de dedicar-se à música.
Por volta de 1943, o ingresso do tocador de cavaquinho Gugu (Gumercindo Silva, que depois adotaria o contrabaixo, tocando, inclusive, no conjunto do próprio Waldir) na orquestra de Djalma Ferreira abre uma vaga para Waldir Azevedo tornar-se profissional, trabalhando no regional de César Moreno, na Rádio Mayrink Veiga.  Em 45, a profissionalização se concretiza: Waldir entra para o regional de Dilermando Reis, encarregado de substituir o de Benedito Lacerda no acompanhamento de cantores da Rádio Clube do Brasil.



O acaso tornou Waldir compositor. Para conter o choro (não musical) de um sobrinho, passou a improvisar no único instrumento que tinha à mão, um cavaquinho que só não estava mudo porque a corda ré permanecia íntegra. E foi brincando nessa corda só que Waldir compôs aquele que seria um dos chorinhos mais famosos de todos os tempos: o Brasileirinho. Mais tarde, pronta a segunda parte, o saltitante Brasileirinho passou a fazer sucesso nas apresentações de Waldir, que o incluiu no primeiro disco que gravou como solista, lançado em 5 de maio de 1949. A partir daí, o cavaquinho foi se tornando um dos instrumentos mais ajustados à expressão desse sentimento, dessa espécie de molejo com languidez que caracterizam o mais elaborado discurso musical popular do Brasil. Além disso, Brasileirinho foi o título do I Festival Nacional de Chorinho, promovido pela TV Bandeirantes (1977), assumindo o papel de música-símbolo dessa retomada da gramática do choro, cem anos após a dada assinalada como a de seu aparecimento. O regional que acompanhou Waldir Azevedo durante a gravação de seu primeiro chorinho, o Brasileirinho, apresentava uma interessante inovação: a utilização  do contrabaixo. Na verdade, a composição dos regionais que tocavam choro foi se modificando durante o transcorrer deste século, de acordo com a exigência de cada músico - seja ela governada por um profundo sentido musical  ou apenas ditada pela moda.
Com a transformação dos regionais em conjuntos de acompanhamento para cantores, nas rádios e nas gravações, foi requisitada, por exemplo, uma ênfase no ritmo, motivando o aparecimento de uma seção de percussão. Assim,  começaram a aparecer, nos antigos agrupamentos de choro, pandeiros, surdos, ganzás, reco-recos, afoxés, tamborins, etc. O pandeiro seria irrevogavelmente incorporado à formação dos atuais regionais. Os instrumentos de sopro, por sua vez, tiveram seus timbres muito revezados  nos solos e, em fins dos anos 40, somou-se aos instrumentos já existentes o acordeom,  que há muito frequentava intimamente a sonoridade rural brasileira. O acordeom  em regional apareceu inicialmente em São Paulo e funcionava, quase sempre, num diálogo ou contracanto com o solo da flauta ou do bandolim. Ficaram famosos alguns acordeonistas que atuavam sem regionais de choro, como Orlando Silveira, que tocou no regional de Canhoto, e o paraibano Sivuca (Severino Dias Oliveira)  que tocou com Waldir Azevedo. (No I Festival Nacional de Chorinho, Sivuca apresentou Músicos e Poetas,  para solo de acordeom, acompanhado pelo regional de Evandro).
Quando o flautista carioca Joaquim Antonio da Silva Calado Júnior (1848-1880) traduziu de uma maneira toda chorada as polcas da época, ele já se fazia acompanhar de dois violões. Daí para frente, a dupla de violões será mantida por qualquer regional que se preze. Inicia-se nessa época um filão de grandes violonistas chorões do porte de um Sátiro Bilhar (1860?-1927?), autor da polca estilizada em choro Tira a Poeira, gravada tempos depois por Jacob do Bandolim;  do famoso Tute (Artur Nascimento), inventor do violão de sete cordas, que tocou com Chiquinha Gonzaga e no Grupo da Velha Guarda, com Pixinguinha; de Catulo da Paixão Cearense, que insistiu na dignidade do violão; de Donga, que foi violão-baixo dos Oito Batutas; de Quincas Laranjeiras; de China e Leo Viana (irmãos de Pixinguinha); de Rogério Guimarães,  de João Pernambuco; do grande Garoto (Anibal Augusto Sardinha), mestre também no bandolim, no cavaquinho, na guitarra havaiana e no banjo.


                                                                      GAROTO

  Garoto (1915-1955) estreou no rádio bandeirante em 1928, e em 1943 transferiu-se para o Rio de Janeiro, integrando o Quarteto Continental e o Sexteto Continental, grupos instrumentais dirigidos  pelo maestro Radamés Gnatalli. Sua composição mais famosa foi uma homenagem à capital paulista, feita em parceria com Chiquinho: São Paulo quatrocentão. A tradição se mantém com Américo Jacomino, o Canhoto; com Gorgulho que integrou o regional de Benedito Lacerda; com o solista Dilermando Reis, com Laurindo de Almeida, que foi chorão antes de ir para os Estados Unidos, e com Benedito César Ramos de Faria, o César da Época de Ouro, desde os tempos de Jacob, que o considerava um violão “pé-de-boi”. E ainda com a maior dupla de violonistas regionais da história da música popular brasileira , base do grupo do Pixinguinha e Benedito Lacerda e, depois, do conjunto de Canhoto: Orondino Silva (1918-  ) e Jaime Florence (1909-  ), ou melhor, Dino e Meira.  Dino, responsável pela manutenção do violão de sete cordas, ao contrário de Luperce Miranda, Jacob do Bandolim e Waldir Azevedo, nunca se incomodou com o fato de não executar um instrumento solista;  ele considerava seu violão mais adequado ao acompanhamento. Durante algum tempo, Dino fez segredo sobre a sétima corda de seu violão, afinada em dó, mas logo se descobriu que se tratava da quarta corda do violoncelo.


                                             DINO REIS COM O REGIONAL DE CANHOTO

- O falecido Tute foi o primeiro que eu vi tocar um violão de sete cordas – afirma ele. E eu me intrigava com aquilo, mas achava impossível vir a tocar um. Tute tocava com Pixinguinha na Rádio Mayrink Veiga e, com sua morte, resolvi  experimentar. Encomendei um violão idêntico ao seu e iniciei um auto-aprendizado. Levei uns três meses “apanhando” do instrumento até conseguir domá-lo.  A vontade de tocar  um sete-cordas nasceu da necessidade de florear o acompanhamento do choro com fraseados mais graves.  O sete-cordas é um instrumento nacional, assim como o cavaquinho de cinco cordas, que hoje já não se toca.
O violão-tenor uma relíquia do choro foi tocado quase exclusivamente por Claudionor Cruz (parceiro de Pedro Caetano em muitos clássicos).
Já, Canhoto da Paraíba (Francisco Soares de Araújo, nascido em Princesa Isabel a 19 de maio de 1928), preferiu fazer do violão um instrumento solista de choro. Em 1959, Canhoto esteve no Rio de Janeiro, em contato com os chorões locais, num sarau na casa de Jacob do Bandolim, em Jacarepaguá. Ali, encontrou-se com Pixinguinha, Radamés Gnatalli, Tia Amélia, Dilermando Reis, César Faria e outros. A aparição  de Canhoto fascinou um menino que principiava na música: Paulinho da Viola, que mais tarde lhe dedicou o choro Abraçando Chico Soares. Falando sobre o choro  Com mais de Mil, de Canhoto da Paraíba, o crítico Ruy Fabiano afirma que ele “apresenta uma sequência harmônica incomum no gênero, capaz de derrubar o mais experimentado acompanhador. Trata-se de uma cadência inusual  (lá, si bemol e dó maior), certamente extraída do som dos violeiros nordestinos, cuja aplicação ao choro revela-se um achado magnífico, de efeito raras vezes obtidos”.




                                                            PAULINHO DA VIOLA

Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira
Abril Cultural - 1978
Imagens: Google
Vídeos: Youtube

Nenhum comentário:

Postar um comentário