Dia 11 de Dezembro
de 1910- O chalé da Rua Teodoro da
Silva, 130, em Vila Isabel, bairro da classe-média do Rio de Janeiro, estava apinhado de gente:
ia nascer o primeiro filho do casal Manuel e Marta de Medeiros Rosa.
Lembrando-se de sua infância cheia de trabalhos e dificuldades, certamente
Manuel desejava para o filho uma vida sem preocupações. Dona Marta, entre as
aflições do parto, quem sabe não pensaria num filho doutor, como fora seu pai,
o médico e poeta Eduardo Correia de Azevedo? No entanto, se esses pensamentos
ocorreram, logo foram superados pela preocupação do momento: o parto
prolongava-se difícil, Dona Marta sofria
e os médicos José Rodrigues da Graça Melo e Heleno Brandão, amigos da
família, não tinham alternativa: se não forçassem o nascimento, mãe e filho
poderiam vir a morrer. E assim, nasceu Noel de Medeiros Rosa, marcado pelo
fórceps que lhe fraturou e afundou o maxilar inferior, provocando também
paralisia parcial no lado direito do rosto. Enfim, era até um defeito pequeno
para um parto tão difícil e talvez, com o tempo, ele se recuperasse
naturalmente. Mas importante era a boa saúde do menino, que aos dez meses
venceria um concurso de robustez promovido pela Nestle.
O pai de Noel, por
esse tempo, exercia a gerência de uma camisaria, com uma promessa: caso
evitasse a falência do negócio, ganharia sociedade na firma. A falência foi
evitada, mas a promessa não foi cumprida.
Desgostoso, Manuel uniu-se a um companheiro e fundou a sua própria loja de roupas para
homens. Veio a Primeira Guerra Mundial, o comércio ficou difícil e Rodrigues,
Medeiros & Cia. faliram. Endividado, Manuel de Medeiros Rosa partiu para o
interior de São Paulo: ia ganhar dinheiro como agrimensor nas fazendas de café
de Araçatuba. Na Rua Teodoro da Silva, Dona Marta fundou uma escolinha, o
Externato Santa Rita de Cássia, para sustentar os dois filhos ( a 29 de
dezembro de 1914 nasceu Hélio, o único irmão de Noel).
O defeito no rosto
acentuava-se à medida que o menino crescia. Aos seis anos, quando já aprendia
as primeiras letras com a mãe, foi operado, o mesmo acontecendo seis anos
depois. Mas a ortopedia da época não conseguiu nada. Noel estava marcado para
toda a vida. Foi no Colégio São Bento, onde se matriculou a 28 de dezembro de
1923, que Noel, um menino de 13 anos, ganhou o impiedoso apelido de “queixinho”. Ficava quieto, remoendo a
amargura que lhe causava o defeito. Mas já revelava a ambiguidade do Noel
adulto: em outros momentos falava pelos cotovelos, inventando brincadeiras e
contando piadas. No recreio, tocava no violão as músicas recém-aprendidas. Na
verdade, o primeiro instrumento que tocou foi o bandolim de Dona Marta, na
mesma época em que entrava para o São Bento. E, foi graças ao bandolim que
experimentou, pela primeira vez, a sensação de importância. Tocava, e logo se reuniam ao seu redor,
maravilhados com a sua habilidade, os guris da escola.
Do bandolim
ensinado pela mãe, Noel passou para o violão, instrumento que o pai tocava
quando vinha visitar a família. Amigos, vizinhos e parentes incentivaram o
adolescente, ensinando-lhe valsa e canções. Aos quinze anos já dominava o
instrumento, à sua maneira: solava a linha melódica sem introduzir acordes, tal
como aprendera no bandolim. Hélio, quatro anos mais moço, acompanhava Noel,
primeiro a cavaquinho, depois ao violão. Os irmãos Rosa ganhavam fama de
músicos em Vila Isabel.
Aos
poucos, o violão foi substituindo os livros. Noel estudava apenas o suficiente
para passar de ano e fazia suas primeiras aparições no Ponto de Cem Réis,
esquina da Rua Souza Franco com o Boulevard 28 de Setembro. Ali, distribuídos
pelos cafés-bilhares Rio Clube e Vila Isabel, faziam ponto os “rapazes
folgados” do bairro, conversando, bebendo e fazendo música. E Noel, um “menino
de família”, tomando as primeiras cervejas, fazendo as primeiras serenatas,
enfrentando as primeiras aventuras amorosas. Mas não deixava de enfrentar
também os exames escolares. Aos dezoito anos, terminado o ginásio no São Bento,
iniciou os preparatórios para a Faculdade de Medicina. Com dificuldade, Manuel,
agora trabalhando na Prefeitura do Rio de Janeiro, e Dona Marta conseguiam
manter o filho em casa para estudar. Reprovado em 1930, só no ano seguinte
ingressaria na faculdade, para alegria dos pais: Noel ia ser doutor!
NOEL, O BANDO DE TANGARÁS E A MODA SERTANEJA
Na época em que
Noel dava os primeiros passos na música, a moda nos clubes elegantes do Rio de
Janeiro eram os conjuntos sertanejos. Em Janeiro de 1927, chegaram do Recife os
Turunas da Mauriceia (Augusto Calheiros, João Miranda, Romualdo Miranda, João
Frazão e Manuel de Lima), fazendo sucesso com suas canções, toadas e sobretudo
emboladas. Na Vila, nem só Noel se
entusiasmou com os músicos nordestinos.
Um grupo de alunos do Colégio Batista, que se reunia no palacete de
Eduardo Dale, diretor da Casa Pratt, acompanhou a moda, fundando seu próprio
conjunto: Flor do Tempo. Os ensaios
eram na casa de Carlos Braga, filho do diretor da fábrica Confiança Industrial
instalada na Rua Souza Franco, perto da Teodoro da Silva.
Em 1929, os
rapazes da Flor do Tempo receberam convite para gravar. Selecionaram-se então
os elementos mais indicados para a tarefa: Carlos Braga, Henrique Brito, Álvaro
Miranda Ribeiro (Alvinho) e Henrique
Foréis Domingues, já nessa época conhecido como ALMIRANTE. Acharam, entretanto, que era pouca gente e resolveram
convidar o rapaz magrinho que estava sempre no Ponto de Cem Réis tocando seu
violão: NOEL ROSA. Foi Carlos Braga quem sugeriu o nome do novo grupo – BANDO DE TANGARÁS - ao mesmo tempo que
adotava o pseudônimo de JOÃO DE BARRO, pois
não ficaria bem para um filho de industrial andar às voltas com a música
popular. Isso era coisa de malandro do morro, pensavam as famílias da época.
Cantar em rádio ou gravar disco não era considerado atividade séria e
responsável, mas uma brincadeira excêntrica de quem desejava aparecer, fazer-se
notar. Os Tangarás, para se diferenciar da “gente de rádio”, apresentavam-se
de graça, não aceitando nem mesmo o reembolso do dinheiro gasto com a condução,
quando iam cantar em clubes distantes.
Em maio de 1929
Noel participava das primeiras gravações dos Tangarás: Galo Garnizé, embolada, e Anedotas,
cateretê, ambas de Almirante. E a 27 de
julho, na Noite Regional Brasileira, do Tijuca Tênis Clube, apresentava sua
primeira composição, a embolada MINHA VIOLA. Em seguida fez a toada FESTA NO
CÉU, sempre influenciado pela moda
sertaneja.
O
Bando dos Tangarás seria sucesso por muito tempo. Apresentando-se em cinemas,
rádios e teatros, contaria com a colaboração de outros artistas importantes:
Carolina Cardoso de Meneses, Luperce Miranda, Hélio Rosa, amadores, só
admitiram receber o dinheiro da venda de discos. E Noel estava sempre lá tocando
seu violão. Mas a partir de COM QUE ROUPA?
Ele não pertencia mais ao bando, pertencia ao samba.
FONTE: Nova
História da Música Popular Brasileira –
Abril Cultural – 1976
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