Em setembro, voltou para o Rio: saíra com 45 quilos , voltava com 57. Por que
não retomar a antiga vida? O médico advertiu: se não continuasse o tratamento,
teria apenas dois anos de vida. Para Noel era o suficiente; preferia dois anos
bem vividos, do que sobreviver sem cigarros, bebidas, mulheres e samba. Havia
também trabalho para fazer. Surgiram os primeiros filmes musicais brasileiros,
produzidos pelo americano W. Downey: “Alô,
Alô Brasil” e “Alô, Alô Carnaval”. Neste, lançado em fevereiro de 1936,
estavam incluídas duas músicas de Noel:
NÃO RESTA A MENOR DÚVIDA, com
Hervê Cordovil (você é uma pequena que não resta a menor dúvida?/Oh, dúvida./ E
eu por sua causa já não pago a minha dívida/ oh, dívida?) e PIERRÔ APAIXONADO,
com Heitor dos Prazeres. Deveria entrar também PALPITE INFELIZ, cantado por
Aracy de Almeida, mas numa época que os cenários eram todos “tropicais”, cheios
de palmeiras, bananas e abacaxis, Noel surpreendeu com suas imposições: queria
Aracy lavando roupa no tanque, tendo ao fundo um humilde quintal cheio de
roupas no varal. A cantora, embora muito amiga de Noel, não gostou da
ideia e Palpite infeliz foi excluído do
filme.
Para louvar o Rio,
Carmen Santos produziu e Humberto Mauro dirigiu, em1936, Cidade Mulher. Noel fez seis
músicas para o filme, inclusive a marcha CIDADE MULHER. Gozando a moda dos
paletós com enchimentos, escreveu com Vadico
TARZAN, O FILHO DE ALFAIATE:
Quem foi que disse que eu era forte?
Nunca
pratiquei esporte.
Nem conheço futebol.
O meu
parceiro
Sempre foi o travesseiro,
E eu
passo um ano inteiro;
Sem ver
um raio de sol.
A minha força bruta reside
Em um clássico cabide.
Já
cansado de sofrer.
Minha
armadura
É de casimira dura
Que me
dá musculatura
Mas que pesa e faz doer.”
Fez ainda MORENA
SEREIA e
NA BAHIA, ambas com José Maria de
Abreu. NUMA NOITE A BEIRA MAR e DAMA DO
CABARÉ, a música inspirada por Ceci.
O prazo de dois
anos do Dr. Graça Melo se escoava. Para
cúmulo, em novembro de 1936 surgiu-lhe um
doloroso abscesso na face esquerda, operado pelo vizinho, o dentista
Bruno de Morais. Precisava novamente de ares da serra, e precisava novamente da
ajuda dos amigos para poder viajar.
Em Janeiro de 1937
foi para Nova Friburgo, mas voltou vinte dias depois por causa do frio. Estava
fraco, sem ânimo para a boemia e ficou alheio mesmo ao carnaval.
Em abril, nova
viagem, para Barra do Piraí. Sofria sem queixas: “para que incomodar os
outros?” Melhor fazer um samba :”
quem é que já sofreu mais do que
eu? Quem é que já me viu chorar? Sofrer
foi um prazer que Deus me deu, eu sei sofrer sem reclamar. (...) Saber sofrer é
uma arte e pondo a modéstia à parte eu posso dizer que sei sofrer” ( EU SEI SOFRER).
EU SEI SOFRER - ARACY DE ALMEIDA
A 25 de abril
escreveu uma carta para a mãe, assinada apenas com seu perfil, que ele tanto
gostava de desenhar. No dia 29 compôs uma embolada: CHUVA DE VENTO , o mesmo ritmo de sua primeira
composição.
A 1º de maio,
visitando a represa do Ribeirão das Lajes, Noel sentiu violentos arrepios de
frio; sobreveio a febre e a hemoptise. Lindaura resolver voltar para o Rio. No
dia 4, na Rua Teodoro da Silva, enquanto na festinha do nº 385, casa de Vicente
Gagliano, tocavam animadamente De Babado,
no nº 392, Noel dizia para Helio, o irmão que velava à sua cabeceira: “ Estou
me sentindo mal; quero virar para o outro lado”. Ao virar, sua mão tamborilou
alguns momentos sobre a mesinha de cabeceira. Depois as batidas foram
esmorecendo, e seu coração parou.
ARACY DE ALMEIDA
Estava morto Noel
Rosa, o cantor da Vila. Pouco depois chegaram Aracy de Almeida e Benedito Lacerda
para anunciar a gravação de EU SEI SOFRER. Era a primeira gravação póstuma, de
uma série infindável. Músicas como FEITIÇO DA VILA e FEITIO DE ORAÇÃO, que venderam apenas duzentas e poucas cópias
enquanto Noel era vivo, se transformariam em clássicos da música popular.
Como ele disse em
QUEM DÁ MAIS, seu samba, “feito nas regras da arte”, “exprime dois terços”, não
do Rio de Janeiro, mas do Brasil inteiro.
BETH CARVALHO - ONDE ESTÁ A HONESTIDADE
FONTE: Nova
História da Música Popular Brasileira –
Abril Cultural – 1976
FOTOS: Google
VÍDEOS: Youtube
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