segunda-feira, 22 de maio de 2017

NOEL ROSA - MEDICINA OU SAMBA - II







Em 1931, Noel entrou para a faculdade de Medicina e alcançou sucesso na música. Mas seria impossível conciliar as duas atividades, como ele mesmo conta:
- entrei para a faculdade de medicina no firme propósito de ser médico. Mas não tardou que me convencesse de que a medicina era uma carreira absorvente. Estudos incessantes, profundos, que não poderiam ser jamais abandonados, que exigiam todas as atenções. Eu devia continuar com o samba, deixando a medicina? Ou devia renunciar ao samba? Era uma alternativa dramática (...). Colocado na contingência de optar, uma vez que as duas atividades não podiam ser conciliadas, escolhi o samba.
Em 1932 já não frequentava mais as aulas. Da medicina, a única coisa que aproveitou foi a inspiração para fazer um “SAMBA ANATÔMICO”, assim mesmo com gravíssimo erro de fisiologia:
“coração, grande órgão propulsor, transformador do sangue venoso em arterial”... Contrariando toda a tradição lírica, Noel afirmava “ sem nenhuma pretensão, que a paixão, faz dor no crânio, mas não ataca o coração”. Esse “Samba Anatômico”, um dos mais originais de Noel, contava, na segunda parte, a história do sujeito:  “com mania de grandeza” que “viajou a procurar de norte a sul alguém que conseguisse encher-lhe as veias com azul de metileno pra ficar com sangue azul”...

OS PRIMEIROS E BEM TRAÇADOS SAMBAS DO POETA DA VILA

Perdia-se um mau médico, ganhava-se um bom sambista. Mesmo em 1931 quando ainda frequentava a faculdade, Noel gravou mais de vinte músicas que já revelavam o excelente compositor e a insuperável inventividade de suas letras. Seus sambas trazem sempre alguma coisa surpreendente: em CORDIAIS SAUDAÇÕES é a letra toda, estrutura em forma de carta:
“Estimo que este mal traçado samba,
Em estilo rude, na intimidade,
Vá te encontrar gozando saúde,
Na mais perfeita felicidade(...)
Espero que notes bem:
Estou agora, sem um vintém.
Podendo, manda-me algum.
Rio, 7 de setembro de 31”.
Em MULATA FUZARQUEIRA, refere-se à própria palavra escrita: “Meu amô não tem R, mas é amô debaixo d’água”.
A propósito da hora de verão, fez os trocadilhos mais complicados em QUE HORAS SÃO?
“Minha mulher sempre quer me dar pancada,
Quando eu olho o mostrador
Do relógio da empregada.
E eu danado com intriga e com trancinha
Arranquei hoje o cabelo,
do relógio da vizinha”.
Trocadilho era o seu forte – em TIPO ZERO (1934) comete esta proeza:
“Você é um tipo, que não tem tipo,
Com todo tipo você se parece
E sendo um tipo que assimila tanto tipo,
Passou a ser um tipo que ninguém esquece (...)
Você ficou agora convencido
De que seu tipo já está batido
Pois o seu tipo é o tipo
do tipo esgotado”.




Em 1931 Noel gravou  GAGO APAIXONADO, onde repete cada sílaba das palavras, enquanto Luís Barbosa o acompanha, batendo com um lápis nos dentes. Foi essa música que aproximou Noel e Marília Batista, sua intérprete favorita. É Marília quem conta: “Meu pai me levou a uma festa no Grêmio Esportivo 11 de Junho, onde eu ia me apresentar na hora de arte cantando a canção de minha autoria Preta Velha. Levava comigo o violão que papai me dera, caríssimo instrumento vencedor de um concurso na Espanha. Quando terminou minha apresentação, descansei o violão sobre uma mesa. De repente, ele desapareceu. Aí me disseram que o instrumento estava com um rapaz que ia cantar naquele instante. Contendo a raiva, ouvi Lamartine Babo anunciar “ um rapaz gago, mas bom compositor”,  pedindo que a plateia não risse do coitado. Entrou Noel cantando:
“ Mu...mu...mulher em fim fi...fizeste um estrago,
eu de nervoso esto...tou fi...ficando gago”.”
A plateia louca para rir, continha-se a custo a fim de não magoar o rapaz...



E Noel divertia os frequentadores de clubes, os espectadores do cinema Eldorado e os ouvintes da nova maravilha do século XX: o rádio.
As primeiras emissoras de rádio do Brasil surgiram em setembro de 1923, Rádio Sociedade, e outubro de 1924, Radio Clube do Brasil. Sem publicidade, de baixa potencia, funcionando poucas horas por dia, sobreviviam com a abnegação dos dirigentes e a colaboração espontânea dos artistas. No início da década de 30 o panorama já era bem diferente: cinco emissoras (as pioneiras, mais a Mayrink Veiga, a Educadora e a Philips) transmitiam regularmente, mantidas por uma publicidade irregular e primária, chamada ainda de “reclame”. Faziam sucesso e Noel sabia disso:  o rádio começava a dominar. As meninas do bairro já não tinham como único e invariável assunto os galãs de cinema. Muitas já se esqueciam do Ramón Navarro, do John Gilbert e outros amantes da tela e falavam dos “ases” do rádio: - compenetrei-me de que era preciso entrar para o rádio. E não me foi difícil. Fiz minha estreia na Rádio Educadora, com o Bando de Tangarás... Era, enfim, um  “astro” do microfone. As mocinhas bonitas, e mesmo as feias, ouviam-me e, quando me encontravam, cravavam em mim um olho curioso.  Mais tarde estive na Mayrink, e por último, no Programa Casé, onde me demorei por um largo período.
O programa de Ademar Casé surgiu a 14 de fevereiro de 1932, na PRAX  Rádio Philips, e ficava no ar das 11 da manhã até meia-noite todas as terças, quintas e domingos. Numa pequena sala da Rua Sacadura Cabral comprimiam-se um piano, quatro ou cinco músicos, o locutor, o diretor, o técnico de som, e o contrarregra Noel Rosa, chamando cantores, anotando nomes de músicas e compositores, baixando e subindo o microfone e fazendo uma última correção nos versos que daí a pouco iriam para o ar...
Noel também cantava, apesar de sua voz fraca, num tempo em que reinavam os vozeirões de Francisco Alves e Vicente Celestino. Sua maneira de dizer músicas como Gago Apaixonado
agradou o público. Mas o grande sucesso eram os improvisos que fazia com a melodia  
DE BABADO, usando-a para desafios de que participavam Almirante, Patrício Teixeira, Marília Batista e João de Barro. E no meio do desafio ele improvisava jingles do patrocinador, o Dragão da Rua Larga: “você é mais conhecido, do que níquel de tostão, mas não pode ficar mais popular, do que o Dragão”...
Os artistas do Programa Casé ganhavam 25$000 por semana. Só trabalhavam com cachê tão baixo porque gostavam de se reunir na rádio.  Despreocupados, repetiam as músicas, sem renovar o repertório. Certa vez Casé deu ordem para que não houvesse repetição. Todos reclamaram, exceto Noel, que apoiou a ideia com veemência. Na semana seguinte, ele deu os títulos das músicas que cantaria e Casé ficou satisfeito ao ver que sua ordem fora acatada. O programa foi para o ar e as músicas que Noel cantou só tinham de novo os títulos. Eram as mesmas de sempre...
Em 1935, Noel passou a trabalhar na Rádio Clube do Brasil, fazendo o programa humorístico “Conversa de Esquina”, montado com piadas de revistas e almanaques. Mais original foi a paródia que fez do Barbeiro de Sevilha – “ O barbeiro de Niterói”, utilizando  músicas populares da época. O sucesso animou Noel a tal ponto que o incentivou a fazer outras revistas radiofônicas, sempre parodiando composições populares muito conhecidas e de grande sucesso, inclusive de sua autoria.  Em “LADRÃO DE GALINHA”, uma das “vitimas” era o samba “Foi Ela” de Ari Barroso: “ quem roubou o meu capão de estimação?  Foi ele... Quem abriu o portão para o ladrão? Foi ela... e ” PALPITE INFELIZ ,do próprio Noel: “ A Genoveva não sabe o que diz/, e nunca soube onde tem o nariz/. Salve as aves, os ovos, as ovas, e as cozinheiras bem novas/, às quais sempre quis um grande bem”.
Na mesma linha, Noel fez  “A NOIVA DO CONDUTOR”, desta vez com músicas originais  do maestro Arnold Glückmann, contando o acidentado e cômico namoro do condutor de bonde Joaquim com Helena, filha do Dr. Henrique. O Casé, a Conversa de esquina e as operetas foram os  programa fixos de Noel. Mas em todas as rádios, nos mais diferentes programas, o cantor da Vila se apresentou, ganhando pequenos cachês. Conhecido e admirado por todos que faziam música popular, era requisitado para parcerias e convidado para cantar  nos mais diversos conjuntos.




FELICIDADE

FONTE: Nova História da Música Popular Brasileira –
              Abril Cultural – 1976
FOTOS: Google
VÍDEOS: Youtube

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