Em 1931, Noel
entrou para a faculdade de Medicina e alcançou sucesso na música. Mas seria
impossível conciliar as duas atividades, como ele mesmo conta:
- entrei para a
faculdade de medicina no firme propósito de ser médico. Mas não tardou que me
convencesse de que a medicina era uma carreira absorvente. Estudos incessantes,
profundos, que não poderiam ser jamais abandonados, que exigiam todas as
atenções. Eu devia continuar com o samba, deixando a medicina? Ou devia
renunciar ao samba? Era uma alternativa dramática (...). Colocado na
contingência de optar, uma vez que as duas atividades não podiam ser
conciliadas, escolhi o samba.
Em 1932 já não
frequentava mais as aulas. Da medicina, a única coisa que aproveitou foi a
inspiração para fazer um “SAMBA ANATÔMICO”, assim mesmo com gravíssimo erro de
fisiologia:
“coração, grande
órgão propulsor, transformador do sangue venoso em arterial”... Contrariando
toda a tradição lírica, Noel afirmava “ sem nenhuma pretensão, que a paixão,
faz dor no crânio, mas não ataca o coração”. Esse “Samba Anatômico”, um dos
mais originais de Noel, contava, na segunda parte, a história do sujeito: “com mania de grandeza” que “viajou a procurar
de norte a sul alguém que conseguisse encher-lhe as veias com azul de metileno
pra ficar com sangue azul”...
OS PRIMEIROS E BEM TRAÇADOS
SAMBAS DO POETA DA VILA
Perdia-se
um mau médico, ganhava-se um bom sambista. Mesmo em 1931 quando ainda
frequentava a faculdade, Noel gravou mais de vinte músicas que já revelavam o
excelente compositor e a insuperável inventividade de suas letras. Seus sambas
trazem sempre alguma coisa surpreendente: em CORDIAIS SAUDAÇÕES é a letra toda,
estrutura em forma de carta:
“Estimo
que este mal traçado samba,
Em
estilo rude, na intimidade,
Vá te
encontrar gozando saúde,
Na mais
perfeita felicidade(...)
Espero
que notes bem:
Estou
agora, sem um vintém.
Podendo,
manda-me algum.
Rio, 7 de setembro de 31”.
Em
MULATA FUZARQUEIRA, refere-se à própria palavra escrita: “Meu amô não tem R,
mas é amô debaixo d’água”.
A
propósito da hora de verão, fez os trocadilhos mais complicados em QUE HORAS
SÃO?
“Minha
mulher sempre quer me dar pancada,
Quando
eu olho o mostrador
Do
relógio da empregada.
E eu
danado com intriga e com trancinha
Arranquei
hoje o cabelo,
do relógio da vizinha”.
Trocadilho
era o seu forte – em TIPO ZERO (1934) comete esta proeza:
“Você é
um tipo, que não tem tipo,
Com todo
tipo você se parece
E sendo
um tipo que assimila tanto tipo,
Passou a
ser um tipo que ninguém esquece (...)
Você
ficou agora convencido
De que
seu tipo já está batido
Pois o
seu tipo é o tipo
do tipo esgotado”.
Em
1931 Noel gravou GAGO APAIXONADO, onde
repete cada sílaba das palavras, enquanto Luís Barbosa o acompanha, batendo com
um lápis nos dentes. Foi essa música que aproximou Noel e Marília Batista, sua
intérprete favorita. É Marília quem conta: “Meu pai me levou a uma festa no
Grêmio Esportivo 11 de Junho, onde eu ia me apresentar na hora de arte cantando
a canção de minha autoria Preta Velha. Levava
comigo o violão que papai me dera, caríssimo instrumento vencedor de um
concurso na Espanha. Quando terminou minha apresentação, descansei o violão
sobre uma mesa. De repente, ele desapareceu. Aí me disseram que o instrumento
estava com um rapaz que ia cantar naquele instante. Contendo a raiva, ouvi
Lamartine Babo anunciar “ um rapaz gago, mas bom compositor”, pedindo que a plateia não risse do coitado.
Entrou Noel cantando:
“
Mu...mu...mulher em fim fi...fizeste um estrago,
eu de nervoso esto...tou
fi...ficando gago”.”
A plateia louca
para rir, continha-se a custo a fim de não magoar o rapaz...
E Noel divertia os
frequentadores de clubes, os espectadores do cinema Eldorado e os ouvintes da
nova maravilha do século XX: o rádio.
As primeiras
emissoras de rádio do Brasil surgiram em setembro de 1923, Rádio Sociedade, e
outubro de 1924, Radio Clube do Brasil. Sem publicidade, de baixa potencia,
funcionando poucas horas por dia, sobreviviam com a abnegação dos dirigentes e
a colaboração espontânea dos artistas. No início da década de 30 o panorama já
era bem diferente: cinco emissoras (as pioneiras, mais a Mayrink Veiga, a
Educadora e a Philips) transmitiam regularmente, mantidas por uma publicidade
irregular e primária, chamada ainda de “reclame”. Faziam sucesso e Noel sabia
disso: o rádio começava a dominar. As
meninas do bairro já não tinham como único e invariável assunto os galãs de
cinema. Muitas já se esqueciam do Ramón Navarro, do John Gilbert e outros
amantes da tela e falavam dos “ases” do rádio: - compenetrei-me de que era
preciso entrar para o rádio. E não me foi difícil. Fiz minha estreia na Rádio
Educadora, com o Bando de Tangarás... Era, enfim, um “astro” do microfone. As mocinhas bonitas, e
mesmo as feias, ouviam-me e, quando me encontravam, cravavam em mim um olho
curioso. Mais tarde estive na Mayrink, e
por último, no Programa Casé, onde me demorei por um largo período.
O programa de
Ademar Casé surgiu a 14 de fevereiro de 1932, na PRAX Rádio Philips, e ficava no ar das 11 da manhã
até meia-noite todas as terças, quintas e domingos. Numa pequena sala da Rua
Sacadura Cabral comprimiam-se um piano, quatro ou cinco músicos, o locutor, o
diretor, o técnico de som, e o contrarregra Noel Rosa, chamando cantores,
anotando nomes de músicas e compositores, baixando e subindo o microfone e
fazendo uma última correção nos versos que daí a pouco iriam para o ar...
Noel também cantava,
apesar de sua voz fraca, num tempo em que reinavam os vozeirões de Francisco
Alves e Vicente Celestino. Sua maneira de dizer músicas como Gago Apaixonado
agradou o público.
Mas o grande sucesso eram os improvisos que fazia com a melodia
DE BABADO, usando-a
para desafios de que participavam Almirante, Patrício Teixeira, Marília Batista
e João de Barro. E no meio do desafio ele improvisava jingles do patrocinador,
o Dragão da Rua Larga: “você é mais conhecido, do que níquel de tostão, mas não
pode ficar mais popular, do que o Dragão”...
Os artistas do
Programa Casé ganhavam 25$000 por semana. Só trabalhavam com cachê tão baixo
porque gostavam de se reunir na rádio.
Despreocupados, repetiam as músicas, sem renovar o repertório. Certa vez
Casé deu ordem para que não houvesse repetição. Todos reclamaram, exceto Noel,
que apoiou a ideia com veemência. Na semana seguinte, ele deu os títulos das
músicas que cantaria e Casé ficou satisfeito ao ver que sua ordem fora acatada.
O programa foi para o ar e as músicas que Noel cantou só tinham de novo os
títulos. Eram as mesmas de sempre...
Em 1935, Noel
passou a trabalhar na Rádio Clube do Brasil, fazendo o programa humorístico “Conversa de Esquina”, montado com piadas
de revistas e almanaques. Mais original foi a paródia que fez do Barbeiro de
Sevilha – “ O barbeiro de Niterói”,
utilizando músicas populares da época. O
sucesso animou Noel a tal ponto que o incentivou a fazer outras revistas
radiofônicas, sempre parodiando composições populares muito conhecidas e de grande
sucesso, inclusive de sua autoria. Em “LADRÃO DE GALINHA”, uma das “vitimas” era o samba “Foi Ela” de Ari Barroso: “ quem roubou o meu capão de
estimação? Foi ele... Quem abriu o
portão para o ladrão? Foi ela... e ” PALPITE INFELIZ ,do próprio Noel: “ A
Genoveva não sabe o que diz/, e nunca soube onde tem o nariz/. Salve as aves,
os ovos, as ovas, e as cozinheiras bem novas/, às quais sempre quis um grande
bem”.
Na mesma linha,
Noel fez “A NOIVA DO CONDUTOR”, desta vez
com músicas originais do maestro Arnold
Glückmann, contando o acidentado e cômico namoro do condutor de bonde Joaquim
com Helena, filha do Dr. Henrique. O Casé, a Conversa de esquina e as operetas
foram os programa fixos de Noel. Mas em
todas as rádios, nos mais diferentes programas, o cantor da Vila se apresentou,
ganhando pequenos cachês. Conhecido e admirado por todos que faziam música
popular, era requisitado para parcerias e convidado para cantar nos mais diversos conjuntos.
FELICIDADE
FONTE: Nova
História da Música Popular Brasileira –
Abril Cultural – 1976
FOTOS: Google
VÍDEOS: Youtube
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