FEITIO DE ORAÇÃO
Mas o grande
parceiro de Noel foi Osvaldo Gogliano, o Vadico. Conheceram-se em 1932 no
estúdio da Odeon apresentados por
Eduardo Souto. E logo frutificou o
encontro do Poeta da Vila com o compositor paulista. Vadico tocou uma melodia
que compusera e Noel escreveu FEITIO DE
ORAÇÃO:
Quem
acha vive se perdendo
Por isso
agora vou me defendendo
Da dor
tão cruel desta saudade
Que por
infelicidade
O meu
pobre peito invade.
Batuque
é um privilégio
Ninguém
aprende samba no colégio
Sambar é
chorar de alegria
E sorrir
de nostalgia
Dentro
da melodia.
Por isso
agora lá na Penha eu vou mandar
Minha
morena pra cantar com satisfação
E com
harmonia essa triste melodia
Que é
meu samba em feitio de oração.
O samba,
na realidade,
Não vem
do morro
Nem lá
da cidade
E quem
suportar uma paixão
Sentirá
que o sambo então,
Nasce do
coração.
A segunda música de Vadico e Noel
foi uma segunda obra-prima:
“Quem
nasce lá na Vila,
Nem
sequer vacila
Ao
Abraçar o samba,
Que faz
dançar os galhos do arvoredo
E faz a
lua nascer mais cedo”
Esse FEITIÇO DA
VILA, verdadeiro hino de Vila Isabel,
acabou inserido no que se chamou
“polêmica Noel x Wilson Batista”.
Tudo começou quando Noel ouviu o samba Lenço no Pescoço: “meu chapéu de lado,/ tamanco arrastando,/ lenço no
pescoço,/ navalha no bolso,/ eu passo gingando./ Provoco desafio,/ eu tenho orgulho de ser
vadio.” Noel não gostou da exaltação da
malandragem e, sem conhecer Batista, compôs
RAPAZ FOLGADO:
“Deixa
de arrastar o teu tamanco,
Pois
tamanco nunca foi sandália.
Tira do
pescoço o lenço branco.
Compra
sapato e gravata,
Joga
fora essa navalha
Que te
atrapalha.
Com
chapéu de lado desta rata,
Da
polícia quero que te escapes
Fazendo
um samba-canção
Já te
dei papel e lápis;
Arranja
um amor e um violão”.
Tempos depois
quando Noel e Vadico lançara m FEITIÇO
DA VILA, Batista voltou à carga com Conversa
Fiada: “ é conversa fiada/ dizerem que os sambas/ na Vila têm feitiço:/eu
fui ver pra crer/ e não vi nada disso”.
A reposta de Noel foi o famoso PALPITE INFELIZ:
“ Quem é
você que não sabe o que diz?
“Meu
Deus do Céu que palpite infeliz”.
Wilson Batista ainda
fez Frankstein da Vila e Terra de cego, atacando Noel
pessoalmente. Mas tudo não passou de brincadeira de sambistas e os dois
“adversários” tornaram-se grandes amigos.
A parceria com
Vadico ainda produziu oito sambas, entre os melhores de Noel:
MAIS UM SAMBA
POPULAR - PRA QUE MENTIR - CONVERSA DE BOTEQUIM – SÓ PODE SER VOCÊ – TARZAN, O
FILHO DO ALFAITATE – CEM MIL RÉIS – PROVEI – QUANTOS BEIJOS, todos demonstrando perfeito entrosamento entre
letra e música.
O fato de, em
geral, ser impossível distinguir os sambas de parceria dos sambas unicamente de
Noel, mostra que o autor da letra influenciava o parceiro músico, Noel não era
apenas um excelente letrista: era um
compositor popular completo. Com música
e poesia ele se despede da amada:
“Até
amanhã, se Deus quiser
Se não
chover eu volto pra te ver, ó mulher
De ti
gosto mais que outra qualquer.
Não por
gosto, o destino é que quer”
Samba que deu forma definitiva à
despedida. Em versos simples e perfeitos, que definem sua maneira romântica de
encarar a vida e a morte ele falou da
despedida definitiva:
FITA
AMARELA
Quando eu morrer, não quero choro nem vela
Quero
uma fita amarela, gravada com o nome dela.
Se
existe alma, se há outra encarnação,
Eu queria
que a mulata sapateasse no meu caixão
Não
quero flores, nem coroas com espinho
Só quero
choro de flauta, violão e cavaquinho.”
Meus inimigos
Que hoje falam mal de mim
vão dizer que nunca viram
uma pessoa tão boa assim.
Que hoje falam mal de mim
vão dizer que nunca viram
uma pessoa tão boa assim.
NOEL ROSA -FRANCISCO ALVES - MARIO REIS -
Observando a alta
sociedade: “que promove festivais de
caridade em nome de qualquer defunto ausente”, Noel pergunta: ONDE ESTÁ A
HONESTIDADE? Parece que não a encontrou,
pois ao relacionar as coisas típicas do país ela não foi incluída:
“ baleiro, jornaleiro, motorneiro, condutor e
passageiro, prestamista e vigarista.../ E o bonde que parece uma carroça... /coisa
nossa.../ Muito nossa/ O samba, a
prontidão e outras bossas são nossas coisas,.../ são coisas nossas!”.
A relação inclui
ainda a “ menina que namora na esquina e no portão”, o “rapaz casado com dez
filhos, sem tostão”, esquecendo de mencionar quase que somente o futebol...
Coisa nossa é
ainda JOÃO NINGUÉM, “que não é velho, nem moço./Come bastante no almoço/ para
esquecer do jantar” e “ não trabalha um só minuto/, mas joga sem ter vintém e
vive a fumar charuto”. Noel Rosa
retratou esse tipo humano que “nunca se expôs ao perigo, nunca teve um inimigo,
nunca teve opinião”.
A música de Noel
adequava-se perfeitamente ao espírito das letras:
Ela é brejeira em
COM QUE ROUPA? MULHER INDIGESTA. VOCÊ VAI SE QUISER. MULATO BAMBA, versos que
fazem a caricatura de tipos ou situações. Ela é lenta e melancólica em ÚLTIMO
DESEJO e SILÊNCIO DE UM MINUTO. EU SEI SOFRER, letras tristes e sentimentais,
que são a característica principal de suas últimas composições.
Fazendo
caricaturas, exaltando seu bairro, criticando a sociedade, descrevendo tipos e
situações urbanas, falando de seus encontros e desencontros amorosos, Noel é
sempre o mesmo poeta inovador. Rompe as convenções poéticas, renova o
vocabulário, encontra rimas surpreendentes, traz novos temas, permanecendo como
um dos maiores letristas na história da nossa música popular.
FONTE: Nova
História da Música Popular Brasileira –
Abril Cultural – 1976
FOTOS: Google
VÍDEOS: Youtube
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