segunda-feira, 22 de maio de 2017

NOEL ROSA - SEUS AMORES RETRATADOS EM SAMBA -V






Noel era feio, baixo e magro, mas sua inteligência e seus sambas cativavam as mulheres. Primeiro foram as meninas “sérias” dos bairros: Clara, que não durou muito, pois descobriu que Noel sai de sua casa na Rua Barão de Bom Retiro, para a de Fina (Josefina), na Rua Moju.  Inspirado em Fina, Noel fez dois sambas SEU RISO DE CRIANÇA:  “ seu riso de criança/ que me enganou/ está num retratinho/ que eu guardo e não dou”; e TRÊS APITOS , quando  ela se tornou operária  da fábrica de botões Hachiya. Como Fina escondesse sua profissão, Noel mal informado, achou que ela trabalhava numa fábrica de tecidos.



                                          A MUSA INSPIRADORA DE "TRÊS APITOS"


Em 1932, a vida de Noel já estava mais ligada aos cabarés da Lapa do que às casas simples de Vila Isabel. Lá conheceu Julinha Bernardes, mulher mais velha, mais alta, elegante, cabelo oxigenado e rosto doce, que morava na Penha. Mais tarde Noel confessaria: “ faz hoje quase um ano que eu não vou visitar meu barracão lá da Penha, que me faz sofrer e até mesmo chorar por lembrar a alegria com que eu sentia o forte laço de amor que nos prendia” (MEU BARRACÃO).  O laço era frágil: Julinha era possessiva e maternal com Noel , mas bebia muito fazendo escândalos, tentando suicídio e ligando-se indiscriminadamente a outros homens.  E Noel, sempre atento ao que pudesse dar samba, ordenava VAI PRA CASA DEPRESSA:  “Se a mulher desequilibra/ dois malandros que têm fibra/, só há uma solução:/ para que brigar à toa?/ Vou tirar cara ou coroa/ com um níquel de tostão”. Diante da tentativa de suicídio, embora não fosse culpado, fez outro samba COR DE CINZA: “A poeira cinzenta da dúvida me atormenta, nem sei se ela morreu”.

                                                   
                                                                          NOEL E CECI

Uma festa no Cabaré Apolo, da Lapa, véspera de São João, 1934,  o principal convidado: Noel Rosa.  Juraci Correia de Morais, moça de dezesseis anos, modelo da Escola de Belas-Artes, ficou muito lisonjeada quando o famoso cantor veio tirá-la para dançar. Noel também gostou da menina e gravou todos os acontecimentos daquele dia: o samba que dançaram, o tango interrompido para conversar, o champanha derramado no vestido. Ceci recusando o carro e indo a pé para casa. Um novo samba estava nascendo, feito com descrição quase jornalística do encontro com a DAMA DO CABARÉ. Marcaram encontro, Ceci não apareceu. Mandou uma carta dizendo que não queria compromisso. O samba estava pronto: “você nela me dizia que quem é da boemia usa e abusa da diplomacia, mas não gosta de ninguém”. Noel transformava sua vida em música.
Ceci passou a trabalhar como dançarina nos cabarés da Lapa e Noel sentiu ciúme: “pra que mentir, se tu ainda não tens esse dom de saber iludir?”  Discutiam, brigavam, coisa que evidentemente desagradava sobremaneira a Noel, pois “o maior castigo que eu te dou, é não te bater, pois sei que gostas de apanhar/ Não há ninguém mais calmo do que eu sou, nem há maior prazer do que te ver me provocar”.  Mas Ceci tentava fugir da ligação com Noel, afinal, ele era um homem...como se diz?... casado!
A 1º de dezembro de 1934, seis meses depois de conhecer Ceci, Noel casou-se com Lindaura Pereira da Mota. Enlace precipitado que provocou apenas uma mudança na vida de Noel: de seu quarto saiu uma cama de solteiro e entrou outra de casal, e          quem fez a troca foi Dona Marta, a mãe de Noel, pois ele não se lembrara disso...

                                                              NOEL E  LINDAURA


Lindaura suportou estoicamente a vida do marido, embora de vez em quando tentasse reivindicar seus privilégios de esposa. Mas Noel não tinha cura: várias vezes saia com ela, mas a deixava  no meio do caminho, desaparecendo  com amigos ou amigas.  O pouco dinheiro que ganhava não chegava às mãos de Lindaura. Em vez de viver sustentada pela mãe de Noel, ela resolveu trabalhar.  O sambista não perdeu a oportunidade: “você vai se quiser, pois a mulher não se deve obrigar a trabalhar. Mas não vá dizer depois que você não tem vestido, que o jantar não dá prá dois”.
Um morador da Rua Teodoro da Silva encontrou no lugar das garrafas de leite, outra de cerveja. Um bilhete explicava: “Meu vizinho, envenene-se com a minha bebida enquanto vou me envenenando com seu leite. Noel Rosa”. Outro vizinho que não gostava de serenatas, acordou um dia com a casa explodindo:  da esquina, João de  Barro, Henrique Brito e outros apreciavam os foguetes de São João no porão do rabugento. Ideia de Noel.
Entrevista a “O Cruzeiro”, em 1932:  - Que relação julga que existe entre o amor e a música?
- Romeu e Julieta morreram ignorando-a; acho, porém que a relação seja a mesma que existe entre a casca de banana e o escorregão.
São incontáveis as histórias de Noel, todas revelando seu humor, sua mania de implicar com os outros e colocá-los no ridículo. Também não se preocupava com  aparências; andava sempre mal vestido, com roupas amarrotadas e sapatos sujos. Um dia, entretanto, arrumou-se melhor para tirar fotografia.  O fotógrafo ponderou que ficaria bem um lenço escuro no bolsinho do paletó. Noel, tranquilo tirou a meia preta que vestia e colocou no bolso. Mas o detalhe não apareceu: Noel fez pose acendendo o cigarro  e o braço escondeu a meia-lenço.
Noel era um despreocupado com as coisas formais. Seu dia começava à tarde, quando acordava e ficava compondo. Mostrava para a mãe a música recém-feita e saía. O rumo podia ser o Café Nice, na Avenida Rio Branco, esquina da Bethencourt Silva. Era o ponto obrigatório dos artistas de rádio que se espalhavam pelas mesas de vime da calçada, ou de mármore, no setor reservado para cafezinhos e médias Lá dentro ainda havia mesas forradas e cadeiras estofadas para chá e bebidas caras. A turma do rádio  ficava mesmo na calçada, em pequenos grupos, comentando as novidades, fazendo um verdadeiro  mercado da música popular. Depois Noel ia para o rádio cantar sua última composição. Na Educadora conheceu Aracy de Almeida, que estreava cantando uma música do repertório de Carmen Miranda, e diz ela:  –  Noel me cumprimentou dizendo ter gostado muito da minha maneira de cantar e me convidou para sair. E lá fui eu com ele e os malandros seus conhecidos, para a Taberna da Glória, onde bebemos até às quatro da manhã. Naquele dia, quando cheguei em casa estava realmente bêbada e levei uma tremenda bronca.
Noel gostou mesmo da maneira de cantar de Aracy, pois das músicas de Carmen Miranda costumava dizer : - Isso é samba ou aquilo que a Carmen Miranda canta? ... E andar com Noel só podia dar em bebedeira. Fumando Odalisca e bebendo cerveja  Cascatinha, ou uma preta, em garrafa bojuda,  que Noel chamava de “barriguda”, ele passava a noite nas leiterias da Lapa, atrás da Central do Brasil, em companhia dos “Pintas-Bravas” Zé Pretinho, Zeca Meia-Noite, Saturnino, Brancura e outros.
- A barra era pesada – lembra Aracy de Almeida, mas Noel  nunca se meteu em brigas ou confusões. – Primeiro porque era um tímido e depois porque seu físico franzino não lhe permitia. De fato, pelo menos enquanto sóbrio,  Noel era acanhado. Levava  uma tarde inteira para pedir algum dinheiro a Vicente Mangione, o editor  de suas músicas e enrubescia quando alguém elogiava suas composições.  Evitava comer perto dos outros, pois mastigava com dificuldade. Por isso mesmo, alimentava-se apenas de caldos, ovos e comidas leves. Passando a noite em claro, comendo pouco e bebendo muito, não é de admirar que já em 1934 apresentava manchas ameaçadoras nos dois pulmões. Noel precisava mudar de vida se quisesse sobreviver.
O Dr. Graça Melo, o mesmo que assistiu a seu nascimento, aconselhou uma temporada no clima seco de Belo Horizonte. Foi com uma contribuição de amigos que Noel e Lindaura puderam viajar no início de 1935.
O tratamento não deu samba, mas motivou uma brincadeira. Escreveu para o médico dando notícias de suas condições:  -  já apresento melhoras: pois levanto muito cedo... deitar às 9 horas, para mim é brinquedo. A injeção me tortura e muito medo me mete, mas... minha temperatura não passa de 37. Nessas balanças mineiras de variados estilos trepei de várias maneiras e...pesei 50 quilos. Deu resultado comum meu exame de urina. Meu sangue...91% de hemoglobina. Que meu amigo Edgar arranque deste papel o abraço que vai mandar o seu amigo, Noel -.
As notícias eram boas, mas passageiras. Belo Horizonte também tinha emissoras de rádio, cafés, botequins, cervejas, gente querendo ouvir Noel cantar...





FONTE: Nova História da Música Popular Brasileira –
              Abril Cultural – 1976
FOTOS: Google
VÍDEOS: Youtube


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