Noel era feio,
baixo e magro, mas sua inteligência e seus sambas cativavam as mulheres.
Primeiro foram as meninas “sérias” dos bairros: Clara, que não durou muito,
pois descobriu que Noel sai de sua casa na Rua Barão de Bom Retiro, para a de Fina
(Josefina), na Rua Moju. Inspirado em
Fina, Noel fez dois sambas SEU RISO DE CRIANÇA:
“ seu riso de criança/ que me enganou/ está num retratinho/ que eu
guardo e não dou”; e TRÊS APITOS , quando
ela se tornou operária da fábrica
de botões Hachiya. Como Fina escondesse sua profissão, Noel mal informado,
achou que ela trabalhava numa fábrica de tecidos.
A MUSA INSPIRADORA DE "TRÊS APITOS"
Em 1932, a vida de
Noel já estava mais ligada aos cabarés da Lapa do que às casas simples de Vila
Isabel. Lá conheceu Julinha Bernardes, mulher mais velha, mais alta, elegante,
cabelo oxigenado e rosto doce, que morava na Penha. Mais tarde Noel
confessaria: “ faz hoje quase um ano que eu não vou visitar meu barracão lá da
Penha, que me faz sofrer e até mesmo chorar por lembrar a alegria com que eu
sentia o forte laço de amor que nos prendia” (MEU BARRACÃO). O laço era frágil: Julinha era possessiva e
maternal com Noel , mas bebia muito fazendo escândalos, tentando suicídio e
ligando-se indiscriminadamente a outros homens.
E Noel, sempre atento ao que pudesse dar samba, ordenava VAI PRA CASA
DEPRESSA: “Se a mulher desequilibra/
dois malandros que têm fibra/, só há uma solução:/ para que brigar à toa?/ Vou
tirar cara ou coroa/ com um níquel de tostão”. Diante da tentativa de suicídio,
embora não fosse culpado, fez outro samba COR DE CINZA: “A poeira cinzenta da
dúvida me atormenta, nem sei se ela morreu”.
NOEL E CECI
Uma festa no
Cabaré Apolo, da Lapa, véspera de São João, 1934, o principal convidado: Noel Rosa. Juraci Correia de Morais, moça de dezesseis
anos, modelo da Escola de Belas-Artes, ficou muito lisonjeada quando o famoso
cantor veio tirá-la para dançar. Noel também gostou da menina e gravou todos os
acontecimentos daquele dia: o samba que dançaram, o tango interrompido para
conversar, o champanha derramado no vestido. Ceci recusando o carro e indo a pé
para casa. Um novo samba estava nascendo, feito com descrição quase
jornalística do encontro com a DAMA DO CABARÉ. Marcaram encontro, Ceci não
apareceu. Mandou uma carta dizendo que não queria compromisso. O samba estava
pronto: “você nela me dizia que quem é da boemia usa e abusa da diplomacia, mas
não gosta de ninguém”. Noel transformava sua vida em música.
Ceci passou a
trabalhar como dançarina nos cabarés da Lapa e Noel sentiu ciúme: “pra que
mentir, se tu ainda não tens esse dom de saber iludir?” Discutiam, brigavam, coisa que evidentemente
desagradava sobremaneira a Noel, pois “o maior castigo que eu te dou, é não te
bater, pois sei que gostas de apanhar/ Não há ninguém mais calmo do que eu sou,
nem há maior prazer do que te ver me provocar”.
Mas Ceci tentava fugir da ligação com Noel, afinal, ele era um
homem...como se diz?... casado!
A 1º de dezembro
de 1934, seis meses depois de conhecer Ceci, Noel casou-se com Lindaura Pereira
da Mota. Enlace precipitado que provocou apenas uma mudança na vida de Noel: de
seu quarto saiu uma cama de solteiro e entrou outra de casal, e quem fez a troca foi Dona Marta, a mãe
de Noel, pois ele não se lembrara disso...
NOEL E LINDAURA
Lindaura suportou
estoicamente a vida do marido, embora de vez em quando tentasse reivindicar
seus privilégios de esposa. Mas Noel não tinha cura: várias vezes saia com ela,
mas a deixava no meio do caminho,
desaparecendo com amigos ou amigas. O pouco dinheiro que ganhava não chegava às
mãos de Lindaura. Em vez de viver sustentada pela mãe de Noel, ela resolveu
trabalhar. O sambista não perdeu a
oportunidade: “você vai se quiser, pois a mulher não se deve obrigar a
trabalhar. Mas não vá dizer depois que você não tem vestido, que o jantar não
dá prá dois”.
Um morador da Rua
Teodoro da Silva encontrou no lugar das garrafas de leite, outra de cerveja. Um
bilhete explicava: “Meu vizinho, envenene-se com a minha bebida enquanto vou me
envenenando com seu leite. Noel Rosa”. Outro vizinho que não gostava de
serenatas, acordou um dia com a casa explodindo: da esquina, João de Barro, Henrique Brito e outros apreciavam os
foguetes de São João no porão do rabugento. Ideia de Noel.
Entrevista a “O
Cruzeiro”, em 1932: - Que relação julga
que existe entre o amor e a música?
- Romeu e Julieta
morreram ignorando-a; acho, porém que a relação seja a mesma que existe entre a
casca de banana e o escorregão.
São incontáveis as
histórias de Noel, todas revelando seu humor, sua mania de implicar com os
outros e colocá-los no ridículo. Também não se preocupava com aparências; andava sempre mal vestido, com
roupas amarrotadas e sapatos sujos. Um dia, entretanto, arrumou-se melhor para
tirar fotografia. O fotógrafo ponderou
que ficaria bem um lenço escuro no bolsinho do paletó. Noel, tranquilo tirou a
meia preta que vestia e colocou no bolso. Mas o detalhe não apareceu: Noel fez
pose acendendo o cigarro e o braço
escondeu a meia-lenço.
Noel era um
despreocupado com as coisas formais. Seu dia começava à tarde, quando acordava
e ficava compondo. Mostrava para a mãe a música recém-feita e saía. O rumo
podia ser o Café Nice, na Avenida Rio Branco, esquina da Bethencourt Silva. Era
o ponto obrigatório dos artistas de rádio que se espalhavam pelas mesas de vime
da calçada, ou de mármore, no setor reservado para cafezinhos e médias Lá
dentro ainda havia mesas forradas e cadeiras estofadas para chá e bebidas
caras. A turma do rádio ficava mesmo na
calçada, em pequenos grupos, comentando as novidades, fazendo um
verdadeiro mercado da música popular.
Depois Noel ia para o rádio cantar sua última composição. Na Educadora conheceu
Aracy de Almeida, que estreava cantando uma música do repertório de Carmen
Miranda, e diz ela: – Noel me cumprimentou dizendo ter gostado muito
da minha maneira de cantar e me convidou para sair. E lá fui eu com ele e os
malandros seus conhecidos, para a Taberna da Glória, onde bebemos até às quatro
da manhã. Naquele dia, quando cheguei em casa estava realmente bêbada e levei
uma tremenda bronca.
Noel gostou mesmo
da maneira de cantar de Aracy, pois das músicas de Carmen Miranda costumava
dizer : - Isso é samba ou aquilo que a Carmen Miranda canta? ... E andar com
Noel só podia dar em bebedeira. Fumando Odalisca e bebendo cerveja Cascatinha, ou uma preta, em garrafa
bojuda, que Noel chamava de “barriguda”,
ele passava a noite nas leiterias da Lapa, atrás da Central do Brasil, em
companhia dos “Pintas-Bravas” Zé Pretinho, Zeca Meia-Noite, Saturnino, Brancura
e outros.
- A barra era pesada
– lembra Aracy de Almeida, mas Noel
nunca se meteu em brigas ou confusões. – Primeiro porque era um tímido e
depois porque seu físico franzino não lhe permitia. De fato, pelo menos
enquanto sóbrio, Noel era acanhado.
Levava uma tarde inteira para pedir
algum dinheiro a Vicente Mangione, o editor
de suas músicas e enrubescia quando alguém elogiava suas
composições. Evitava comer perto dos
outros, pois mastigava com dificuldade. Por isso mesmo, alimentava-se apenas de
caldos, ovos e comidas leves. Passando a noite em claro, comendo pouco e
bebendo muito, não é de admirar que já em 1934 apresentava manchas ameaçadoras
nos dois pulmões. Noel precisava mudar de vida se quisesse sobreviver.
O Dr. Graça Melo,
o mesmo que assistiu a seu nascimento, aconselhou uma temporada no clima seco
de Belo Horizonte. Foi com uma contribuição de amigos que Noel e Lindaura
puderam viajar no início de 1935.
O tratamento não
deu samba, mas motivou uma brincadeira. Escreveu para o médico dando notícias
de suas condições: - já apresento melhoras: pois levanto muito
cedo... deitar às 9 horas, para mim é brinquedo. A injeção me tortura e muito
medo me mete, mas... minha temperatura não passa de 37. Nessas balanças
mineiras de variados estilos trepei de várias maneiras e...pesei 50 quilos. Deu
resultado comum meu exame de urina. Meu sangue...91% de hemoglobina. Que meu
amigo Edgar arranque deste papel o abraço que vai mandar o seu amigo, Noel -.
As notícias eram
boas, mas passageiras. Belo Horizonte também tinha emissoras de rádio, cafés,
botequins, cervejas, gente querendo ouvir Noel cantar...
FONTE: Nova
História da Música Popular Brasileira –
Abril Cultural – 1976
FOTOS: Google
VÍDEOS: Youtube
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