segunda-feira, 22 de maio de 2017

TRIBUTO A NOEL ROSA - O POETA DA VILA - I




Dia 11 de Dezembro de 1910-  O chalé da Rua Teodoro da Silva, 130, em Vila Isabel, bairro da classe-média  do Rio de Janeiro, estava apinhado de gente: ia nascer o primeiro filho do casal Manuel e Marta de Medeiros Rosa. Lembrando-se de sua infância cheia de trabalhos e dificuldades, certamente Manuel desejava para o filho uma vida sem preocupações. Dona Marta, entre as aflições do parto, quem sabe não pensaria num filho doutor, como fora seu pai, o médico e poeta Eduardo Correia de Azevedo? No entanto, se esses pensamentos ocorreram, logo foram superados pela preocupação do momento: o parto prolongava-se difícil, Dona Marta sofria  e os médicos José Rodrigues da Graça Melo e Heleno Brandão, amigos da família, não tinham alternativa: se não forçassem o nascimento, mãe e filho poderiam vir a morrer. E assim, nasceu Noel de Medeiros Rosa, marcado pelo fórceps que lhe fraturou e afundou o maxilar inferior, provocando também paralisia parcial no lado direito do rosto. Enfim, era até um defeito pequeno para um parto tão difícil e talvez, com o tempo, ele se recuperasse naturalmente. Mas importante era a boa saúde do menino, que aos dez meses venceria um concurso de robustez promovido pela Nestle.




O pai de Noel, por esse tempo, exercia a gerência de uma camisaria, com uma promessa: caso evitasse a falência do negócio, ganharia sociedade na firma. A falência foi evitada, mas a promessa não foi cumprida.  Desgostoso, Manuel uniu-se a um companheiro  e fundou a sua própria loja de roupas para homens. Veio a Primeira Guerra Mundial, o comércio ficou difícil e Rodrigues, Medeiros & Cia. faliram. Endividado, Manuel de Medeiros Rosa partiu para o interior de São Paulo: ia ganhar dinheiro como agrimensor nas fazendas de café de Araçatuba. Na Rua Teodoro da Silva, Dona Marta fundou uma escolinha, o Externato Santa Rita de Cássia, para sustentar os dois filhos ( a 29 de dezembro de 1914 nasceu Hélio, o único irmão de Noel).
O defeito no rosto acentuava-se à medida que o menino crescia. Aos seis anos, quando já aprendia as primeiras letras com a mãe, foi operado, o mesmo acontecendo seis anos depois. Mas a ortopedia da época não conseguiu nada. Noel estava marcado para toda a vida. Foi no Colégio São Bento, onde se matriculou a 28 de dezembro de 1923, que Noel, um menino de 13 anos, ganhou o impiedoso apelido de  “queixinho”. Ficava quieto, remoendo a amargura que lhe causava o defeito. Mas já revelava a ambiguidade do Noel adulto: em outros momentos falava pelos cotovelos, inventando brincadeiras e contando piadas. No recreio, tocava no violão as músicas recém-aprendidas. Na verdade, o primeiro instrumento que tocou foi o bandolim de Dona Marta, na mesma época em que entrava para o São Bento. E, foi graças ao bandolim que experimentou, pela primeira vez, a sensação de importância.  Tocava, e logo se reuniam ao seu redor, maravilhados com a sua habilidade, os guris da escola.
Do bandolim ensinado pela mãe, Noel passou para o violão, instrumento que o pai tocava quando vinha visitar a família. Amigos, vizinhos e parentes incentivaram o adolescente, ensinando-lhe valsa e canções. Aos quinze anos já dominava o instrumento, à sua maneira: solava a linha melódica sem introduzir acordes, tal como aprendera no bandolim. Hélio, quatro anos mais moço, acompanhava Noel, primeiro a cavaquinho, depois ao violão. Os irmãos Rosa ganhavam fama de músicos em Vila Isabel.
Aos poucos, o violão foi substituindo os livros. Noel estudava apenas o suficiente para passar de ano e fazia suas primeiras aparições no Ponto de Cem Réis, esquina da Rua Souza Franco com o Boulevard 28 de Setembro. Ali, distribuídos pelos cafés-bilhares Rio Clube e Vila Isabel, faziam ponto os “rapazes folgados” do bairro, conversando, bebendo e fazendo música. E Noel, um “menino de família”, tomando as primeiras cervejas, fazendo as primeiras serenatas, enfrentando as primeiras aventuras amorosas. Mas não deixava de enfrentar também os exames escolares. Aos dezoito anos, terminado o ginásio no São Bento, iniciou os preparatórios para a Faculdade de Medicina. Com dificuldade, Manuel, agora trabalhando na Prefeitura do Rio de Janeiro, e Dona Marta conseguiam manter o filho em casa para estudar. Reprovado em 1930, só no ano seguinte ingressaria na faculdade, para alegria dos pais: Noel ia ser doutor!

NOEL, O BANDO DE TANGARÁS E A MODA SERTANEJA

Na época em que Noel dava os primeiros passos na música, a moda nos clubes elegantes do Rio de Janeiro eram os conjuntos sertanejos. Em Janeiro de 1927, chegaram do Recife os Turunas da Mauriceia (Augusto Calheiros, João Miranda, Romualdo Miranda, João Frazão e Manuel de Lima), fazendo sucesso com suas canções, toadas e sobretudo emboladas.  Na Vila, nem só Noel se entusiasmou com os músicos nordestinos.  Um grupo de alunos do Colégio Batista, que se reunia no palacete de Eduardo Dale, diretor da Casa Pratt, acompanhou a moda, fundando seu próprio conjunto: Flor do Tempo. Os ensaios eram na casa de Carlos Braga, filho do diretor da fábrica Confiança Industrial instalada na Rua Souza Franco, perto da Teodoro da Silva.
Em 1929, os rapazes da Flor do Tempo receberam convite para gravar. Selecionaram-se então os elementos mais indicados para a tarefa: Carlos Braga, Henrique Brito, Álvaro Miranda Ribeiro (Alvinho) e Henrique Foréis Domingues, já nessa época conhecido como ALMIRANTE. Acharam, entretanto, que era pouca gente e resolveram convidar o rapaz magrinho que estava sempre no Ponto de Cem Réis tocando seu violão: NOEL ROSA. Foi Carlos Braga quem sugeriu o nome do novo grupo – BANDO DE TANGARÁS - ao mesmo tempo que adotava o pseudônimo de JOÃO DE BARRO, pois não ficaria bem para um filho de industrial andar às voltas com a música popular. Isso era coisa de malandro do morro, pensavam as famílias da época. Cantar em rádio ou gravar disco não era considerado atividade séria e responsável, mas uma brincadeira excêntrica de quem desejava aparecer, fazer-se notar.  Os Tangarás, para se diferenciar da “gente de rádio”, apresentavam-se de graça, não aceitando nem mesmo o reembolso do dinheiro gasto com a condução, quando iam cantar em clubes distantes.
Em maio de 1929 Noel participava das primeiras gravações dos Tangarás: Galo Garnizé, embolada, e Anedotas, cateretê, ambas de Almirante.  E a 27 de julho, na Noite Regional Brasileira, do Tijuca Tênis Clube, apresentava sua primeira composição, a embolada MINHA VIOLA. Em seguida fez a toada FESTA NO CÉU,  sempre influenciado pela moda sertaneja.
O Bando dos Tangarás seria sucesso por muito tempo. Apresentando-se em cinemas, rádios e teatros, contaria com a colaboração de outros artistas importantes: Carolina Cardoso de Meneses, Luperce Miranda, Hélio Rosa, amadores, só admitiram receber o dinheiro da venda de discos. E Noel estava sempre lá tocando seu violão. Mas a partir de COM QUE ROUPA?  Ele não pertencia mais ao bando, pertencia ao samba.



FONTE: Nova História da Música Popular Brasileira –
              Abril Cultural – 1976
FOTOS: Google
VÍDEOS: Youtube

Um comentário:

  1. Muito boa abordagem. Me lembrei da Rua Teodoro da Silva com suas calçadas repletas de notas musicais, do Feitiço da Vila e da Av. Vinte e Oito de Setembro, da ÂNGELA, QUE MORAVA BEM ALI, a Vila Izabel desfilando no bairro, exatamente ali. Da Nini, do Zé e tantas outras coisas.. Viajei no tempo.

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