Esse
homem adorado pelo povo tinha muitos inimigos E foram eles por certo que
difundiram uma série de adjetivos, e de histórias que os justificavam, para
procurar desmerecê-lo. Apontavam-no como cabotino, mulherengo, exibicionista,
vaidoso, e contavam histórias como esta: a de que Catulo encontrou um amigo na
rua e narrou seu encontro com Rui Barbosa, então no apogeu da fama:
-
Acabo de sair da casa do Ministro Rui Barbosa; recitei o meu HINO ÀS AVES e o
baiano chorou. Só hoje é que vim ter certeza de que ele é realmente um gênio.
Os
amigos mais chegados, como o barítono Frederico Rocha, um dos intérpretes
favoritos de Catulo, ainda hoje falam em sua defesa:
-
Catulo podia ter milhões de defeitos, até mesmo todos os que lhe eram
atribuídos. Colocados ao lado de suas qualidades de artista, porém, eles se
tornavam insignificantes.
Frederico
Rocha conheceu Catulo lá pelo começo do século XX, na casa do Dr. Silva Araújo, um
sobrado na Rua Sete de Setembro. O poeta ainda usava vastos bigodes negros, e
fora à casa do médico para fazer aquilo que durante muito tempo foi a sua
especialidade: dar um recital. A partir daí, Frederico passaria a frequentar a
roda de amigos de Catulo e os mesmos bares da cidade: Brahma, Nacional, Nice, Confeitaria
Colombo, e fazer serenatas com os amigos
comuns: o poeta Jaime Ovalle, Rogério Guimarães, Nozinho e Sinhô, João
Pernambuco e Bastos Tigre, Emílio de Menezes e Sátiro Bilhar, um exímio
violonista.
Nas
audições, Catulo recitava e tocava violão. Frederico Rocha cantava. A mais
famosa delas foi realizada a 7 de janeiro de 1917, quando veio ao Brasil o
escrete uruguaio de futebol. Depois do jogo houve um churrasco, seguido de uma
récita. A atração era Catulo.
- Nesse dia – conta
Frederico Rocha – Catulo cantou seu sucesso da época CABOCA DI CAXANGÁ. Todo
mundo cantou o estribilho famoso, inclusive os uruguaios: ‘Caboca di Caxangá,
minha caboca vem cá...”. Essa canção
chegara a ser sucesso no carnaval de 1913, mesmo contra a vontade do
autor, pois o povo a cantava deturpando a letra.
CABOCA
DI CAXANGÁ
Laurindo Punga, Chico Dunga, Zé Vicente
Essa
gente tão valente
Do
sertão de Jatobá
E
o danado do afamado Zeca Lima
Tudo
chora numa prima
E
tudo quer te traquejá
Caboca
de caxangá
Minha
Caboca, vem cá
Queria
ver se essa gente, também sente
Tano
amor como eu senti
Atravessava
um regato no Patau
E
escutava lá no mato
O
canto triste do urutau
Caboca,
demônio mau
Sou
triste como o urutau
Há
muito tempo lás nas moita da taquara
Junto
ao monte das coivara
Eu
não te vejo tu passa
Todos
os dias inté a boca da noite
Eu
te canto uma toada
Lá
debaixo do indaiá
Vem
cá, caboca, vem cá
Rainha
de Caxangá
Na
noite santa do Natal na encruzilhada
Eu
te esperei e descantei
Inté
o romper da manhã
Quando
eu saía do arraiá o sol nascia
E
lá na grota já se ouvia
Pipiando
a acauã
Caboca,
toda a manhã
Som triste de acauã.
Nota: Originalmente, a composição possui dez
estrofes; aqui apresenta-se apenas as quatro estrofes iniciais e os quatro
estribilhos.
Dias
depois, um churrasco no sítio de Paulo Rudge terminou de forma imprevista por
culpa de Catulo. Ele chegou atrasado, os convidados já estavam comendo.
Recebido com palmas, dirigiu-se para o centro do terreno gramado, a fim de
iniciar a parte artística do programa. Deu então de cara com a cabeça do boi,
ainda ensanguentada e com os olhos esbugalhados. Ficou uma fera: atirou fora o
violão e abandonou o local protestando:
-
Festim de bárbaros, irracionais!
Depois
ele se desculparia aos amigos Carlos Maul, jornalista e escritor, e Guimarães
Martins, advogado
- Sei que estraguei a
festa. Mas que hei de fazer! Eu sou assim mesmo. Comer churrasco eu comeria,
mas sem um espetáculo daqueles. A minha alma de poeta não suportou a tristeza
daquele olhar do boi morto.
Catulo
tinha esses rompantes de prima-dona. Virar as costas e ir embora era quase um
hábito dele. Exigia silêncio absoluto quando ele ou qualquer outro artista
cantava. Frederico Rocha foi testemunha de muitas grosserias de Catulo. Em
Casa, quando cantava ou recitava, ou quando um amigo tocava violão, não raro
ele se dirigia assim a algum visitante:
-
Por favor, retire-se. Só volte quando meu amigo acabar de cantar.
A
gloria só fez aumentar a vaidade de Catulo. Querido pelo povo, era também
admirado e estimado pelas figuras famosas da época: Coelho Neto, Humberto de
Campos, Edmundo Bittencourt, Irineu Marinho, Assis Chateaubriand, Monteiro
Lobato, Rui Barbosa, Pedro Lessa, Rocha
Pombo, José do Patrocínio (pai e filho), José Oiticica, João Ribeiro.
No
final da vida, ele próprio cobrava homenagens à sua grandeza. Quando se fez a
campanha “O Tostão do Povo”, para construção da sua herma, Catulo angariou adesões. Em Memórias do café Nice, Nestor de Holanda
conta como foi apresentado ao poeta. Catulo não disse o protocolar “prazer em conhecê-lo”. Foi direto ao único
assunto que o interessava:
-
O Senhor contribuiu para a minha herma?
Fonte:
NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
ABRIL CULTURAL - 1978
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