Catulo
da Paixão Cearense era conhecido pelos recitais e audições que dava, pelas
serestas que fazia, naquele fim de século marcado por tantos acontecimentos: a
proclamação da República, a revolta da Armada, as crises dos governos Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto.
Com
o começo das gravações mecânicas, o novo século aumentaria a sua fama. Em 1906,
o cantor Mário Pinheiro (1880-1921) grava TALENTO E FORMOSURA para a casa
Edison, de Fred Figner & Cia., a pioneira do mercado fonográfico do Brasil. No mesmo ano grava também RESPOSTA
AO TALENTO E FORMOSURA; em 1907, O QUE
TU ÉS, ATÉ AS FLORES MENTEM, CLÉLIA; EM 1909, CHOÇA AO MONTE, CABOCLA
BONITA; em 1910, ADEUS DA MANHÃ e a
grande criação de Catulo: LUAR DO SERTÃO.
O
cantor gravava com o nome de Mario, só, pois já era conhecido em todo o Brasil,
graças ao prodígio que então representavam aqueles discos gravados de forma tão
rudimentar: os artistas tinham de abrir bem o peito, porque só assim se
conseguia êxito na gravação. Na voz de Mario Pinheiro – que em 1912 iria aos
Estados Unidos gravar uma série de músicas brasileiras na RCA, depois estudaria
canto em Milão para se tornar baixo-cantante e morrer pobre no Brasil – o
renome de Catulo, não parava de crescer.
No
Rio de Janeiro, o poeta conseguia o que parecia impossível: levar o violão,
instrumento até então maldito, para um salão de elite. Por intermédio do
Maestro Alberto Nepomuceno, conseguiu a 5 de Julho de 1908 a cessão do antigo Instituto Nacional de Música, sediado na Rua
Luís de Camões, para dar uma audição. O maestro cedeu apesar dos protestos,
sobretudo do crítico Oscar Guanabarino, um dos mais respeitados então, e que
considerava uma profanação a presença de tal instrumento num salão de música
erudita.
No prefácio de seu
livro Modinhas (Livraria Império, Rio, 1945) Catulo conta com
indisfarçável vaidade como foi aquela
sessão memorável: “Músicos, literatos, médicos, jornalistas, advogados,
engenheiros, professores, pintores, o escol de nossa sociedade, diplomatas,
como o Conde Prozoor, então ministro plenipotenciário da Rússia, tudo se
encontrava ali no meio da massa popular. Inúmeras pessoas ficaram de pé, por
não haver mais lugar. Os aplausos eram tão retumbantes que se ouviam na rua. O
crítico musical Oscar Guanabarino, que havia escrito um artigo atacando o
Maestro Nepomuceno, por haver permitido que eu introduzisse o violão naquele
templo onde só pisavam celebridades, depois do meu triunfo confessou a sua
falta saudando-me com palmas delirantes”.
Os
inimigos não perdiam oportunidade de malhar Catulo. do recital que ele deu para o Presidente Nilo
Peçanha, Catulo havia entrado no
Palácio do Catete, sede do governo, pela porta dos fundos. Era uma tolice,
porque o barco presidencial encostava num cais que havia na parte do palácio
que dá para a praia. Mas Catulo jurou que entraria pela porta da frente do
palácio, para responder a seus inimigos.
Em maio de 1914, ele voltou ao palácio, a convite do Presidente Marechal
Hermes. De fraque forrado de seda,
calças listradas, violão debaixo do braço, subiu as escadarias do Catete para
mais um momento de glória. Dona Nair de
Teffé Hermes da Fonseca (que se tornou conhecida como caricaturista, sob o
pseudônimo de Rian), daria seu testemunho sobre mais esse êxito de Catulo:
-“Essa
audição de Catulo, no Palácio do Catete, constituiu o maior sucesso a que um
verdadeiro artista poderia aspirar em toda a sua vida. Catulo, ao término de
cada canção que interpretava, recebia da culta assistência uma ovação
delirante. Todos o aplaudiam em pé. E ele bem o merecia pelo seu gênio e seu
irresistível poder de transmissão de sentimento”.
A
audição valeu-lhe mais que os aplausos: Catulo saiu de lá praticamente nomeado
para um cargo na Imprensa Nacional.
Depois que assumiu, seus inimigos fizeram chegar aos ouvidos do
presidente que Catulo comparecia à repartição uma vez por mês, para receber os
vencimentos. O presidente desfazia a intriga, desarmando seus autores:
-
Catulo é mesmo maluco! Quem mandou ir tanto ao serviço?
As
histórias dos empregos de Catulo formavam um verdadeiro anedotário. Conta
Bastos Tigre que certa vez o poeta foi surpreendido por um telegrama que exigia
sua presença no Ministério da Viação, para o qual fora nomeado pelo Ministro
Pires do Rio. O movimento de 1930 tinha
vencido, cuidava de moralizar o serviço público, plataforma de toda revolução
que se preza. O chefe de gabinete do Ministro José Américo quis saber tudo o
que ele fazia (ou não fazia) na repartição.
-
Qual o seu cargo aqui?
-
Datilógrafo.
-
E se fosse preciso realizarmos um teste de datilografia que máquina o senhor
escolheria?
Catulo
ficou embatucado com a última pergunta. O chefe de gabinete insistiu: cada
datilógrafo se habituava a um tipo de máquina, o mesmo devia ocorrer com
Catulo. Sem saída, o poeta encontrou esta:
-
Bem, nesse caso, prefiro uma Singer.
Além
dos aplausos e dos empregos, a glória lhe trazia aborrecimentos. Um deles foi
gerado pela autoria de Luar do Sertão e Caboca di Caxangá, que seu amigo João
Pernambuco (1883-1947) reivindicava. Pernambuco, exímio violonista, cujo nome
civil era João Teixeira Guimarães, e que viera em 1902 para o Rio, sustentava
que a música de Luar do Sertão era a do coco nordestino É DE HUMAITÁ, ao qual Catulo adaptara a nova letra. Era uma verdade
apenas parcial: realmente a música original é a de uma embolada do folclore
pernambucano, mas que não tinha muito valor em si. Catulo modernizou a música,
adaptou-a à sua letra, à base de dois compassos de uma melodia de Beethoven. E
até glosava o fato, por “ andar em ótima companhia”.
O
paulista Roque Ricciardi (1894-1976), que ficou famoso como cantor com o nome
de Paraguaçu, contava que Catulo escreveu a amigos do Nordeste interessado em
descobrir a origem exata da música. A resposta veio dizendo que era mesmo
folclore pernambucano, e Catulo não ocultou a informação que recebera.
Paraguaçu lembrava que Catulo e João Pernambuco chegaram a fazer as pazes, a
seu pedido, quando participaram do show
promovido pela atriz Margarida em homenagem a Canhoto (Américo Jacomino) que fora eleito o maior
violonista do Brasil. Mas a ferida aberta por Luar do Sertão jamais
cicatrizaria: Catulo e João Pernambuco voltaram a brigar, e rompidos ficaram até morrer.
Mais
que discussões, a composição ONTEM AO LUAR geraria uma ação cível. A letra, de Catulo, foi escrita em 1913 para
a música CHORO E POESIA que José
Pedro de Alcântara fizera em 1907. Foi
uma das mais populares criações da segunda década do século XX, sobretudo na
voz de Vicente Celestino, em disco da Casa Edison, de 1918.
Com
o lançamento, em 1970, do filme Love Story (dirigido por Arthur Hiller), a
imprensa brasileira acusou exagerada semelhança entre seu tema musical
(composto por Francis Lay) e ONTEM AO LUAR, de Catulo da Paixão Cearense.
Nem
se tocava no nome de José Pedro de Alcântara, o verdadeiro plagiado, pois a
tempo a composição vinha sendo divulgada como sendo exclusivamente de Catulo da
Paixão Cearense.
Em 1971, Heloísa
Alcântara Bernardi, neta de José Pedro, moveu uma ação contra os detentores dos
direitos da obra de Catulo e, em 1976, foram legalmente obstados o título ONTEM AO LUAR e a conhecidíssima letra
do poeta maranhense. Até o ano de 1989, subsiste apenas a obra CHORO E POESIA, ou seja: a música de
José Pedro de Alcântara com letra de Heloísa Alcântara Bernardi.
ABRIL CULTURAL - 1978
Fotos: GOOGLE
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