Catulo
da Paixão Cearense era maranhense de São Luís, onde nasceu a 8 de outubro de
1863, no sobrado de número 66 da antiga rua Grande, hoje Rua Osvaldo Cruz.
Alguns de seus biógrafos inclusive Ary Vasconcelos, em Panorama da Música
Popular Brasileira, dão seu nascimento a 31 de janeiro de 1866, mas por
equívoco; essa data foi arranjada para uma nomeação no serviço público, pois
ele precisava remoçar três anos.
Ainda
menino, com dez anos, Catulo mudou-se com o pai, o ourives Amâncio José da
Paixão Cearense, a mãe, Maria Celestina Braga da Paixão, e os irmãos Gil e
Gerson para o sertão do Ceará, que deixaria marcas profundas em seu espírito e
seria o tema de sua principal peça, LUAR DO SERTÃO, durante muitos anos considerada pelo povo
como uma espécie de segundo hino nacional.
Aos dezessete anos, a família seguiu para o Rio de Janeiro , onde foi
morar na Rua São Clemente, 37, numa casa quase igual à de São Luís, com fachada
forrada de azulejos, três portas no térreo e três janelas em cima, com sacadas.
Ali mesmo funcionava a relojoaria e ourivesaria do Sr. Amâncio.
Logo
que chegou, Catulo passou a frequentar uma república de estudantes na Rua
Barroso, em Copacabana. Seus companheiros eram os flautistas Calado e Viriato,
o estudante de música Anacleto de Medeiros, o violonista Quincas Laranjeiras, o
cantor Cadete e um estudante de medicina que ensinaria Catulo a tocar violão:
até então, sua paixão era a flauta. Uma noite, numa seresta em que Catulo
apresentava pela primeira vez sua primeira modinha AO LUAR, o velho Amâncio
quebrou-lhe o violão na cabeça: seguira-o e resolvera castigá-lo.
Catulo
era autodidata. Aprendeu português e matemática, depois se aperfeiçoou em
francês, língua que conhecia profundamente, a ponto de fazer boas traduções de
poetas famosos (Lamartine, por exemplo), em moda no fim do século XIX e começo
do século XX. Mas o gosto pela literatura francesa não lhe deu maneirismos e
hábitos importados, como era comum nos poetas da época. Catulo guardava a
influência do contato com os cantadores do nordeste, com quem passara boa parte
da juventude, e ele próprio chegou a fazer literatura de cordel. Ao contrário
do que então se cantava, fez modinhas bem brasileiras, muitas delas compostas
no linguajar caboclo.
Os
primeiros anos de Rio de Janeiro não foram apenas de alegrias, serestas,
descoberta de novas amizades. Logo
depois que chegaram, morreu-lhe a mãe. Ele ficou tão traumatizado, que chegou a pensar em se
suicidar. Três anos depois, morria o velho Amâncio. De repente, a vida
sofria uma mudança brutal: Catulo tinha que trabalhar, e só arranjou vaga no
cais do porto, como estivador, pegando no pesado. Passou a levar uma vida dividida: de dia, tamancos nos pés,
marmita e os livros que nunca abandonava: de noite, fraque forrado de seda,
calça listrada – para as serestas.
Numa dessas noitadas, a
vida de Catulo mudou. Convidado para uma festa na casa do Senador Gaspar da
Silveira Martins, conselheiro do Império, ele foi centro da festa, os
convidados aplaudiram-no de pé. A mulher do conselheiro interessou-se muito por
ele, quis saber como poderia ajudá-lo. O
poeta arriscou um pedido de emprego; em resposta, recebeu convite para ser
explicador dos filhos de Silveira Martins. Catulo não vacilou: aceitou o
emprego e mudou-se para a chácara do conselheiro, na Gávea. Enfim, uma vida digna de ser vivida: de dia
aulas; de noite, serestas.
Mas não durou muito
tempo: uma madrugada, ao voltar para o quarto, teve a surpresa de encontrar em
sua cama uma jovem semi-vestida; Ela começou a gritar por socorro, dizendo-se
violentada pelo poeta; os outros empregados acudiram, Catulo viu-se cercado,
acabou na delegacia e depois na igreja, onde foi obrigada a se casar com a
moça. Anos depois, viu que tudo passara de uma farsa: na certidão de casamento
e nos assentamentos da igreja paroquial não havia assinaturas dele e da noiva.
Ele
era mesmo mulherengo. O crítico literário Agripino Grieco, seu amigo, diz que
Catulo era um “navio negreiro”: tinha “um coração carregado de cativas negras”.
Esta imagem foi deturpada a tal ponto que ele teve de renunciar ao único amor
de sua vida, a “Coleira”, cujo nome se perdeu nos anos. Dela ficou apenas o
retrato traçado por Catulo: moça linda, de olhos angelicais e que usava no
pescoço uma fita de veludo de onde pendia um camafeu. Filha do Senador
Hermenegildo de Morais, de Goiás, o poeta conheceu-a numa festa patrocinada
pelo pai. Para ela Catulo escreveu vários sonetos e canções, entre os quais AVE
MARIA HUMANA e IMORTALIDADE.
Outras
mulheres passaram pela vida de Catulo. Para uma delas fez uma de suas canções
mais famosas, TALENTO E FORMOSURA. Era uma moça enciumada com as atenções que
ele dava à “Coleira” e que um dia lhe disse:
-
Fique com ela, que não tem olhos senão para ver a sua feiura.
-
Sei que sou feio, não precisava dizer. Uma dia responderei à sua beleza vaidosa
o que ela merece ouvir – retrucou Catulo, que algumas semanas mais tarde se
vingou:
“tu
podes bem guardar os dons da formosura, que o tempo um dia há de, implacável,
trucidar...”.
Para
a atriz Apolônia Pinto, sua conterrânea, ele escreveu OS OLHOS DELA, que acabou
por dedicar a outra mulher, Maria Augusta, esposa de um amigo que numa noite
chegou em casa em hora além da conta. Catulo acompanhou-o e, para aplacar a ira
da mulher, cantou a canção OS OLHOS DELA. Seu gesto valeu como habeas corpus
para o amigo:
- Fiz esta música especialmente para a
senhora.
Ao ver que a “Coleira”
lhe era negada, ele tomou a decisão de
se afastar. Isolou-se na Piedade, subúrbio do Rio, onde passou a lecionar, num
colégio que fundou. Dava aulas de manhã, de tarde e de noite, procurando criar
métodos que tornassem o ensino mais agradável. Para alfabetizar meninos e
adultos, adotou um sistema visual: escrevia letras coloridas em rodelas de
cartolina e as jogava para os alunos, para que cada um encontrasse a inicial do
seu nome. Assim, brincando, mostrava as letras do alfabeto. Para as classes
mais adiantadas lecionava português, matemática e francês.
Fonte:
NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
ABRIL CULTURAL - 1978
Fotos: GOOGLE
Vídeos:YOUTUBE
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