terça-feira, 21 de janeiro de 2020

CATULO DA PAIXÃO CEARENSE - I






Esse homem adorado pelo povo tinha muitos inimigos E foram eles por certo que difundiram uma série de adjetivos, e de histórias que os justificavam, para procurar desmerecê-lo. Apontavam-no como cabotino, mulherengo, exibicionista, vaidoso, e contavam histórias como esta: a de que Catulo encontrou um amigo na rua e narrou seu encontro com Rui Barbosa, então no apogeu da fama:
- Acabo de sair da casa do Ministro Rui Barbosa;  recitei o meu HINO ÀS AVES e o baiano chorou. Só hoje é que vim ter certeza de que ele é realmente um gênio.
Os amigos mais chegados, como o barítono Frederico Rocha, um dos intérpretes favoritos de Catulo, ainda hoje falam em sua defesa:
- Catulo podia ter milhões de defeitos, até mesmo todos os que lhe eram atribuídos. Colocados ao lado de suas qualidades de artista, porém, eles se tornavam insignificantes.
Frederico Rocha conheceu Catulo lá pelo começo do século XX, na casa do Dr. Silva Araújo, um sobrado na Rua Sete de Setembro. O poeta ainda usava vastos bigodes negros, e fora à casa do médico para fazer aquilo que durante muito tempo foi a sua especialidade: dar um recital. A partir daí, Frederico passaria a frequentar a roda de amigos de Catulo e os mesmos bares da cidade: Brahma, Nacional, Nice, Confeitaria Colombo,  e fazer serenatas com os amigos comuns: o poeta Jaime Ovalle, Rogério Guimarães, Nozinho e Sinhô, João Pernambuco e Bastos Tigre, Emílio de Menezes e Sátiro Bilhar, um exímio violonista.
Nas audições, Catulo recitava e tocava violão. Frederico Rocha cantava. A mais famosa delas foi realizada a 7 de janeiro de 1917, quando veio ao Brasil o escrete uruguaio de futebol. Depois do jogo houve um churrasco, seguido de uma récita. A atração era Catulo.
- Nesse dia – conta Frederico Rocha – Catulo cantou seu sucesso da época CABOCA DI CAXANGÁ. Todo mundo cantou o estribilho famoso, inclusive os uruguaios: ‘Caboca di Caxangá, minha caboca vem cá...”. Essa canção  chegara a ser sucesso no carnaval de 1913, mesmo contra a vontade do autor, pois o povo a cantava deturpando a letra.


CABOCA DI CAXANGÁ

Laurindo Punga, Chico Dunga, Zé Vicente
Essa gente tão valente
Do sertão de Jatobá
E o danado do afamado Zeca Lima
Tudo chora numa prima
E tudo quer te traquejá
Caboca de caxangá
Minha Caboca, vem cá
Queria ver se essa gente, também sente
Tano amor como eu senti
Atravessava um regato no Patau
E escutava lá no mato
O canto triste do urutau
Caboca, demônio mau
Sou triste como o urutau
Há muito tempo lás nas moita da taquara
Junto ao monte das coivara
Eu não te vejo tu passa
Todos os dias inté a boca da noite
Eu te canto uma toada
Lá debaixo do indaiá
Vem cá, caboca, vem cá
Rainha de Caxangá
Na noite santa do Natal na encruzilhada
Eu te esperei e descantei
Inté o romper da manhã
Quando eu saía do arraiá o sol nascia
E lá na grota já se ouvia
Pipiando a acauã
Caboca, toda a manhã
Som triste de acauã.


Nota: Originalmente, a composição possui dez estrofes; aqui apresenta-se apenas as quatro estrofes iniciais e os quatro estribilhos.

Dias depois, um churrasco no sítio de Paulo Rudge terminou de forma imprevista por culpa de Catulo. Ele chegou atrasado, os convidados já estavam comendo. Recebido com palmas, dirigiu-se para o centro do terreno gramado, a fim de iniciar a parte artística do programa. Deu então de cara com a cabeça do boi, ainda ensanguentada e com os olhos esbugalhados. Ficou uma fera: atirou fora o violão e abandonou o local protestando:
- Festim de bárbaros, irracionais!
Depois ele se desculparia aos amigos Carlos Maul, jornalista e escritor, e Guimarães Martins, advogado
- Sei que estraguei a festa. Mas que hei de fazer! Eu sou assim mesmo. Comer churrasco eu comeria, mas sem um espetáculo daqueles. A minha alma de poeta não suportou a tristeza daquele olhar do boi morto.
Catulo tinha esses rompantes de prima-dona. Virar as costas e ir embora era quase um hábito dele. Exigia silêncio absoluto quando ele ou qualquer outro artista cantava. Frederico Rocha foi testemunha de muitas grosserias de Catulo. Em Casa, quando cantava ou recitava, ou quando um amigo tocava violão, não raro ele se dirigia assim a algum visitante:
- Por favor, retire-se. Só volte quando meu amigo acabar de cantar.
A gloria só fez aumentar a vaidade de Catulo. Querido pelo povo, era também admirado e estimado pelas figuras famosas da época: Coelho Neto, Humberto de Campos, Edmundo Bittencourt, Irineu Marinho, Assis Chateaubriand, Monteiro Lobato,  Rui Barbosa, Pedro Lessa, Rocha Pombo, José do Patrocínio (pai e filho), José Oiticica, João Ribeiro.
No final da vida, ele próprio cobrava homenagens à sua grandeza. Quando se fez a campanha “O Tostão do Povo”,  para construção da sua herma,  Catulo angariou adesões. Em Memórias do café Nice, Nestor de Holanda conta como foi apresentado ao poeta. Catulo não disse o protocolar  “prazer em conhecê-lo”. Foi direto ao único assunto que o interessava:
- O Senhor contribuiu para a minha herma?




Fonte: NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
            ABRIL CULTURAL -  1978
Fotos:  GOOGLE
Vídeos:YOUTUBE



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