Catulo
jamais escondeu seus parceiros, fazia questão de citá-los: Alcino Artidoro da
Costa, oficial do Exército e excelente violonista; Alfredo Dutra, autor da
música de TU PASSASTE POR ESTE JARDIM; Luís
de Souza, autor da música da valsa CLÉLIA; Edmundo Otávio Ferreira, que musicou TALENTO E FORMOSURA; Cupertino de
Meneses, autor da melo de FASCINAÇÃO POR
TEUS OLHOS.
Outro
a quem Catulo Exaltava, como parceiro e como mestre era Anacleto de
Medeiros (1866-1907), filho de uma negra
liberta e criado pelo Dr. Pinheiro Flores na ilha de Paquetá, onde o músico
nasceu e morreu. Anacleto foi organizador e regente da Banda do Corpo de
Bombeiros, posto que assumiu sem qualquer ato de nomeação, por volta de 1901,
e no qual só foi efetivado dois meses
antes de morrer. Com Anacleto, que tocava com perfeição todos os instrumentos
de uma banda, afora alguns de corda, Catulo compôs RASGA O CORAÇÃO, POR UM BEIJO, PALMA DE MARTÍRIO, O QUE TU ÉS, PERDOA,
NASCI PARA TE AMAR, O BOÊMIO, CORAÇÃO OCULTO.
Catulo
não só citava como parceiro como tinha veneração por ele do que é prova esta
declaração em versos:
“Anacleto de Medeiros,
ingratamente olvidado,
que nunca apagaste incêndios,
mas com teu fogo sagrado,
acendias harmonias
regendo a banda gloriosa
dos invencíveis bombeiros”.
E
não se limitava a isto, muitas vezes tocando
violão para amigos, Catulo dizia:
-
Aprendi este acorde com Anacleto.
Nos
últimos anos de vida, Catulo morou num barracão na Rua Francisco Méier, 21, hoje
Rua Catulo da Paixão Cearense, no Engenho de Dentro, subúrbio carioca. Ao
barracão deu o nome de “palácio
choupanal”; ali recebia velhos amigos, antigos companheiros da estiva,
visitantes ilustres, entre eles Monteiro Lobato (1882-1948), o poeta espanhol
Salvador Rueda (1861-1933), o mexicano Alfonso Ortiz Tirado (1893-1960), tenor
e médico, conhecido como “ a voz romântica do México”.
Grande
conversador, bom bebedor, capaz de tomar litros de cerveja sem se alterar,
Catulo mantinha sempre a casa cheia, e recebia as visita de pijama e chinelos.
Só conhecia dois trajes: ou o pijama ou o terno com gravata, nada de
meio-termo. Logo que a calvície começou a aparecer, resolveu se antecipar,
raspando a cabeça. Fazia a barba e o cabelo sem auxílio de espelho, “de cabeça”
(de cor), como dizia. Se a lâmina era nova, cortava-se todo e quando isso
acontecia, esquentava água, lavava-se enrolava uma toalha na cabeça, passava
talco. Ao ver Catulo com a cabeça cheia de traços brancos, o irreverente Bastos
Tigre o gozava:
-
Lá vai o mapa-mundi com todos os rios da Terra.
Em
1939, Paraguaçu promoveu uma série de recitais de Catulo em São Paulo, onde o
poeta cantou na Rádio Cosmos (depois Rádio América) e no Palácio dos Campos
Elísios, a convite de Ademar de Barros (1901-1969). Foi um sucesso absoluto:
seus livros desapareceram das livrarias e sebos, comprados pelo público ávido
de obter seu autógrafo. Para dar um exemplar à mulher do interventor, Dona
Leonor Mendes de Barros, o poeta teve que mandar buscar o livro no Rio de
Janeiro.
Poucos
sabiam que antes de ir a São Paulo ele havia mandado uma patética carta a
Paraguaçu: “ a minha situação é crítica, muito crítica, e só pessoalmente
poderei explicar a você. Preciso que me arrume alguma coisa em são Paulo para
melhorar a minha situação”.
Após
o show no palácio, o interventor mando
entregar a Paraguaçu um envelope com 20 contos – uma fábula, na época-,
destinados a Catulo, que ficou feliz:
-
Eu sabia que Sua Excelência não ia fazer por menos!
Era
tarde demais: Catulo fora perdulário, tinha cedido seus direitos autorais por
uma ninharia a seu amigo Guimarães Martins. Acabaria morrendo pobre, a 10 de
maio de 1946. Seu corpo foi embalsamado por iniciativa de amigos. Antes de ser
sepultado, três dias depois, o escultor Flory Gama modelou-lhe a máscara
mortuária. Conduzido ao saguão do edifício da Associação Brasileira de
Imprensa, na Praça da República, seu corpo foi levado em corteja a pé para o
Cemitério de São Francisco de Paula, em Catumbi.
-
O sepultamento de Catulo, conta seu amigo Carlos Mau, não foi um fato comum na
vida da cidade. A Banda do Corpo de Bombeiros ia tocando a Marcha Fúnebre;
atrás da carreta com o corpo ia a grande massa popular. À passagem do féretro,
as casas comerciais cerravam as portas; as bandeiras estavam em funeral. Quando
o corpo chegou ao cemitério, havia milhares de pessoas à espera.
Os
discursos de personalidades fizeram a cerimônia entrar pela noite. Uma lua
imensa começou a luzir no céu, e espontaneamente o mexicano Alfonso Ortiz
Tirado começou a cantar baixinho Luar do Sertão. Em pouco o rumor de milhares
de vozes a acompanhá-lo dominou a noite: Não há, ó gente, Oh, não, luar como
este, do sertão..”
Toda
a fortuna de Catulo era isto: a adoração popular.
LUAR DO SERTÃO
Não há, ó gente, oh não
Luar como este do sertão
Oh que saudade do luar da minha terra
Lá na serra branquejando
Folhas secas pelo chão
Esse luar cá da cidade tão escuro
Não tem aquela saudade
Do luar lá do sertão
Se a lua nasce por detrás da verde mata
Mais parece um
céu de prata
Prateando a solidão
A gente pega na viola que ponteia
E a canção é lua cheia
A nos nascer do coração.
Se Deus me ouvisse
Com amor e caridade
Me faria essa vontade
O ideal do coração:
Era que a morte
A descantar me surpreendesse
E eu morresse numa noite
De luar do meu sertão
Nota:
música lançada em disco ainda nos primeiros anos do século XX, receberia
posteriormente, centenas de gravações, nos estilos mais diversos.
Originalmente,
Luar do Sertão tem doze estrofes com rimas emparelhadas e compostas, mas, na
letra acima, selecionaram-se apenas a primeira, segunda e nona estrofes, as
mais divulgadas.
Fonte:
NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
ABRIL CULTURAL – 1978
Fotos:
GOOGLE
Vídeos: YOUTUBE
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