terça-feira, 1 de agosto de 2017

III - VICENTE CELESTINO E GILDA ABREU




Por muito que excursionasse, Vicente Celestino sempre volta ao Rio de Janeiro, seu ponto de referência e capital artística do país. E foi lá que, em 32,  reencontrou Chico Alves, velho companheiro da Lapa e dos chopes, e que ele havia lançado no mundo  artístico  um dez anos antes. Trabalharam em algumas revistas no Teatro João Caetano e, em vista do sucesso, tiveram a ideia de formar uma dupla para percorrer a Europa.  O projeto só não foi adiante porque o empresário do Teatro Recreio os convidou , em 1933,  para atuar na burleta A CANÇÃO BRASILEIRA, de Luís Iglesias e Miguel Santos, música de  Henrique Vogeler (1888-1944).  Vicente seria “ Tango” e Chico Alves, “Samba”. No papel feminino “Canção” apareceria uma nova artista, de voz muito bonita: Gilda Abreu.  Mas Chico adoeceu, Gilda adoeceu e Vicente acabou ficando com o papel de “Samba”. “Tango” seria o ator Pezzi, e “ Canção”  por apenas quinze dias seria vivia por Ida Iquizeto.   A Canção Brasileira aproximaria  Gilda Abreu e Vicente Celestino definitivamente.


Gilda Abreu - 1937


Mas nem só de operetas vivia o tenor. Sempre que podia, fazia suas gravações que até 1926 eram mecânicas; - a gente gravava num funil. Na ponta desse funil tinha um diafragma e a potência da voz é que fazia o diafragma cortar a cera. Se a gente cantasse mal e perdesse a cera, o pessoal da fábrica quase nos matava...

Depois o patrimônio da Casa Edison passou para a Odeon, e o acervo incluía Vicente Celestino. Lá não havia mesa de controle e os técnicos  assustados com aquele vozeirão mandavam Vicente recuar 20 metros e dar as costas ao microfone para não partir o cristal. O resultado ele jamais esqueceria:
 - minha voz parecia um eco, e não se entendiam as palavras. Escrevi para o tenor Martinelli, nos Estados Unidos, e ele me informou que gravava a 1 metro do microfone. Foi assim que consegui chegar mais perto e ser melhor gravado-.
Depois Vicente foi para a Columbia  (que depois se tornou Continental), de onde logo saiu, irritado com a péssima qualidade da gravação  de CABOCLA SERRANA (Cândido “Índio” das Neves”). Foi para a RCA VITOR (1935), onde ficaria para o resto da vida.




A partir da união com Gilda, parece que o potencial de Vicente começou a ser melhor aproveitado – há mesmo quem diga que foi ela a “cabeça” artística e comercial da dupla. O tenor, que já vinha há algum tempo fazendo tentativas de composição (conseguira gravar uma, em 1930, na Odeon: a canção QUANDO EU TE VI,  entra no ramo em 1935, com o tango-canção OUVINDO-TE. Na gravação RCA, a orquestra era regida pelo companheiro de infância Alfredo da Rocha Viana Jr., o Pixinguinha.
Ainda naquele ano, Vicente escreve mais duas canções AMO-TE e PATATIVA, que seria sucesso em 1936 e 1937, e canta com Gilda, LUCIA DI LAMMERMOOR, de Donizetti , no Teatro São Pedro.
De 1936 é a canção que mais renderia,  em lucros e prestígio,  a Vicente Celestino: O ÉBRIO
A música fez tanto sucesso  que Vicente a transformou em peça teatral, estreada em São Paulo em 1942.  E quatro anos mais tarde Gilda Abreu, uma das primeiras mulheres a dirigir filmes no Brasil (BONEQUINHA DE SEDA, 1935), transpôs O ÉBRIO para o cinema.  A tragédia do Dr. Gilberto, transformado em alcoólatra pelo amor de uma mulher, emocionou gerações e fez vibrar os mais remotos cinemas do país.  A popularidade de O ÉBRIO  foi tanta que o personagem chegou a ser identificado com seu criador (Vicente detestava isso, pois orgulhava-se de ser abstêmio). Mas, com todo esse sucesso, O ÉBRIO não chegou a enriquecer Vicente.



A carreira do grande ídolo estava consolidada. Mas Vicente Celestino prosseguia: o trágico tango-canção CORAÇÃO MATERNO (1937) é transformado em peça teatral em 1947, para chegar ao cinema, sempre arrancando muitas lágrimas, em 1951. Paralelamente a isso, o tenor ia marcando a música popular brasileira com suas composições; SERENATA, MATEI (1940), ENQUANTO OS LÍRIOS FLORESCEM (1943), MIA GIOCONDA (1945), PORTA ABERTA, ALTAR DE LAMA ( 1946), ENCANTAMENTO (1952) e muitas outras.
Quando morreu, em 23 de agosto de 1968, Antônio Vicente Filipe Celestino podia se orgulhar de ter dado seu recado a três gerações.





Em abril de 1977 estreava no Cine Paissandu, no Rio de Janeiro, o curta-metragem (17 minutos) CANÇÃO DE AMOR, dirigido por Gilda Abreu e produzido pela Cinédia. Usando fotografias antigas, trechos dos outros filmes estrelados por Vicente Celestino   (O Ébrio  e Coração Materno) e algumas tomadas da residência da viúva, o documentário esboça uma pequena biografia do cantor, compositor e ator. Segundo Gilda Abreu: “ Canção de Amor tenta ser uma visão pessoal do homem com quem convivi durante 34 anos. Um filme piegas e nostálgico – como eu”.

VICENTE CELESTINO
Nasceu para cumprir a linda missão que lhe foi dada por Deus:
 a de cantar até o último dia de sua vida.
Durante 65 dos 74 anos que viveu,
fez ouvir pela terra que tanto amou
o milagre vivo de sua garganta privilegiada.
Posso assegurar que sua maior alegria
- ele era um homem do povo –
foi ter proporcionado à sua gente
momentos de felicidade com suas canções.

GILDA ABREU



Boa parte da fama e do sucesso de Vicente Celestino deve-se à imagem de casal feliz e unido que ele e Gilda Abreu cultivaram durante mais de 50 anos.  Unidos na profissão e no amor desde aquele inesquecível dia 25 de setembro de 1933, Gilda e Vicente só se separariam  no dia da morte do cantor, numa fria noite de agosto, em São Paulo. Gilda conheceu Vicente espreitando-o  pela porta do gabinete de sua mãe, cantora e professora de canto. Sem saber o tenor era espiado  por aquela que mais de dez anos depois a ele se declararia a meia voz, em plena cena. Gilda era francesa: nascera em Paris em 1904, e aos quatro anos viera para o Brasil. Cedo seguiu os passos de Dona Nícia Silva Abreu, podendo encontrar-se profissionalmente com Vicente Celestino em 1933, durante a revista musical  A CANÇÃO BRASILEIRA.  O casamento foi no dia 25 de setembro daquele ano. Casaram-se de manhã, e à noite, durante a apresentação, num quadro em que Gilda aparecia de noiva, foi usado o mesmo vestido da cerimônia. E, entre os sons da marcha nupcial e uma romântica revoada de pombos, repetiram, agora já com sabor de glória, a emoção do casamento.





Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira
Abril Cultural - 1977
Fotos: Google

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