sexta-feira, 22 de março de 2019

HECKEL TAVARES - INFÂNCIA E PRIMEIRAS OPORTUNIDADES NO MUNDO DA MÚSICA







LEOPOLDO HEKEL TAVARES nasceu  no interior de Alagoas, no munícipio de Satúba, no dia 16 de setembro de 1896,   filho do Comendador José Tavares  da Costa e de dona Elisa.   Teve uma infância privilegiada, entre os requintes de uma casa abastada e a alegria simples das festas populares. Criado na capital do Estado, no bairro de Bebedouro, onde a fortuna do pai permitia uma residência oficial, o menino escapava da casa austera para as festas populares nas praças de Maceió: vaquejadas, cantadores de versos longos, desafios, repentes.  Buscava o encanto da música e do ritmo de sua terra.
Desse convívio resultaria seu interesse pela harmônica e pelo cavaquinho. Depois viria o piano, em cujas teclas ele teimava, incentivado por uma tia paterna. Contudo não eram notas musicais que o Comendador queria para o filho, a quem destinara uma vida no comércio. Quando chegou a idade escolar, Hekel passou a frequentar o Colégio dos Irmãos Maristas, em Maceió.
Em 1920, o comendador viu-se falido, e Hekel  trocou o retiro de Maceió pela euforia leve que predominava no sul. Levou para o Rio de Janeiro o encanto pelas canções de Alagoas, que reproduzia ao piano. Nesses anos todos de teimosia, Hekel  conseguiu uma base musical alicerçada no autodidatismo, que aliada ao talento e inspirada nos temas de sua terra, possibilitou seus primeiros arroubos de compositor. Além disso, a vida cultural do Rio de Janeiro – regada a óperas e companhias teatrais estrangeiras – contribuiu para que Hekel delimitasse seu espaço entre as músicas folclórica e erudita.  Ele traçava planos, estudava possibilidades. Queria iniciar uma atividade que lhe permitisse viver exclusivamente da música. Enquanto isso vendia calculadoras e máquinas de escrever, porque a mesada era magra e a sobrevivência difícil.
A primeira oportunidade de trabalhar com música surgiu em 1926, quando Hekel encontrou outro alagoano, o poeta José Maria Goulart de Andrade (conhecido na época  sob o pseudônimo de Zé Expedito).  Dono de boas relações no meio intelectual do Rio de Janeiro, Goulart vivia num ambiente requintado e queria experimentar uma espécie de revista – fantasia literária - dirigida ao público mais sofisticado que começava a surgir dos bairros da Zona Sul, em direção à Cinelândia e à Praça Tiradentes. Juntos elaboraram então a revista carnavalesca STÁ NA HORA,  que estreou em janeiro de 1926, no Teatro Glória. No elenco destacava-se Sylvio Vieira, um dos cantores líricos nacionais mais conhecidos na época.
Enquanto se lançava na vida artística, Hekel procurava aprimorar seus conhecimentos musicais, estudando com João Otaviano e Francisco Braga (harmonia, composição, contraponto, fuga e instrumentação), com Oscar Borgerth (violino) e com Souza Lima (piano).
A segunda revista assinada por Zé Expedito e Hekel Tavares, PLUS ULTRA,  estreou em abril do mesmo ano  também  no Teatro Glória. Nela Hekel apresentou uma novidade de orquestração, acrescentando o oboé, instrumento ainda inédito em teatro musicado.
Na terceira revista, BOM QUE DÓI,  entre alguns charlestons, muito ao gosto da época, ele incluiu um cateretê de sua autoria: EU VI A LAGARTIXA.  A composição foi gravada ainda em 1926 pelo tenor J. Gomes Júnior com o selo  Odeon. Originada do folclore nordestino essa composição teve grande aceitação e foi muito difundida.  No final do ano, o Teatro Cassino levava a revista MIRAGEM, com música de Hekel  e texto de Max Mix (pseudônimo de Gilberto de Andrade). Essa parceria se repetiu na revista MIÇANGAS e depois em MEXERICOS que contou também com a participação de Luiz Peixoto no roteiro.
A presença de Hekel na montagem de cinco musicais em apenas um ano valeu-lhe grande popularidade. E esse sucesso trouxe alguma recompensa financeira, permitindo-lhe realizar um sonho que na época pareceu excentricidade: construir no alto da Gávea um tajupar (espécie de cabana rústica) estilizado, inspirando-se nos modelos alagoanos.
Era sua “casa de caboclo”, de onde podia ver o verde se derramando pela serra.
Em 1927, Hekel dedicou-se menos às revistas, fez DONDOCA, com Joracy Camargo e Léo D’Ávila, e SOMBRINHAS, com Joracy, porque  empreendeu ao lado de Álvaro Moreyra, outra aventura de palco: o Teatro de Brinquedo, que estreou com a peça ADÃO E EVA  E OS OUTROS MEMBROS DA FAMÍLIA,  incluindo músicas dessa nova parceria MAMÃZINHA QUE ESTÁIS NO CÉU,   A MENINA QUER SABER, REALEJO e BAHIA.  Foi uma curta experiência, pois, como teatro ligeiro e elegante, era dirigido à alta classe média e não encontrou no Rio de Janeiro da época, um público que o sustentasse. Assim pouco depois  Hekel viu-se obrigado a voltar às revistas e aos teatros da Praça Tiradentes.

LEILÃO - HECKEL TAVARES E JORACY CAMARGO
GRAVADA EM 1933
Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira
           Abril Cultural - 1979
Fotos: Google

Músicas: Youtube

HEKEL TAVARES E A MÚSICA ERUDITA



Apesar de sua intensa produção popular, Hekel sempre ansiou ao erudito. Nesse sentido, foi incentivado por Martha Dutra (sua mulher desde 1934). Martha foi autora do argumento da fantasia infantil O SAPO DOURADO, musicada por Hekel e Waldemar Henrique e gravada em 1934 pela RCA. A partir daí ele abandonou gradativamente a canção, passando a moldar sua tendência nacionalista em painéis sinfônicos. No entanto, sua atitude não agradou aos companheiros, nem foi bem aceita pela crítica: em certo momento ele se sentiu desacreditado. Acabou vendendo seu tajupar para custear a edição de suas obras sinfônicas.




Após o Sapo Dourado, Hekel Tavares gravou na Odeon a novela O GAÚCHO, com versos de Vargas Neto; e finalmente, em 1935, ganhou seu espaço entre os eruditos com o poema sinfônico ANDRÉ DE LEÃO E O DEMÔNIO DO CABELO ENCARNADO, baseado em versos de Cassiano Ricardo (1895-1974) sobre um bandeirante (André) às voltas com Curupira.





Hekel Tavares viajou muito pelo Brasil, recolhendo farto material folclórico que utilizou em algumas de suas composições, como o poema sinfônico O ANHANGUERA, para orquestra,  coro misto, solistas e coros infantis.  O argumento é de Martha Dutra; os versos, de Murillo Araújo. Percorre a obra um intenso clima de lirismo e religiosidade, enriquecido por instrumentos de percussão dos índios tucunas (do alto Solimões) e poemas dos índios aritis como (Coza quereare cootiene taiquaêna – “ O velho arco quebrou-se”).  O Anhanguera foi gravado em 1954.





Voltado apenas para a música erudita, Hekel Tavares afastara-se definitivamente das canções. Mas jamais abandonou o espírito e os motivos da música regional. Embora tenha até negado seu cancioneiro – chegou a excluir a maior parte de suas canções ao idealizar a edição de suas obras completas, esse foi um gesto inútil, pois em cada uma de suas partituras eruditas há traços nítidos do estilo que o caracterizou como compositor de canções. Ali está despejada toda sua alma, ali o sentimento prevaleceu sobre a teoria, a emoção sobre a técnica.




RAPSODIA NORDESTINA

Em 1968 Hekel Tavares empenhava-se na composição de uma Rapsódia Nordestina e procurava entre colecionadores e pesquisadores uma sanfona “de fole gasto e som roufenho”, como ele mesmo dizia, do tipo usado pelos cegos cantadores das feiras do interior. No entanto, morreu no dia 8 de agosto de 1969, no Rio de Janeiro, deixando a peça inacabada. E morreu, sem nunca ter saído do Brasil: recusava todos os convites vindos do exterior. E, no entanto gostava de viajar, não importava o desconforto a que fosse submetido por longas estradas – de trem, de jipe, de jumento -, embrenhando-se pelo que há de mais Brasil. Dormia onde pudesse, comia o que houvesse. Queria mesmo era viver com seu povo, conhecer o que lhe ia no peito e expressar em música essas mágoas, essas alegrias.
O concerto para piano e orquestra em formas brasileiras, Opus 105 n.2 é a mais conhecida obra sinfônica de Hekel Tavares. Sempre incluído no repertório de grandes regentes e intérpretes brasileiros, esse concerto teve sua primeira audição  em 1944, na cidade paulista de Santos, e contou com a participação da pianista Guiomar Novaes.





“ eu nunca tinha visto o diabo. Ouvia falar. Gostava dele, por isso , agora vi.  Ninguém me tira da cabeça que é Hekel Tavares. É o diabo! Não o diabo das óperas, barítono, de topete vermelho, de cavanhaque, que faz ruindades. O diabo bom, aquele que foi menino desconfiado, esse que é homem de braços abertos... Hekel Tavares...Brasileiro. Do Norte. Carrega no coração todas as toadas do Brasil, a música que andava solta nos rios, nas florestas, nas montanhas, nas nuvens, nas crianças, nos pobres das feiras, nos pobres dos terreiros, em todos os pobres. Hekel Tavares mergulha a cabeça no coração para escutar. Escuta, E então conta”  ( Álvaro Moreyra).


Com a retirada da educação musical das escolas (1960) ficaram desconhecidos bons e importantes músicos que fizeram o brilhante passado de nossa música.

Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira
           Abril Cultural - 1979
Fotos: Google
Músicas: Youtube

quinta-feira, 21 de março de 2019

HECKEL TAVARES - DAS REVISTAS MUSICAIS ÀS CANÇÕES FOLCLÓRICAS


Com MEXERICOS, Luiz Peixoto aproximou-se de Hekel Tavares e, além de acompanhá-lo em suas viagens pelo Brasil, foi seu mais assíduo parceiro musical. Juntos fizeram em 1927: FELICIDADE, TENHO RAIVA DE VOCÊ e SUSSUARANA (toada sertaneja que logo se transformou no primeiro grande sucesso  popular da dupla).  Nesse mesmo ano SUSSUARANA  teve duas gravações: uma com Stefana Macedo e outra com Gastão Formenti, que ainda gravou SABIÁ, FELICIDADE e PAPAIZINHO (esta em parceria com Joracy Camargo), acompanhado ao piano pelo próprio Heckel. 


  
SUSSUARANA - MARIA BETÂNIA
Produzido por Maria Bethânia, com direção musical de Jaime Alem, Brasileirinho tem as participações especiais dos poetas Ferreira Gullar e Denise Stoklos, do grupo instrumental mineiro Uakti, do grupo de choro Tira Poeira e das cantoras Miúcha e Nana Caymmi.

Francisco Aves, por sua vez, gravou  o foxtrote MOLEQUE NAMORADOR (letra de Joracy). É também de 1927 o arranjo de Hekel  para a música folclórica  SAPO CURURU.
Esse ritmo intenso de trabalho caracterizou praticamente toda a carreira musical de Hekel Tavares. Em 1928 compôs NOSSO TEMPO DE COLÉGIO, ERA AQUILO SÓ, CASA DE CABOCLO (estas com Luiz Peixoto) e O BOIADEIRO.  CASA DE CABOCLO tornou-se um clássico de nosso cancioneiro popular e, assim como SAPO CURURU  e O BOIADEIRO, foi originalmente gravada na Parlophon por Gastão Formenti, com acompanhamento do próprio Hekel ao piano. No ano seguinte ele compôs CHOVE CHUVA (com Ascenso Ferreira ) e preparou um arranjo para a melodia folclórica ENGENHO NOVO. Em dupla com Luiz Peixoto fez NA MINHA TERRA e AZULÃO (gravada pela primeira vez por Paraguassu).  NO PEJI DE OXÓSSI e PRA SINHAZINHA DRUMI são de 1930.
No início da nova década Hekel Tavares já era um compositor famoso. Esse sucesso  resultou em parte de seu interesse em aproximar-se das manifestações populares mais puras, simples, ingênuas até. Suas canções conservaram sempre o despojamento próprio das toadas sertanejas que as inspiravam.
Em 1930 ele participava pela última vez de uma revista musical: CIRANDA, CIRANDINHA, de Joracy Camargo, onde foi responsável  pela fantasia musical NA CONFUSÃO DOS SONS;  dessa fantasia, Gastão Formenti  gravou MARIA ROSA pela Brunswick. Ainda com Joracy, Hekel compôs FAVELA, LEILÃO e GUACYRA, pela Victor naquele mesmo ano. Jorge Fernandes registrou  LEILÃO,  O QUE EU QUERIA DIZER AO TEU OUVIDO (letra de Mendonça Júnior) e BANZO (letra de Murillo Araújo). Em 1952  FAVELA  reviveria o antigo sucesso na voz de Silvio Caldas.




GUACYRA
MAZZAROPI
UM CAIPIRA EM BARILOCHE

Em 1934, a cantora Elisa Coelho gravou três canções de Hekel Tavares:  COCO DE MINHA TERRA(também conhecida como BIÁ-TÁ-TÁ) com letra de Jorge D’Altavilla; HUMAYTÁ  e DANÇA NEGRA, com letra de Sodré Vianna. Luiz Peixoto continuou fornecendo temas como NO MOGI-MIRIM (1937), DEDO MINDINHO  e CANTIGA DE NOSSA SENHORA (1939), ME DEU VONTADE CHORAR (1940)  e CABOCLO BOM (letra de Raul Pederneiras, 1940).




A obra popular de Hekel Tavares compreende mais de cem composições. É a canção da terra, sempre revivida. Começou com Gastão Formenti, o principal intérprete de sua primeira fase, quando a música de Hekel saía dos teatros para o rádio e ecoava pelos terraços, nos serões; depois, ela percorreu as décadas de 50 e 60  na voz possante de Inesita Barroso, para chegar, carregada de história aos anos 70 e mais uma vez renascer, com a mesma cor, com a mesma força; em 1973 o Grupo Raízes gravava Leilão e, em 1976, Casa de Caboclo.






CASA DE CABOCLO - GRAVAÇÃO GASTÃO FORMENTI

HEKEL TAVARES - CHIQUINHA GONZAGA - LUIZ PEIXOTO - 

Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira
           Abril Cultural - 1979
Fotos: Google
Músicas: Youtube