terça-feira, 21 de janeiro de 2020

CATULO DA PAIXÃO CEARENSE - V






Catulo jamais escondeu seus parceiros, fazia questão de citá-los: Alcino Artidoro da Costa, oficial do Exército e excelente violonista; Alfredo Dutra, autor da música de  TU PASSASTE POR ESTE JARDIM; Luís de Souza, autor da música da valsa CLÉLIA; Edmundo Otávio Ferreira, que musicou TALENTO E FORMOSURA; Cupertino de Meneses, autor da melo de FASCINAÇÃO POR TEUS OLHOS.
Outro a quem Catulo Exaltava, como parceiro e como mestre era Anacleto de Medeiros  (1866-1907), filho de uma negra liberta e criado pelo Dr. Pinheiro Flores na ilha de Paquetá, onde o músico nasceu e morreu. Anacleto foi organizador e regente da Banda do Corpo de Bombeiros, posto que assumiu sem qualquer ato de nomeação, por volta de 1901, e  no qual só foi efetivado dois meses antes de morrer. Com Anacleto, que tocava com perfeição todos os instrumentos de uma banda, afora alguns de corda, Catulo compôs RASGA O CORAÇÃO, POR UM BEIJO, PALMA DE MARTÍRIO, O QUE TU ÉS, PERDOA, NASCI PARA TE AMAR, O BOÊMIO, CORAÇÃO OCULTO.
Catulo não só citava como parceiro como tinha veneração por ele do que é prova esta declaração em versos:
“Anacleto de Medeiros,
ingratamente olvidado,
que nunca apagaste incêndios,
mas com teu fogo sagrado,
acendias harmonias
regendo a banda gloriosa
dos invencíveis bombeiros”.
E não se limitava a isto, muitas vezes tocando  violão para amigos, Catulo dizia:
- Aprendi este acorde com Anacleto.
Nos últimos anos de vida, Catulo morou num barracão na Rua Francisco Méier, 21, hoje Rua Catulo da Paixão Cearense, no Engenho de Dentro, subúrbio carioca. Ao barracão deu o nome de  “palácio choupanal”; ali recebia velhos amigos, antigos companheiros da estiva, visitantes ilustres, entre eles Monteiro Lobato (1882-1948), o poeta espanhol Salvador Rueda (1861-1933), o mexicano Alfonso Ortiz Tirado (1893-1960), tenor e médico, conhecido como “ a voz romântica do México”.
Grande conversador, bom bebedor, capaz de tomar litros de cerveja sem se alterar, Catulo mantinha sempre a casa cheia, e recebia as visita de pijama e chinelos. Só conhecia dois trajes: ou o pijama ou o terno com gravata, nada de meio-termo. Logo que a calvície começou a aparecer, resolveu se antecipar, raspando a cabeça. Fazia a barba e o cabelo sem auxílio de espelho, “de cabeça” (de cor), como dizia. Se a lâmina era nova, cortava-se todo e quando isso acontecia, esquentava água, lavava-se enrolava uma toalha na cabeça, passava talco. Ao ver Catulo com a cabeça cheia de traços brancos, o irreverente Bastos Tigre o gozava:
- Lá vai o mapa-mundi com todos os rios da Terra.
Em 1939, Paraguaçu promoveu uma série de recitais de Catulo em São Paulo, onde o poeta cantou na Rádio Cosmos (depois Rádio América) e no Palácio dos Campos Elísios, a convite de Ademar de Barros (1901-1969). Foi um sucesso absoluto: seus livros desapareceram das livrarias e sebos, comprados pelo público ávido de obter seu autógrafo. Para dar um exemplar à mulher do interventor, Dona Leonor Mendes de Barros, o poeta teve que mandar buscar o livro no Rio de Janeiro.
Poucos sabiam que antes de ir a São Paulo ele havia mandado uma patética carta a Paraguaçu: “ a minha situação é crítica, muito crítica, e só pessoalmente poderei explicar a você. Preciso que me arrume alguma coisa em são Paulo para melhorar a minha situação”.
Após o show  no palácio, o interventor mando entregar a Paraguaçu um envelope com 20 contos – uma fábula, na época-, destinados a Catulo, que ficou feliz:
- Eu sabia que Sua Excelência não ia fazer por menos!
Era tarde demais: Catulo fora perdulário, tinha cedido seus direitos autorais por uma ninharia a seu amigo Guimarães Martins. Acabaria morrendo pobre, a 10 de maio de 1946. Seu corpo foi embalsamado por iniciativa de amigos. Antes de ser sepultado, três dias depois, o escultor Flory Gama modelou-lhe a máscara mortuária. Conduzido ao saguão do edifício da Associação Brasileira de Imprensa, na Praça da República, seu corpo foi levado em corteja a pé para o Cemitério de São Francisco de Paula, em Catumbi.
- O sepultamento de Catulo, conta seu amigo Carlos Mau, não foi um fato comum na vida da cidade. A Banda do Corpo de Bombeiros ia tocando a Marcha Fúnebre; atrás da carreta com o corpo ia a grande massa popular. À passagem do féretro, as casas comerciais cerravam as portas; as bandeiras estavam em funeral. Quando o corpo chegou ao cemitério, havia milhares de pessoas à espera.
Os discursos de personalidades fizeram a cerimônia entrar pela noite. Uma lua imensa começou a luzir no céu, e espontaneamente o mexicano Alfonso Ortiz Tirado começou a cantar baixinho Luar do Sertão. Em pouco o rumor de milhares de vozes a acompanhá-lo dominou a noite: Não há, ó gente, Oh, não, luar como este, do sertão..”
Toda a fortuna de Catulo era isto: a adoração popular.

LUAR DO SERTÃO

Não há, ó gente, oh não
Luar como este do sertão
Oh que saudade do luar da minha terra
Lá na serra branquejando
Folhas secas pelo chão
Esse luar cá da cidade tão escuro
Não tem aquela saudade
Do luar lá do sertão

Se a lua nasce por detrás da verde mata
Mais parece um  céu de prata
Prateando a solidão
A gente pega na viola que ponteia
E a canção é lua cheia
A nos nascer do coração.
Se Deus me ouvisse
Com amor e caridade
Me faria essa vontade
O ideal do coração:
Era que a morte
A descantar me surpreendesse
E eu morresse numa noite
De luar do meu sertão

Nota: música lançada em disco ainda nos primeiros anos do século XX, receberia posteriormente, centenas de gravações, nos estilos mais diversos.
Originalmente, Luar do Sertão tem doze estrofes com rimas emparelhadas e compostas, mas, na letra acima, selecionaram-se apenas a primeira, segunda e nona estrofes, as mais divulgadas.



Fonte: NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
            ABRIL CULTURAL – 1978
Fotos: GOOGLE
Vídeos: YOUTUBE



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