quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

HISTÓRIAS DO CARNAVAL - I





A citação abaixo é de autoria de Edigar de Alencar, que nos conta:
A música de carnaval custou a aparecer, mas surgindo não demorou a tornar-se contingente de valia da música popular brasileira.”
“Durante anos seguidos foi, na verdade, sua força maior. No Rio de Janeiro houve a distinção “música de carnaval” e “música do meio do ano”.
O samba, a mais famosa modalidade músico-popular do país nasceu no carnaval. Pelos aspectos vários de que se reveste, plenos de graça e colorido, a música de carnaval foi sempre contagiante, de extraordinária capacidade no transmitir e empolgar multidões. Através da cantiga de carnaval é possível reconstituir-se algumas fases da vida brasileira, mormente da vida antiga da metrópole, tão caracterizada pela sua vibração e alegria. Magnífico é o potencial do cancioneiro carnavalesco, sem dúvida o ponto alto da música ligeira do Brasil.
“Embora a canção carnavalesca se destinasse especialmente à grande festa do ano, certo é que tão prestigiada foi sempre como manifestação do povo para o povo, que perdia seu caráter efêmero para se perenizar na lembrança e na saudade. Os carnavais passavam e, suas canções revivesciam todos os anos, menos pela nota nostálgica, do que pela carga de alegria que delas transbordava.”

O dia 9 de fevereiro de 1902 foi um domingo de carnaval: mascarados, arlequins, pierrôs, diabinhos, colombinas e jardineiras do cordão FILHOS DA ESTRELA DOS DOIS DIAMANTES lotavam um bonde que ia pela Rua Marquês de Abrantes, no Rio de Janeiro. Polcas, maxixes e tangos eram berrados, atraindo crianças, moços e velhos às janelas dos casarões. No cruzamento da praia do Botafogo, o bonde teve de parar, pois outro cordão, o FILHOS DA PRIMAVERA, tomava conta da rua. Ninguém deixou de cantar, mas a simples espera para a passagem do outro bloco acabou em conflito. Em meio à confusão, uma faca: um “rei dos diabos” matou Angelino Gonçalves, o Boi, e Jorge dos Santos, foliões do Estrela dos Dois Diamantes.
Na segunda-feira de carnaval, o cordão, com as mesmas fantasias e músicas, sacolejava os dois caixões em direção ao Cemitério São João Batista, convidando quem estivesse no caminho a aderir ao bloco. E assim invadiram a necrópole. Os acompanhantes de última hora pararam no portão, aterrorizados, enquanto o pessoal do Estrela dos Dois diamantes, seguia, saltitante. Só à beira da cova fez-se silêncio. Um longo e pesado silêncio, indigno dos que haviam tombado: um surdo vibrou e uma voz quente de pastora recomeçou tudo com a marcha “Que bela rosa,/que lindo jasmim,/eu vi o triunfo/lá no seu jardim.”
Era uma fase do carnaval brasileiro ainda bastante marcada pela violência.

SELVAGEM, SARCÁSTICO, ROMÂNTICO

Na civilização cristã, a festa carnavalesca corresponde a uma espécie de subversão dos cultos oficiais. Os rituais religiosos se inserem, tradicionalmente, no universo da ordem, com sua carga de culpa e penitência, ou no da desordem, onde, aparentemente não há necessidade de perdão porque nada é considerado pecado. Durante o carnaval, estariam suspensas as divergências de ideias e as diferenças de classes e hierarquia (governantes e governados), em função de uma solidariedade coletiva, fundada na mesma busca de prazer e alegria.
Na euforia mágica do carnaval desaparece o homem cotidiano, substituído pelos próprios sonhos: rei, pirata, jardineira, odalisca, cigana, arlequim... Contudo, o rei, o pirata, a odalisca se acabam na quarta-feira. Esse é o limite do carnaval; encerrada a festa, a ordem reaparece, intacta e preservada.




Na origem, o espetáculo carnavalesco abolia a distância entre o ator  e o público. Todos eram, ao mesmo tempo, personagens e assistência, foliões e espectadores, sereias e navegadores. (O atual desfile das escolas de samba, as passarelas de fantasias, no entanto, recriaram a distinção entre palco e plateia).
A origem da palavra “Carnaval” sempre causou polêmicas. Para alguns, o termo é um desdobramento da expressão latina carrum novalis. uma espécie de barco alegórico com o qual os romanos  abriam alguns festejos. Os carros eram levados por animais cobertos de enfeites e montados por homens e mulheres, todos nus, cantando obscenidades.
Para Petrônio, o observador arguto e sarcástico dos banquetes e bacanais da decadente Roma do século I d.C, o carnaval era uma espécie de encontro entre Deus e o Diabo: sem distinção de classe ou idade, cidadãos e escravos romanos se abraçavam nessa festa dissoluta.
Outros estudiosos insistem que o termo “carnaval” é uma síntese da expressão carnem levare ou carevale, que significa “adeus à carne”, suspensão do uso da carne. Seria uma referência  ao complemento e antítese do carnaval, que é a Quaresma, período de privação que vai da quarta-feira de Cinzas ao domingo de Páscoa.
Não falta quem afirme que o carnaval é tão antigo quanto a primeira ordem social surgida entre os homens.  Outros afirmam que o berço do carnaval está nos rituais agrários da antiguidade, 10 mil anos antes de Cristo, em honra do ressurgimento da primavera, quando homens e mulheres com os corpos e rostos pintados, cobertos de pelos ou penas, embriagavam-se e entregavam-se a celebrações gritando: “afastai-vos, demônios”.
Para alguns estudiosos, o carnaval origina-se nas alegres festas pagãs como as de Isis (lua) e de Ápis (boi sagrado), entre os egípcios. Mas poderia ser também originário das bacanais (festas em homenagem a Baco), as lupercais (festas anuais em honra do deus Pã, comemoradas a 15 de fevereiro, ou das saturnais (oferecidas a Saturno), da Roma antiga. Estas últimas, sobretudo, eram consagradas à farra destemperada e a Capital do Império se transformava num local de esbaldamento libertino extensivo aos escravos.
Ainda se podem observar traços carnavalescos entre os gregos antigos (festas consagradas a Dionísios), entre os hebreus bíblicos, entre os teutões (nas honras à deusa Herta ou Nerta, a “terra-mãe”), e, mesmo na Idade Média. Segundo o ensaísta José Guilherme Merquiro, em seu livro dedicado ao carnaval, este – como uma espécie de válvula de escape das repressões da sociedade – “ocupava o lugar de tal relevo na cultura tradicional que, tudo bem contado, as grandes cidades medievais dedicavam aos festejos de estilo carnavalesco cerca de três meses por ano.”
O carnaval que se desenvolveu na Europa preservou certas influências das diversas festas antigas, tais como a data em que é celebrado, a tradição do uso da máscara (reminiscência da personificação dos espíritos dos mortos) e a aspersão com água e farinha, símbolos de purificação. Por outro lado, o carnaval sempre privilegiou o prazer, a música, a dança, a dissolução e a libertinagem.
Oriundo do paganismo, a Igreja o combateu, mas acabou, num esforço para manter sua hegemonia espiritual, regularizando-o.
Como conta Eneida de Morais (1903-1971), respeitada historiadora do carnaval carioca, “alguns pais da Igreja, como Tertuliano, S. Cipriano, São Clemente de Alexandria ou como o Papa Inocêncio II, foram inimigos do carnaval, mas o Papa Paulo II, no século XV, preocupou-se tanto porque a Via Lata, que desembocava, em frente ao seu palácio, permanecia silenciosa e deserta durante o ano todo, que conseguiu fazer com que as festas do carnaval romano tivessem como sede principal aquela rua: corrida de cavalos, carros alegóricos, confetes, uma extraordinária luminária de tocos de vela (molcoletti) e mais a corrida de corcundas, o lançamento de ovos, etc.: o carnaval que divertiu os romanos durante quatro séculos tinha como cenário a VIA LATA.”
O carnaval pagão foi assimilado, com algumas alterações, pela comunidade católica. Uma batalha de flores assinalava o carnaval espanhol da Idade Média; na França Napoleônica, na Alemanha e na Rússia, a festa transcorria alimentada pelos sussurros políticos, além de se tornar ocasião para ótimos negócios. Na Itália, nos séculos XV e XVI, eram moda as mascaradas públicas, como já havia ocorrido nos bailes parisienses, desde a época medieval. Mas os bailes foram proibidos em Paris depois que Carlos VI, fantasiado de urso, foi vítima de um atentado. Entre os italianos, os foliões se mascaravam a partir de um tema quase sempre mitológico, revivendo características de velhos festejos populares.
No final do século XIX o carnaval europeu entrou em decadência. O brilho do festejo começou a se ofuscar em cidades como Roma, Colônia, Veneza, Munique, Londres, Nápoles e Florença. Restavam apenas a chuva de confetes e o desfile alegórico de Nice. Inversamente o carnaval brasileiro se arraigava, cresciam sua euforia, seu luxo e sua importância na vida cultural do país.

Fonte: NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
ABRIL CULTURAL - 1979
IMAGENS: GOOGLE




O CARNAVAL NO BRASIL - II



Portugal introduziu no Brasil o que se tornaria posteriormente uma espécie de símbolo nacional brasileiro, orgulho da terra:  
O CARNAVAL.
A data que os cronistas costumam fixar como o início do carnaval no Brasil é o ano de 1641. A velha São Sebastião do Rio de Janeiro, que por aquela época contava com menos de 10 mil habitantes, festejou carnavalescamente, por determinação do governador Salvador Correia de Sá e Benevides, a coroação do Rei D. João IV, o restaurador da monarquia portuguesa. A festa iniciou-se na noite do domingo de Páscoa, 31 de março, e durou uma semana. O próprio governador, com mais 166 cavaleiros vestindo compridas capas brancas e saudando D. João IV, abriu a encamisada – um desfile pelas principais ruas da cidade. O cortejo continua com carros enfeitados com flores, sedas e ramos, além de estarem “prenhados” de música. A gandaia prosseguiu com combates simulados, jogos de canas, corridas de argolinhas e, no último dia, a cidade assistiu a um desfile mascarado e burlesco, proporcionado pela gente fina do lugar.
(Esse carnaval, como ocorreu também com alguns dos posteriores, foi celebrado extemporaneamente, uma vez que o calendário católico determina que a festa momesca se realize sempre sete domingos antes da Páscoa).
Durante o século XVIII, o carnaval seria comemorado várias outras vezes. O de 1786 é até hoje considerado uma das festas mais brilhantes que o Rio de Janeiro conheceu. O casamento do príncipe D.João com a Princesa Carlota Joaquina serviu de pretexto para a alegria. O ponto alto da celebração foi um grande desfile de carros alegóricos, idealizado pelo tenente agregado Antonio Francisco Soares. O préstito era composto de seis carros, respectivamente dedicado a Vulcano, a Júpiter, a Baco, aos Mouros, às Cavalhadas Sérias e às Cavalhadas Jocosas.
Quando não havia um motivo especial de comemoração, a festa carnavalesca se transformava numa espécie de vale-tudo, conhecida como “entrudo” (do latim in-troitus: a entrada das cerimônias litúrgicas da Quaresma, na quarta-feira de Cinzas). O entrudo era um festival de violência, com enredo quase sempre brutal: arremesso de fuligem, goma ou farinha, e violentos esguichos de água, disparados de grossas seringas de metal.
O crescimento da população do Rio, durante o século XIX, contribuía para uma acentuação da rebeldia carnavalesca, com a participação de escravos negros e de mulatos nos cordões. Logo a selvageria do entrudo passou a ser combatida pela polícia, apoiada pelo moralismo e pelo ressentimento da classe média urbana. Percebe-se certo alívio nas palavras do romancista José de Alencar, quando, em meados do século XIX, ele afirma que “o entrudo está completamente extinto e o gosto pelos passeios de máscaras tomou (...) um grande desenvolvimento. Além do ‘Congresso’ das Sumidades Carnavalescas, (que ele integrava) muitos outros grupos interessantes percorreram diversas ruas, e reuniram-se no Passeio Público, que durante três dias esteve literalmente apinhado”.  
Paralelamente à decadência e à repressão do entrudo, começa a se desenvolver o gosto pela máscara, para a qual seria canalizada a imaginação popular. Dizem que as primeiras máscaras (chegadas por volta de 1834) eram de procedência francesa. Nas proximidades do carnaval, figuravam no mostruário das melhores casas importadoras da Rua do Ouvidor, do lado de outros apetrechos carnavalescos. Eram confeccionadas em cera muito fina ou em papelão, simulando caras de cão, gato, porco, cabeças articuladas com bigodes e barba, olhos que piscavam e queixos móveis. O carnaval deixava de ser apenas uma ‘fabricação de limões-de-cheiro, atividade que ocupa toda a família do pequeno capitalista, da viúva pobre, da negra livre’, como queria o pintor francês do século XIX Jean Baptiste Debret. (o limão-de-cheiro era uma esfera oca, feita de cera, cheia de água, para ser arremessada).



A ELEGANTE FARRA ENCLAUSURADA

O primeiro baile carnavalesco do Rio de Janeiro data de 1840.
“O Jornal” estampou o seguinte anúncio: “Hoje, 22 de janeiro, no Hotel de Itália, haverá baile mascarado com excelente orquestra, havendo dois cornets à pistons”. O “baile da subscrição” foi idealizado pelo cidadão italiano Angelo Squassfich, em seu hotel nas imediações do Largo do Rocio. A iniciativa foi logo reprisada; no dia 20 de fevereiro do mesmo ano, outro baile se anunciava: “Baile de máscaras, como se usa na Europa, por ocasião do carnaval”.
Esses primeiros esboços de bailes carnavalescos assinalavam uma diferença que se tornaria presente em quase todo  o carnaval brasileiro: de um lado, a festa popular, de rua, presa às camadas subalternas da população; de outro, o carnaval de salão, divertimento das classes médias que procuravam limites para sua farra. A divisão entre os carnavais se tornou tão grande que o historiador de MPB José Ramos Tinhorão aponta três práticas momescas distintas, no Rio do início do século XX: “o da ‘gente bem’ nos grandes clubes (o ‘High Life’ surgiria em 1908) e nos corsos, à base da novidade dos automóveis conversíveis; o dos remediados na Rua do Ouvidor e, depois, na Avenida Rio Branco; e finalmente , o dos pobres no jardim da Praça Onze, destruído na década de 90 para dar passagem à Avenida Presidente Vargas”.
Por muito tempo, os bailes que custavam 2 mil-réis o ingresso só se distinguiam dos demais pelas máscaras e pelas fantasias, obrigatórias. Por essa época, devido à influência francesa, a fantasia de maior sucesso era o dominó (túnica com capuz e manga), apesar de inadequada ao verão carioca.
A partir de 1844, com um reajuste nos preços (passou a custar 4 mil-réis, mas as mulheres não pagavam), os bailes ofereciam uma ceia com vinhos e refrescos. Em 1846 funda-se a Sociedade Constante Polca, que se encarregou de organizar os bailes do Hotel de Itália. A polca era a música mais utilizada pelos antigos foliões. Os cronistas de costumes da época afirmavam que a mocidade sentia na polca um habeas corpus. Os bailes se transferiram, então, para os teatros, onde se dançavam também a animada quadrilha e a valsa rodopiante. Já no final do século começaram a aparecer as primeiras quadrilhas com títulos extravagantes que se designavam “carnavalescas” – mas que não iam além do nome das intenções, sem os traços que posteriormente qualificariam uma música como adequada ao carnaval. Ainda em 1846, a cantora Clara Delmastro promoveu, no Teatro São Januário, um baile famoso, do qual participaram mais de mil pares fantasiados, com as contradanças vibrando até a madrugada. Mais tarde (1871), o Imperial Teatro Pedro II inaugurou-se com um estrondoso baile de máscaras. O teatro São Pedro também transformou sua plateia em salão.
Porém os bailes carnavalescos tiveram de ser moralizados, para que as mocinhas de família pudessem frequentá-los. As famílias, no início, não caíam na gandaia: eram observadoras de camarote. José de Alencar foi um dos que mais insistiu na educação dos hábitos momescos, o que gerou os bailes “essencialmente familiares”. Já então as fantasias mais concorridas, para as mulheres, eram as de cigana, de oriental, de rosa, de indiana e de mourisca. Os homens preferiam vestir-se de charlatão, satanás, ministro, jóquei ou contrabandista. Em tais folias, o champanha francês era obrigatório; nos salões, decorados com flores artificiais, não faltava ocasião para um concerto de piano ou de violino antes das danças, além da apresentação de grupos corais e do “corpo de coros”. Em 1893, ocorreram 93 bailes; em 1907, realizaram-se os primeiros bailes infantis, promovidos pelo Colomy Clube; e em 1918, no Teatro Fênix, aconteceu pela primeira vez um baile que ficaria tradicional na história do carnaval: o dos artistas “do escopo, do painel e da pena”, como diziam os jornais.
Os bailes fixaram uma das formas que o brasileiro encontra para festejar o carnaval: nos salões, onde a permissividade pode ser controlada mais facilmente e onde podem ser preservadas as distinções sociais.

FONTE: NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
ABRIL CULTURAL - 1979
IMAGEM: GOOGLE



CARNAVAL NO BRASIL- NA RUA, A VIDA DELIRANTE - III



Os clubes que formavam para festeja e animar o carnaval chamavam-se “sociedades”.   O Congresso da Sumidades Carnavalescas realizou um desfile que foi assistido pelo Imperador e a Imperatriz.
As sociedades foram importantes também para a participação da mulher no carnaval. Como ele se transformava cada vez mais, em festa de estilo veneziano – delicado e colorido – com confete e serpentina -, as senhoras da sociedade também poderiam, sem muito exagero, brincar fantasiadas. A primeira agremiação feminina a sair às ruas era paulista, um grupo de estudantes da Sociedade Paulicéia Vagabunda, em 1869.
Porém, nem só de carnaval viviam essas sociedades. Elas se engajaram também nas lutas políticas em prol do abolicionismo e da república. As sociedades se multiplicaram e disputavam a alegria entre si e internacionalmente. Houve muitas dissidências, que por sua vez inauguravam outras sociedades.  Seguindo o exemplo das Sumidades Carnavalescas, logo surgiu a União Veneziana; em seguida, uma briga nas Sumidades abriu caminho para dois novos agrupamentos: a Euterpe Comercial e os Zuavos Carnavalescos. A primeira foi uma das mais requintadas associações, pois seus componentes executavam  os mais variados instrumentos: clarinetas, violinos, flautas. Promoviam também fora do carnaval, saraus e tertúlias lítero-musicais. Dos Zuavos sairiam os Tenentes do Diabo  e os Infantes do Diabo. Uma crise interna dos Infantes dividiu-os em Fenianos e Congresso dos Fenianos.  Grandes incentivadores da folia eram ainda os Democráticos Carnavalescos ( Clube dos Democráticos a partir de 1888), os Estudantes de Heidelberg, os Acadêmicos de Joanisberg e o Clube X.
Por essa época começaram a aparecer os cordões organizados, que, como dizia o observador dos costumes cariocas João do Rio (1881-1921), eram a própria essência do carnaval: “ o cordão é a vida delirante”. Os primeiros cordões de que se tem notícia foram a Estrela da Aurora(1886) e a Sociedade Carnavalesca Triunfo dos Cucumbis (1888). Os cordões consolidaram o hábito de se fantasiar no carnaval. Mas sua grande hora seria a primeira década do século XX, quando passaram  a acolher também danças e representações folclóricas (que eram desenvolvidas por antigas confrarias religiosas negras). Nas zonas urbanas, o carnaval se torna uma espécie de catalisador do folclore, principalmente em Salvador, no Recife e no Rio. O tríduo de momo incorpora os cucumbis baianos, o maracatu de Pernambuco, os congos e as congadas, e até mesmo certos elementos do bumba-meu-boi e dos bailes pastoris.




O carnaval crescia com as ruas. Em 1906, ano em que apareceu o lança-perfume Rodo Metálico, os festejos mudaram-se da “movimentada, irrequieta, foliona” Rua do Ouvidor – como Eneida a chamou – para a Avenida Central, recém-aberta. No ano seguinte surgiria o corso, nessa mesma avenida.  As filhas de Afonso Pena tinham passeado no automóvel presidencial pela via carnavalesca, de uma ponta à outra, e estacionaram à porta de um edifício, de onde apreciaram a festa. Fascinados pela ideia, os foliões que tinham carros começaram a desfilar pela avenida, realizando calorosos duelos com os outros veículos, onde as armas eram o perfume, a serpentina e o confete  - “gotas multicores de papel”, no dizer do escritor Marques Rebelo (1907-1973).
Ali por 1910, aparecem os primeiros ranchos, e começa aparecer o elemento feminino. O conjunto instrumental era acrescido por instrumentos de corda: violões e cavaquinhos, e instrumentos de sopro: flautas e clarinetas.  Ao mesmo tempo surgia o coro para entoar a marcha do rancho.  Os ranchos herdaram dos pastoris a forma processional, ganhando depois o feitio de representação teatral. Buscam seus temas nos episódios mitológicos, cívicos ou patrióticos, e eram compostos de grandes orquestras ( que incluíam entre suas marchas, certas árias de operas). Alguns ranchos como o Ameno Resedá, o Flor de Abacate, o Mimosas Cravinas, o Dois de Ouro, o Cananga do Japão, ficaram famosos.
Com o aparecimento das grandes escolas de samba, no final da segunda década do século XX, os ranchos entram em decadência; os poucos que sobreviveram  saem no segundo dia de carnaval, ostentando suas porta-estandartes, os mestres-salas em sugestivas evoluções e as pastoras rica e vistosamente fantasiadas.

As escolas de Samba apareceram em 1928, quando um grupo de sambistas e malandros do Largo Do Estácio de Sá resolveu ensinar o samba aos outros bairros cariocas. Nascia assim a Deixa Falar, a primeira escola de samba de que se tem notícia, abrindo um importante capítulo na história do carnaval brasileiro.




O carnaval de rua seguiria recolhendo novos estilos, abandonando outros, incorporando novas manifestações tais como as batalhas de bondes (que acabariam proibidas), os blocos (alguns legendários, como o Bloco do Eu Sozinho e o Bloco do Vai como Pode) e depois os blocos de “sujo”. Outra invenção foi o ‘trote’; grupos cobertos com mortalhas e máscaras de pano ou papelão, que cobrem até o pescoço. Essa fantasia – a “careta” – ficou muito comum no carnaval de rua de Salvador.


FONTE: NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
ABRIL CULTURAL - 1979
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CARNAVAL NO BRASIL - MOMO NOS ESTADOS BRASILEIROS -IV



DÉCADA DE 70

O carnaval em Salvador começa efetivamente no dia 8 de Dezembro, com a abertura dos festejos do Largo pela festa da Conceição da Praia. São celebrações que se remetem umas às outras, adquirindo sempre, ao final, um estatuto  carnavalesco. Oficialmente, porém o bloco Barroquinha Zero Hora, que sobe a Ladeira da Barroquinha à zero hora do sábado de carnaval, é que inaugura o carnaval baiano.
Na manhã  do sábado da folia, cerca de seiscentas pessoas vestidas de túnicas e turbantes brancos, levando alegorias hindus, dirigem-se à Igreja de Santa Luíza, na Cidade Baixa, onde homenageiam sua padroeira. Trata-se do afoxé Filhos de Ghandi, encarregado de afastar os maus espíritos do carnaval; eles caminham tocando atabaques, agogôs e caxixis e cantam músicas em nagô. (Originalmente os afoxés eram cortes de reis africanos; na Bahia, metamorfosearam-se em cordões de carnaval).
Atração também do carnaval da Bahia são os trios elétricos: músicos com som eletrificado, que percorrem as ruas em cima de um caminhão executando sucessos carnavalescos para o povo dançar; ao que tudo indica, essa espécie de caixa de música ambulante começou em 1950, com Osmar e Dodô.




Outro grande carnaval brasileiro é o de Pernambuco, notadamente os de Olinda e Recife.  É desse Estado que surgiu um dos ritmos mais alucinantes da festa momesca: o vigoroso, envolvente e contagiante frevo. Utilizando-se de seções de metais, ele aparece entoado por blocos de nomes pitorescos e formação original. Os passos mais usados são os do “parafuso”, do “saca-rolhas”, das “tesouras”, dos “corrupios”, de “siri”, além de inúmeras improvisações coreográficas e acrobáticas.


Paralelamente, existe o maracatu, cortejo processional de origem africana,quase soturno, mas altamente expressivo. Essa conformação carnavalesca, a exemplo da marcha-rancho no carnaval do Rio, serve como uma espécie de pausa na loucura exaustiva do frevo. O berço do maracatu foram as senzalas, quando os negros prestavam homenagem a seus antigos reis africanos. Mesmo com o fim da escravidão, os cortejos continuaram, passando pelas casas dos amigos. Daí, o maracatu ganhou as ruas, tornando-se uma das peças essenciais do carnaval pernambucano.
Cordões e agrupamentos carnavalescos, tais como o Clube das Vassourinhas ou o Bloco Pá de Carvão, inicialmente formados pelos negros recém-libertados da escravidão e que constituíram as primeiras associações profissionais, como a dos varredores de rua, a dos carvoeiros, etc.. foram os responsáveis pela difusão do frevo. 
Em São Paulo, o carnaval, que era uma festa restrita aos salões ( de luxo ou populares), começou a ser praticado nas ruas, atendendo às influências das escolas de samba do Rio de Janeiro. Sem a introdução de uma sonoridade própria que caracterizasse o carnaval paulista, ele segue repetindo o estilo das grandes escolas cariocas, enfatizando o luxo das fantasias e alegorias.
Nos outros estados, geralmente aparecem traços peculiares, maneiras diferentes de celebrar a folia momesca.
Mas a grande tendência registrada no Brasil inteiro é a do carnaval se homogeneizar segundo a fórmula carioca: de um lado , o carnaval de salão ( luxuoso ou não); do outro, o desfile das escolas de samba. Isso é sentido principalmente nas cidades que carecem de uma tradição carnavalesca própria. Assim, o carnaval vai se transformando, cada vez mais, num ritual padronizado, em prejuízo da folia e da espontaneidade.  Uma festa onde o sentido de solidariedade celebrativa, da neutralização dos conflitos e antagonismos, está desaparecendo ou até já desapareceu.


FONTE: NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
ABRIL CULTURAL - 1979
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A PRÉ-HISTÓRIA DA MÚSICA DE CARNAVAL - V



No princípio, o carnaval brasileiro era uma festa que não se celebrava com um ritmo próprio: dominós, pierrôs e colombinas dançavam quadrilhas, valsas rodopiantes, xotes, habaneras e a badalada polca com tal animação que se esqueciam de que essas músicas eram as mesmas dos bailes do resto do ano. A folia momesca só começa  a adquirir  sua individualidade musical a partir das primeiras décadas do século XX. Mesmo o maxixe, a primeira música de dança urbana brasileira, que aparece por volta de 1870, não iria alterar significativamente a situação.
Uma das tentativas iniciais de se empregar música com finalidade especificamente carnavalesca apareceu com os cordões, no final do século XIX. Os cordões gingavam e cantavam quadrinhas improvisadas, cantigas de roda, árias de ópera e até fados. E foi por iniciativa de um desses cordões que nasceu aquela que entraria para a história como a PRIMEIRA CANÇÃO DE CARACTERÍSTICAS EMINENTEMENTE CARNAVALESCAS. Trata-se da antológica Ó ABRE ALAS, (1899), marcha-rancho da Maestrina CHIQUINHA GONZAGA, (1847-1935), composta a pedido do Cordão ROSA DE OURO.
Ó Abre Alas já tinha os traços que se exigem  de uma música de carnaval: versos simples e fáceis de guardar, e ritmo envolvente e aliciador, capaz de se popularizar rapidamente. E embora, outros agrupamentos – tais como o Cordão Flor de São Lourenço (1885), o Cordão Prazer da Lua e o Bloco Flor da Primavera – já tivessem suas próprias canções para sair no carnaval, estas não conseguiram se impor à coletividade dos foliões e nem mesmo possuíam um ritmo que alinhasse o coro dos cordões. A marcha de Chiquinha Gonzaga composta na virada do século, fixa, portanto, o aparecimento de um novo gênero na música popular brasileira. Ó Abre Alas é uma espécie de grito, de manifesto dessa nova forma de canção popular, a música de carnaval.
A partir daí, progressivamente, o carnaval começou a requisitar uma sonoridade específica, criando então as figurações rítmicas essencialmente carnavalescas. O desenvolvimento e amadurecimento da linguagem do samba, por exemplo, veio enriquecer as possibilidades da utilização de músicas que captassem e estimulassem a balbúrdia de Momo.
Mas a música de carnaval absorveria também uma grande contribuição da batucada dos bumbos do Zé Pereira. Quem primeiro traçou um retrato do Zé Pereira foi VIEIRA FAZENDA, em seu livro Antiqualhas e memórias do Rio de Janeiro. Os historiadores, porém, se confundem quando se trata de assinalar a data em que o sapateiro português José Nogueira de Azevedo Paredes e alguns patrícios saíram batendo bumbos ritmada e constantemente pelas ruas do centro da cidade.  Alguns afirmam que tal fato ocorreu no ano de 1846; outros indicam o carnaval de 1852 como a data mais segura em que o zabumbar festivo, de inspiração lusitana adentrou a sensibilidade momesca. A verdade é que a prática do Zé Pereira vingou, permanecendo até a segunda década do século XX. Quanto à origem do nome, não se sabe ao certo se Zé Pereira era o termo que designava um pequeno conjunto de bumbos e tambores em Portugal, ou se é uma deturpação do nome do seu introdutor no Brasil, José Nogueira.
O tango-chula Vem cá, mulata, composto em 1902 pelo inveterado folião Arquimedes de Oliveira, foi outra canção que marcou época nos carnavais da década de 1910, com versos do poeta e jornalista Bastos Tigre. Outras canções importantes desse tempo foram Rato, Rato (1904) de Casemiro Rocha e Claudino Costa, e No Bico da Chaleira (1909) polca de Juca Storoni (Costa Junior).
Outro marco decisivo para a história do carnaval e também da música popular foi o sucesso de Pelo Telefone (1917), samba atribuído a Donga e Mauro de Almeida.  Na verdade, parece que o samba é de autoria coletiva dos boêmios, malandros e sambistas que frequentavam a casa da legendária Tia Ciata, um dos berços do samba. Pelo Telefone – cuja letra chegou a ter várias versões publicadas pela imprensa -, além de ser considerado o PRIMEIRO SAMBA GRAVADO, introduzia definitivamente esse gênero como um dos ritmos privilegiados do carnaval brasileiro, ao lado da marcha-rancho, da marchinha, da batucada e do frevo.
Os anos 20 assinalam o período de maturidade das músicas de carnaval. Nesse processo de fixação e divulgação das cantigas que animavam a folia, destacou-se o compositor SINHÔ, o “REI DO SAMBA”. Ao longo daquela década, Sinhô responsabilizou-se por músicas como  Fala, meu louro, e o Pé de Anjo, sucessos do carnaval de 1920 e responsáveis pelo lançamento em disco do Cantor Francisco Alves.  Outro sucesso foi Quem vem atrás fecha a porta, de Caninha. Da mesma década destacam-seFala Baixo, as marchinhas Sai da Raia  e Sete Cordas (1922), Macumba (1923), Já, já(1924) apresentado como “samba democrático”, Dor de Cabeça(1925), Tem papagaio no poleiro( 1926), Ora vejam só(1927), Amar a uma só mulher(1928) e Gosto que me enrosco (1929), samba do qual Heitor dos Prazeres reclama a autoria da primeira parte.
As marchinhas que se tornariam as canções preferidas dos carnavais de salão, foram cada vez mais frequentes nos anos 20. Já no primeiro carnaval da década todo mundo cantou Pois não, de Eduardo souto e Filomeno Ribeiro. Eduardo Souto, paulista, dono de uma casa de músicas que se transformou em ponto de lançamento das cantigas de carnaval – ainda faria sucesso em 1921 com a chula à baiana Pemberê, feita em parceria com João da Praia (Filomeno Ribeiro), e Eu só quero é beliscá (1922), e o samba à moda paulista Tatu subiu no pau (1923).
Ao lado do samba, um gênero estruturalmente carnavalesco é a marchinha, mais alegre e malicioso que aquele. A marchinha se firmou também na década de 20, sendo a modalidade musical mais solicitada nos bailes. Exemplos de marchinhas que assinalaram a época são: Sou da Fuzarca (1929) de Wantuil de Carvalho; Carolina, (1934) de Hervê Cordovil e Bonfiglio de Oliveira; História do Brasil, de Lamartine Babo, que tendo surgindo em 1934 tornou-se uma das composições mais cantadas em todos os carnavais; a irônica Mamãe eu quero, de Jararaca e Vicente Paiva.
As marchinhas surgiram de uma mistura rítmica da polca com o one-step e o ragtime norte-americanos. Enquanto, nas composições carnavalescas, os temas líricos e sentimentais preferem o samba, as marchinhas – ao contrário – são quase sempre alegres, buliçosas, irônicas e brejeiras, chegando, às vezes, ao humor mais corrosivo.
Ai Amor(1921) de Freire Jr. satirizava as melindrosas e os almofadinhas; em 1922 Freire Jr. em parceria com Luiz Nunes Sampaio (Careca) lançaria a marcha Ai, seu mé, que ironizava a campanha presidencial do barbado Artur Bernardes. (a música foi proibida e Freire Jr. preso). Em 1923 ele apresentou a marchinha Não olhe assim; em 1926 lançou Café com Leite, aludindo ao controle político do eixo Minas - São Paulo; “Café paulista,/leite mineiro/nacionalista/bem brasileiro”.
Outro compositor que se destacou na década de 20  foi Caninha    (José Luiz de Moraes) autor do sucesso Quem vem atrás, fecha a porta(1920) e do samba Esta Nega qué me dá (1921). José Francisco de Freitas compôs em 1924 o samba Miserê,  e no carnaval de 1929 sua composição Dorinha meu amor, foi sucesso absoluto.
A década de 30 instala o período mais fértil da música de carnaval. Suas variantes: marcha-rancho, marchinha, frevo, samba, samba-enredo, batucada, compõem o espectro sonoro da folia brasileira, das canções mais melancólicas e reflexivas, às alegres, satíricas e maliciosas. A cantiga carnavalesca tornou-se a medula da grande festa popular e de tal forma que já em 1930 a Casa Edison promoveu um concurso com as composições para o carnaval daquele ano. O vencedor foi Ary Barroso com a marchinha Dá Nela: “ essa mulher há muito tempo me  provoca./dá nela,/dá nela/ é perigosa, fala mais que pata choca./ dá nela/dá nela.”
A partir daí, a marchinha – safada ou paródica, politiqueira ou irônica – adquiriu um sabor nitidamente carnavalesco. Sua sonoridade ficou tão vinculada à imagem do carnaval que se tornou praticamente impossível sua dissociação. Um exemplo claro disso é PIERRÔ APAIXONADO (1936) de Noel  Rosa e Heitor dos Prazeres. Ainda no carnaval de 30 despontou a marchinha que consagraria Carmen Miranda  - TAÍ ( Pra você gostar de mim), de Joubert de Carvalho.
Outros sambas de qualidade que se tornaram grandes sucessos carnavalescos foram Até Amanhã , de Noel Rosa, muito cantado no carnaval de 1933, e Meu consolo é você, samba do caricaturista Nássara, em parceria com Roberto Martins, que emprestou brilho ao carnaval de 1939.
Mais tarde, durante a década de 60, a música estritamente de carnaval enveredaria por flagrante decadência – mas no passo da mulata, num namoro de confete com a serpentina, na cor de uma fantasia, ficaria aceso o aviso de que no entanto é preciso cantar, como disseram Vinicius de Moraes e Carlos Lyra na Marcha da quarta-feira de cinzas.

FONTE: NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
ABRIL CULTURAL - 1979

MOMO - UM CURTO MAS GORDO REINADO - VI




Também da década de 30, data a personificação do rei da folia. Nas proximidades do carnaval de 1933, os jornalistas de “ A Noite “ não estavam preocupados apenas com fatos recentes que pudessem dar manchetes na primeira página. Pensavam também numa personagem da mitologia grega que não fazia senão rir do trabalho de seus companheiros do Olimpo. Um deus irresponsável e zombador, protetor da burla e da contravenção: MOMO



O maior prazer desse senhor da orgia era desmascarar os homens e os outros deuses, e isso o aproximou do carnaval ( quando o home se entrega a uma liberdade que pode ser reveladora). Assim, o pessoal de “ A Noite” resolveu dar forma de rei à irreverente personagem: moldou-o em papelão colorido, com uma barriga imensa suportando um fivelão dourado. Sob uma brilhante coroa de lata, o rosto pintado de carmim exibia um sorriso aberto que transformou em festa seu desfile pela Avenida Rio Branco. Assim, o augusto boneco foi levado em triunfo até o trono que o aguardava no Beira-Mar Cassino, de onde, desde aquele sábado gordo, passou a presidir o carnaval brasileiro.
Sempre procurando causar sensação entre seus leitores, “ A Noite” não se contentou em dar aos foliões um Momo figurado em rei-boneco. Surgiu então, no carnaval de 1936, um rei de carne, osso e muita gordura: o volumoso redator de turfe Morais Cardoso, que foi o primeiro a usar o título de Rei Momo I e Único, “ governando” por mais de 10 anos.  Paramentado em vestimenta de monarca, bochechas rosadas no rosto risonho e redondo, ele irradiava a alegria característica de seu reinado. Sua barriga saliente ( aumentada com panos) e seu andar quase circense conseguiam personificar a falta de senso própria do carnaval – Momo ganhava uma imagem perfeita, que não mais seria substituída.
A partir de 1967 esse faz-de-conta carnavalesco foi oficializado no Rio de Janeiro, por uma lei que estabeleceu normas para a eleição dos pretendentes à curta soberania. Essa lei dispõe sobre a constituição do eleitorado e exige que o candidato tenha no mínimo 1,65 m de altura, pese mais de 100 quilos, apresente atestado de saúde, seja “portador de reconhecida idoneidade moral”, exerça “qualquer função condizente com a dignidade humana” e possua “ espírito carnavalesco comprovado”.

E A MARCHA CONTINUA

Lamartine Babo foi um marchista contumaz; de sua imaginação saíram: Uma Andorinha não faz verão (1934),  O Teu cabelo não nega(1932), em parceria com os Irmãos Valença, Linda Morena e Moleque Indigesto (1933), Ride Palhaço (1934), Grau Dez(1935) – com Ary Barroso, Marchinha do Grande Galo (1936) –com Paulo Barbosa, a famosa A-E-I-O-U – em parceria com Noel Rosa, História do Brasil, onde Lamartine afirma que o descobrimento do Brasil ocorreu dois meses depois do carnaval.
“ Formosa, não faz assim/Carinho não é ruim” – esses versos comoveram o carnaval de 1933 e lançaram o caricaturista Antônio Gabriel Nássara como um dos maiores e mais cantados compositores de marchinhas. Formosa, em parceria com J. Rui, foi o início de uma carreira marcante, que sonorizou a alegria e a dor do folião. São de autoria de Nássara, entre outras: Tipo Sete (1934)- com Alberto Ribeiro; Maria Rosa (1934), Periquitinho Verde(1938) – com Sá Roriz; Florisbela (1939) – com Eratóstenes Frazão, Alá-lá-ô (1940) com Haroldo Lobo, e Balzaqueana (1950) – com Wilson Batista.
A marcha se confunde com a própria história do carnaval brasileiro: em 1935 aparecem Cidade Maravilhosa, de André filho ( que se tornaria o hino do Rio de Janeiro) e Eva Querida, de Luís Vassalo e Benedito Lacerda; em 1937, Mamãe eu quero – de Vicente Paiva e Jararaca; em 38, Touradas em Madri e Yes! Nós temos bananas, de João de Barro e Alberto Ribeiro; em 39  Jardineira, de Benedito Lacerda e Humberto Porto.
Na década de 40, O passarinho do Relógio, de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira; Aurora (1941), Nós os Carecas (1942), ambas de Arlindo Marques Jr. e Roberto Roberti, e A mulher do padeiro, de  J. Piedade, Germano Augusto e Nicola Bruni; China Pau ( 1943) de Alberto Ribeiro e João de Barro; Eu brinco (1944)  de Pedro Caetano e Claudionor Cruz, e Clube dos Barrigudos, de Cristóvão de Alencar e Haroldo Lobo; Sinfonia dos Tamancos (1945), de Roberto Martins; Espanhola ( 1946), de Benedito Lacerda e Haroldo Lobo, e Cordão dos Puxa-saco, de Roberto Martins e Eratóstenes Frazão. No carnaval de 1947 as marchinhas Pirata da Perna de Pau, de João de Barro, Marcha dos Gafanhotos, de Eratostenes Frazão Roberto Martins, e
Eu quero é rosetar, de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, foram os destaques; em 1948, A Mulata é a tal, de João de Barro e Antonio de Almeida; em 1949 as marchinhas de êxito foram: Chiquita Bacana, de João de Barro, e Marcha do Gago, de Klécius Caldas e Armando Cavalcanti.
O capítulo das marchas continua pela década de 50, com o sucesso de General da Banda, de Sátiro de Melo, José Alcides e Trancredo Silva; Tomara que chova (51)  de Paquito e Romeu Gentil; Sassaricando, de Luiz Antonio e Adelai Magalhães, e Confete, de David Nassar e Jota Júnior, foram os sucessos de 1952; Cachaça, de Mirabeau, e Maria Candelária, de Armando Cavalcanti e Klécius Caldas), ambas de 1953; e muitas outras, até que a música de carnaval – principalmente a marchinha – entrasse em decadência.

FONTE:  NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
ABRIL CULTURA – 1979

SAMBA, MARCHA-RANCHO, BATUCADA: CARNAVAL - VII


SAMBA, MARCHA-RANCHO, BATUCADA: CARNAVAL - VII

O samba é outro gênero de música popular brasileira que sempre frequentou o carnaval. Uma de suas variações, o samba-enredo, é a forma adequada para o tipo de carnaval que praticam as Escolas de Samba. Ele sustenta musicalmente o desfile e sua letra conta a história que cada escola procura alegorizar.
O samba tornou-se um parceiro indispensável da sensibilidade carnavalesca. Se antes ele era alegre, desenvolto, malandro, com o advento da marchinha ele adquiriu certa coloração romântica, tornou-se mais queixoso, melancólico. Embora a pulsação lamurienta possa parecer contraditória com a jocosidade do carnaval, esta é, na realidade, uma das facetas mais interessantes do samba carnavalesco.
A rigor, todo sambista, é, em parte, de carnaval. Mas existem aqueles que exercitaram sua poética no sentido de compor especialmente para a libertinagem momesca – embora suas composições também se mantivessem durante o resto do ano. Assim formou-se um grande elenco de sambistas que compunham para o carnaval, a exemplo do que faziam Sinhô, Caninha e Careca, no início da década de 20.
Com a fase de ouro da música de carnaval, nos anos 30, o samba carnavalesco também adquiriu maioridade, registrando momentos antológicos: Na Pavuna, composto por Homero Dornelas e Almirante; Com que roupa?  de Noel Rosa, e  Se você jurar, de Ismael Silva e Nilton Bastos ( 1931); Até Amanhã (1933), composta pelo Poeta da Vila; Agora é Cinzas (34) de Bide e Marçal; Não tenho lágrimas (38) de Max Bulhões e Milton de Oliveira.
Em 1940, Arlindo Marques Jr e Roberto Roberti, compõem Música Maestro, e Ataulfo Alves e Wilson Batista, Oh! Seu Oscar. Em 1942,
Praça Onze, de Herivelto Martins e Grande Otelo. Atire a primeira pedra ( 1945), de Ataulfo Alves e Mario Lago, e Coitado do Edgar, de Benedito Lacerda e Haroldo Lobo. Deus me perdoe ( 1946) de Lauro Maia e Humberto Teixeira; Onde estão os tamborins (1947), de Pedro Caetano; Não me diga adeus ( 1948), de Paquito, Luiz Soberano e João Correa da Silva; e É com que esse que e vou, de Pedro Caetano.
Que samba bom! (1949) de Geraldo Pereira e Arnaldo Passos.
Na década de 50 surgem: A Lapa (1950) de Herivelto Martins e Benedito Lacerta; Lata d’água (1952) de Luiz Antonio e Jota Júnior, e Mundo de Zinco, de Nássara e Wilson Batista; Zé Marmita (53) de Brasinha e Luiz Antonio, e no mesmo ano Máscara da face, de Armando Cavalvanti e Klécius Caldas;  Madureira chorou (58) de Carvalhinho e Júlio Monteiro. E na década de 60, Bloco dos sujos (69) de Luis Reis; Tristeza (66) de Niltinho e Haroldo Lobo.

A marcha-rancho talvez seja a mais antiga conformação musical dedicada ao carnaval; alguns estudiosos e críticos chegam mesmo a afirmar que ela é o gênero carnavalesco mais belo – por seu andamento lento, solicitando a harmonia dos compassos. A marcha-rancho funciona como elemento de transição entre a agitação frenética das demais composições que surgiram, uma espécie de contemplação em meio a gandaia colorida e rítmica do carnaval. Cantada ou dançada, ela é repousante, sentimental, serena; com ela, um instante lírico se inscreve no carnaval.
PASTORINHAS
A estrela Dalva,
No céu desponta
E a lua anda tonta
Com tamanho esplendor
E as pastorinhas
Pra consolo da lua
Vão cantando na rua
Lindos versos de amor




De João de Barro e Noel Rosa, lançada no carnaval de 1938, é um exemplo de como instantâneos poéticos penetraram a sonoridade carnavalesca.
Outro, é a clássica             MALMEQUER
Eu perguntei a um Malmequer
Se meu bem ainda me quer
Ele então me respondeu que não
Chorei, mas depois eu me lembre,
Que a flor também e uma mulher
Que nunca teve coração



De Newton Teixeira e Cristóvão de Alencar, cantada pela primeira vez no carnaval de 1940.
Os rouxinóis (1958), de Lamartine Babo, Máscara Negra (1967), de Pereira Matos e Zé Kéti, e Bandeira Branca (1970) de Max Nunes e Laércio Alves, também se inscrevem nessa tradição.

A  batucada  é outra modalidade musical que costuma ser empregada nos festejos carnavalescos brasileiros.  Tudo indica que a expressão  “batucada”  - usada para designar uma variante nova, diferente do samba e da modinha – apareceu pela primeira vez na composição OJU-BURUCU ( 1925), de Sinhô, que possuía marcantes influências africanas. O termo, contudo, devera ser corriqueiro entre os sambistas, para se referir ao batuque, não como dança, mas como música; “ batucada” significava não somente o conjunto de percussão, ou a maneira de execução, mas uma nova forma de se compor.
Na Pavuna, já fazia, em sua letra, menção à batucada: “ com seu time enfezando o batedor/ e grita a negrada:/ vem para batucada/ que de samba na Pavuna tem doutor.”
No carnaval de 1932 faz sucesso a batucada Jà andei, de Pixinguinha, Donga e João da Baiana, consolidando a entrada do gênero para o repertório da canção carnavalesca brasileira. A cuíca tá roncando (1935) de Raul Torres; Cai-cai (1940) composição de Roberto Martins, um dos maiores sucessos dos carnavais de todos os tempos; Poleiro de pato é no chão(1941) de Rubens Soares; Levanta José (1942) de Dunga e Haroldo Lobo e Nega do Cabelo Duro(1942) de Rubens Soares e David Nasser; e finalmente General da Banda(1949) de Sátiro de Melo, José Alcides e Tancredo Silva, que despontou com grande popularidade no carnaval de 1950 – uma batucada com os procedimentos dos pontos de macumba, sendo que a melodia já era executada em alguns lugares do Estado do Rio como saudação a Ogum.
Além da batucada-canção carnavalesca, a expressão remete também aos grupos de ritmistas que saem batucando pelas ruas, emprestando animação ao carnaval. Usam uns poucos e rudes instrumentos de percussão, mas fornecem um ritmo generoso, aliciador da alegria em meio à batucada da vida.
A partir de 1969, uma nova tendência começa a aparecer nas músicas de carnaval; trata-se de uma linguagem que se inaugura como a canção  Atrás do Trio Elétrico, de Caetano Veloso. Aproveitando-se da existência dos trios elétricos do carnaval baiano, e do ritmo marcante do frevo, Caetano promove um carnaval jovem, mais adaptado à sensibilidade contemporânea. O carnaval não poderia ficar impermeável às transformações sociais e comportamentais da vida brasileira, e o, compositor baiano procurou modernizar certas tradições rítmico-carnavalescas nordestinas, atingindo um “frevo novo” do melhor efeito e da maior animação.
Nessa linha destacam-se suas composições: Deixa Sangrar; Chuva, suor e Cerveja; Deus e o Diabo; Cara a cara; A filha da Chiquita Bacana; Piada e outras; e ainda, Tá na Cara de Gilberto Gil e Estamos de Paulo Diniz, cantada por Gal Costa.

FONTE: NOVA HISTORIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
ABRIL CULTURAL - 1979
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ACABOU O NOSSO CARNAVAL - VIII




Nos primeiros anos do pós-guerra, o rádio sofre uma invasão de autores improvisados e intérpretes de segundo time, atraídos pelo lucro do carnaval. Inicia-se a fase da caitituagem (expressão criada por Aracy de Almeida para identificar o trabalho dos compositores a fim de que suas músicas conseguissem sucesso).
Era também a época da propina aos programadores das rádios, das compras de parceria em troca de promoção das músicas. Os cantores e compositores mais pobres eram obrigados a trabalhar de graça para divulgar suas músicas. Com o aparecimento da televisão, a situação tende a se agravar. Essa necessidade de trabalhar as músicas para que atingiam sucesso, além de afastar os melhores compositores, refletiu em sua própria criação. As letras são cada vez menores e mais simples, para que o rádio e a televisão possam tocar mais e para que sejam mais rapidamente digeridas pelo público.
Durante a década de 60, a música de carnaval começou a entrar em decadência. Muitos aspectos foram solicitados para explicar tal fenômeno, mas deve-se também pensar na possibilidade de exaustão de suas formas tradicionais – com a excessiva repetição dos esquemas e cacoetes das marchinhas e dos sambas carnavalescos. E mesmo o carnaval tornou-se uma festa com outro semblante, nos salões e nas ruas (onde é muito mais assistido do que brincado).
A produção de músicas de carnaval cresceu assustadoramente, ao mesmo tempo em que a qualidade decaía. Em 1930, apareceram cerca de 130 canções carnavalescas; em 1956, mais ou menos quinhentas cantigas; em 1961, setecentas. Para o carnaval de 1968 surgiram mais de mil composições, número que continuou a crescer nos outros anos. Jogadores de futebol, animadores de televisão, artistas, humoristas, vedetes, etc. resolveram arriscar sua musiquinha para cada ano, tentando compensar com sua fama em outro terreno a falta de inspiração musical. O crescimento do mercado e o fortalecimento  da indústria cultural brasileira durante os anos 60 também contribuíram para a adulteração do significado das músicas de carnaval. As canções carnavalescas aparecem agora sob o signo da imposição, forjada pela televisão, pelo rádio, pelas vedetes do disco. Passaram a ser medidas muito mais pelo lucro, do que pela alegria que proporcionam. Recusando-se a celebrar a folia tais canções prestam homenagem à banalidade e ao mau gosto. Um exemplo de 1967: “ meu pai é um chato,/ minha mãe é uma chata,/ meu irmão é um chato,/ minha irmã é uma chata/, eta  vida chata.”
Desaparece cada vez mais a oposição entre o carnaval e a rotina cotidiana. As regras de ordem, que eram abolidas durante a soberania de Momo, progressivamente vão se introduzindo no carnaval, hierarquizando-o, comercializando-o e alterando seu sentido social e cultural.
Carnaval, desengano; quarta-feira sempre desce o pano – como poeticamente constatou Chico Buarque em seu Sonho de um Carnaval.

FONTE:   NOVA HISTORIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
ABRIL CULTURAL - 1979