quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

HISTÓRIAS DO CARNAVAL - I





A citação abaixo é de autoria de Edigar de Alencar, que nos conta:
A música de carnaval custou a aparecer, mas surgindo não demorou a tornar-se contingente de valia da música popular brasileira.”
“Durante anos seguidos foi, na verdade, sua força maior. No Rio de Janeiro houve a distinção “música de carnaval” e “música do meio do ano”.
O samba, a mais famosa modalidade músico-popular do país nasceu no carnaval. Pelos aspectos vários de que se reveste, plenos de graça e colorido, a música de carnaval foi sempre contagiante, de extraordinária capacidade no transmitir e empolgar multidões. Através da cantiga de carnaval é possível reconstituir-se algumas fases da vida brasileira, mormente da vida antiga da metrópole, tão caracterizada pela sua vibração e alegria. Magnífico é o potencial do cancioneiro carnavalesco, sem dúvida o ponto alto da música ligeira do Brasil.
“Embora a canção carnavalesca se destinasse especialmente à grande festa do ano, certo é que tão prestigiada foi sempre como manifestação do povo para o povo, que perdia seu caráter efêmero para se perenizar na lembrança e na saudade. Os carnavais passavam e, suas canções revivesciam todos os anos, menos pela nota nostálgica, do que pela carga de alegria que delas transbordava.”

O dia 9 de fevereiro de 1902 foi um domingo de carnaval: mascarados, arlequins, pierrôs, diabinhos, colombinas e jardineiras do cordão FILHOS DA ESTRELA DOS DOIS DIAMANTES lotavam um bonde que ia pela Rua Marquês de Abrantes, no Rio de Janeiro. Polcas, maxixes e tangos eram berrados, atraindo crianças, moços e velhos às janelas dos casarões. No cruzamento da praia do Botafogo, o bonde teve de parar, pois outro cordão, o FILHOS DA PRIMAVERA, tomava conta da rua. Ninguém deixou de cantar, mas a simples espera para a passagem do outro bloco acabou em conflito. Em meio à confusão, uma faca: um “rei dos diabos” matou Angelino Gonçalves, o Boi, e Jorge dos Santos, foliões do Estrela dos Dois Diamantes.
Na segunda-feira de carnaval, o cordão, com as mesmas fantasias e músicas, sacolejava os dois caixões em direção ao Cemitério São João Batista, convidando quem estivesse no caminho a aderir ao bloco. E assim invadiram a necrópole. Os acompanhantes de última hora pararam no portão, aterrorizados, enquanto o pessoal do Estrela dos Dois diamantes, seguia, saltitante. Só à beira da cova fez-se silêncio. Um longo e pesado silêncio, indigno dos que haviam tombado: um surdo vibrou e uma voz quente de pastora recomeçou tudo com a marcha “Que bela rosa,/que lindo jasmim,/eu vi o triunfo/lá no seu jardim.”
Era uma fase do carnaval brasileiro ainda bastante marcada pela violência.

SELVAGEM, SARCÁSTICO, ROMÂNTICO

Na civilização cristã, a festa carnavalesca corresponde a uma espécie de subversão dos cultos oficiais. Os rituais religiosos se inserem, tradicionalmente, no universo da ordem, com sua carga de culpa e penitência, ou no da desordem, onde, aparentemente não há necessidade de perdão porque nada é considerado pecado. Durante o carnaval, estariam suspensas as divergências de ideias e as diferenças de classes e hierarquia (governantes e governados), em função de uma solidariedade coletiva, fundada na mesma busca de prazer e alegria.
Na euforia mágica do carnaval desaparece o homem cotidiano, substituído pelos próprios sonhos: rei, pirata, jardineira, odalisca, cigana, arlequim... Contudo, o rei, o pirata, a odalisca se acabam na quarta-feira. Esse é o limite do carnaval; encerrada a festa, a ordem reaparece, intacta e preservada.




Na origem, o espetáculo carnavalesco abolia a distância entre o ator  e o público. Todos eram, ao mesmo tempo, personagens e assistência, foliões e espectadores, sereias e navegadores. (O atual desfile das escolas de samba, as passarelas de fantasias, no entanto, recriaram a distinção entre palco e plateia).
A origem da palavra “Carnaval” sempre causou polêmicas. Para alguns, o termo é um desdobramento da expressão latina carrum novalis. uma espécie de barco alegórico com o qual os romanos  abriam alguns festejos. Os carros eram levados por animais cobertos de enfeites e montados por homens e mulheres, todos nus, cantando obscenidades.
Para Petrônio, o observador arguto e sarcástico dos banquetes e bacanais da decadente Roma do século I d.C, o carnaval era uma espécie de encontro entre Deus e o Diabo: sem distinção de classe ou idade, cidadãos e escravos romanos se abraçavam nessa festa dissoluta.
Outros estudiosos insistem que o termo “carnaval” é uma síntese da expressão carnem levare ou carevale, que significa “adeus à carne”, suspensão do uso da carne. Seria uma referência  ao complemento e antítese do carnaval, que é a Quaresma, período de privação que vai da quarta-feira de Cinzas ao domingo de Páscoa.
Não falta quem afirme que o carnaval é tão antigo quanto a primeira ordem social surgida entre os homens.  Outros afirmam que o berço do carnaval está nos rituais agrários da antiguidade, 10 mil anos antes de Cristo, em honra do ressurgimento da primavera, quando homens e mulheres com os corpos e rostos pintados, cobertos de pelos ou penas, embriagavam-se e entregavam-se a celebrações gritando: “afastai-vos, demônios”.
Para alguns estudiosos, o carnaval origina-se nas alegres festas pagãs como as de Isis (lua) e de Ápis (boi sagrado), entre os egípcios. Mas poderia ser também originário das bacanais (festas em homenagem a Baco), as lupercais (festas anuais em honra do deus Pã, comemoradas a 15 de fevereiro, ou das saturnais (oferecidas a Saturno), da Roma antiga. Estas últimas, sobretudo, eram consagradas à farra destemperada e a Capital do Império se transformava num local de esbaldamento libertino extensivo aos escravos.
Ainda se podem observar traços carnavalescos entre os gregos antigos (festas consagradas a Dionísios), entre os hebreus bíblicos, entre os teutões (nas honras à deusa Herta ou Nerta, a “terra-mãe”), e, mesmo na Idade Média. Segundo o ensaísta José Guilherme Merquiro, em seu livro dedicado ao carnaval, este – como uma espécie de válvula de escape das repressões da sociedade – “ocupava o lugar de tal relevo na cultura tradicional que, tudo bem contado, as grandes cidades medievais dedicavam aos festejos de estilo carnavalesco cerca de três meses por ano.”
O carnaval que se desenvolveu na Europa preservou certas influências das diversas festas antigas, tais como a data em que é celebrado, a tradição do uso da máscara (reminiscência da personificação dos espíritos dos mortos) e a aspersão com água e farinha, símbolos de purificação. Por outro lado, o carnaval sempre privilegiou o prazer, a música, a dança, a dissolução e a libertinagem.
Oriundo do paganismo, a Igreja o combateu, mas acabou, num esforço para manter sua hegemonia espiritual, regularizando-o.
Como conta Eneida de Morais (1903-1971), respeitada historiadora do carnaval carioca, “alguns pais da Igreja, como Tertuliano, S. Cipriano, São Clemente de Alexandria ou como o Papa Inocêncio II, foram inimigos do carnaval, mas o Papa Paulo II, no século XV, preocupou-se tanto porque a Via Lata, que desembocava, em frente ao seu palácio, permanecia silenciosa e deserta durante o ano todo, que conseguiu fazer com que as festas do carnaval romano tivessem como sede principal aquela rua: corrida de cavalos, carros alegóricos, confetes, uma extraordinária luminária de tocos de vela (molcoletti) e mais a corrida de corcundas, o lançamento de ovos, etc.: o carnaval que divertiu os romanos durante quatro séculos tinha como cenário a VIA LATA.”
O carnaval pagão foi assimilado, com algumas alterações, pela comunidade católica. Uma batalha de flores assinalava o carnaval espanhol da Idade Média; na França Napoleônica, na Alemanha e na Rússia, a festa transcorria alimentada pelos sussurros políticos, além de se tornar ocasião para ótimos negócios. Na Itália, nos séculos XV e XVI, eram moda as mascaradas públicas, como já havia ocorrido nos bailes parisienses, desde a época medieval. Mas os bailes foram proibidos em Paris depois que Carlos VI, fantasiado de urso, foi vítima de um atentado. Entre os italianos, os foliões se mascaravam a partir de um tema quase sempre mitológico, revivendo características de velhos festejos populares.
No final do século XIX o carnaval europeu entrou em decadência. O brilho do festejo começou a se ofuscar em cidades como Roma, Colônia, Veneza, Munique, Londres, Nápoles e Florença. Restavam apenas a chuva de confetes e o desfile alegórico de Nice. Inversamente o carnaval brasileiro se arraigava, cresciam sua euforia, seu luxo e sua importância na vida cultural do país.

Fonte: NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
ABRIL CULTURAL - 1979
IMAGENS: GOOGLE




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