No
princípio, o carnaval brasileiro era uma festa que não se celebrava com um
ritmo próprio: dominós, pierrôs e colombinas dançavam quadrilhas, valsas
rodopiantes, xotes, habaneras e a badalada polca com tal animação que se
esqueciam de que essas músicas eram as mesmas dos bailes do resto do ano. A
folia momesca só começa a adquirir sua individualidade musical a partir das
primeiras décadas do século XX. Mesmo o maxixe, a primeira música de dança
urbana brasileira, que aparece por volta de 1870, não iria alterar
significativamente a situação.
Uma
das tentativas iniciais de se empregar música com finalidade especificamente
carnavalesca apareceu com os cordões, no final do século XIX. Os cordões
gingavam e cantavam quadrinhas improvisadas, cantigas de roda, árias de ópera e
até fados. E foi por iniciativa de um desses cordões que nasceu aquela que
entraria para a história como a PRIMEIRA
CANÇÃO DE CARACTERÍSTICAS EMINENTEMENTE CARNAVALESCAS. Trata-se da
antológica Ó ABRE ALAS, (1899), marcha-rancho
da Maestrina CHIQUINHA GONZAGA, (1847-1935), composta a pedido do Cordão ROSA DE OURO.
Ó
Abre Alas já tinha os traços que se exigem
de uma música de carnaval: versos simples e fáceis de guardar, e ritmo
envolvente e aliciador, capaz de se popularizar rapidamente. E embora, outros
agrupamentos – tais como o Cordão Flor de
São Lourenço (1885), o Cordão Prazer
da Lua e o Bloco Flor da Primavera – já tivessem suas próprias canções para
sair no carnaval, estas não conseguiram se impor à coletividade dos foliões e
nem mesmo possuíam um ritmo que alinhasse o coro dos cordões. A marcha de
Chiquinha Gonzaga composta na virada do século, fixa, portanto, o aparecimento
de um novo gênero na música popular brasileira. Ó Abre Alas é uma espécie de
grito, de manifesto dessa nova forma de canção popular, a música de carnaval.
A
partir daí, progressivamente, o carnaval começou a requisitar uma sonoridade
específica, criando então as figurações rítmicas essencialmente carnavalescas.
O desenvolvimento e amadurecimento da linguagem do samba, por exemplo, veio
enriquecer as possibilidades da utilização de músicas que captassem e
estimulassem a balbúrdia de Momo.
Mas
a música de carnaval absorveria também uma grande contribuição da batucada dos
bumbos do Zé Pereira. Quem primeiro
traçou um retrato do Zé Pereira foi VIEIRA FAZENDA, em seu livro Antiqualhas
e memórias do Rio de Janeiro. Os historiadores, porém, se confundem quando
se trata de assinalar a data em que o sapateiro português José Nogueira de Azevedo
Paredes e alguns patrícios saíram batendo bumbos ritmada e constantemente pelas
ruas do centro da cidade. Alguns afirmam
que tal fato ocorreu no ano de 1846; outros indicam o carnaval de 1852 como a
data mais segura em que o zabumbar festivo, de inspiração lusitana adentrou a
sensibilidade momesca. A verdade é que a prática do Zé Pereira vingou,
permanecendo até a segunda década do século XX. Quanto à origem do nome, não se
sabe ao certo se Zé Pereira era o termo que designava um pequeno conjunto de
bumbos e tambores em Portugal, ou se é uma deturpação do nome do seu introdutor
no Brasil, José Nogueira.
O
tango-chula Vem cá, mulata,
composto em 1902 pelo inveterado folião Arquimedes de Oliveira, foi outra
canção que marcou época nos carnavais da década de 1910, com versos do poeta e
jornalista Bastos Tigre. Outras canções importantes desse tempo foram Rato, Rato (1904) de Casemiro Rocha e Claudino Costa, e No Bico da Chaleira (1909)
polca de Juca Storoni (Costa Junior).
Outro
marco decisivo para a história do carnaval e também da música popular foi o
sucesso de Pelo Telefone (1917), samba atribuído a Donga e Mauro de
Almeida. Na verdade, parece que o samba
é de autoria coletiva dos boêmios, malandros e sambistas que frequentavam a
casa da legendária Tia Ciata, um dos
berços do samba. Pelo Telefone – cuja letra chegou a ter várias versões
publicadas pela imprensa -, além de ser considerado o PRIMEIRO SAMBA GRAVADO,
introduzia definitivamente esse gênero como um dos ritmos privilegiados do
carnaval brasileiro, ao lado da marcha-rancho, da marchinha, da batucada e do
frevo.
Os
anos 20 assinalam o período de maturidade das músicas de carnaval. Nesse
processo de fixação e divulgação das cantigas que animavam a folia, destacou-se
o compositor SINHÔ, o “REI DO SAMBA”. Ao longo daquela década, Sinhô
responsabilizou-se por músicas como Fala, meu louro, e o Pé de Anjo, sucessos do carnaval
de 1920 e responsáveis pelo lançamento em disco do Cantor Francisco Alves. Outro sucesso foi Quem vem atrás fecha a porta, de Caninha. Da mesma década
destacam-se: Fala Baixo, as marchinhas Sai da Raia e Sete Cordas (1922), Macumba (1923), Já, já(1924) apresentado como
“samba democrático”, Dor de Cabeça(1925),
Tem papagaio no poleiro( 1926), Ora
vejam só(1927), Amar a uma só
mulher(1928) e Gosto que me enrosco (1929),
samba do qual Heitor dos Prazeres reclama a autoria da primeira parte.
As
marchinhas que se tornariam as canções preferidas dos carnavais de salão, foram
cada vez mais frequentes nos anos 20. Já no primeiro carnaval da década todo
mundo cantou Pois não, de
Eduardo souto e Filomeno Ribeiro. Eduardo Souto, paulista, dono de uma casa de
músicas que se transformou em ponto de lançamento das cantigas de carnaval –
ainda faria sucesso em 1921 com a chula à baiana Pemberê, feita em parceria com João da Praia (Filomeno
Ribeiro), e Eu só quero é beliscá
(1922), e o samba à moda paulista Tatu
subiu no pau (1923).
Ao
lado do samba, um gênero estruturalmente carnavalesco é a marchinha, mais
alegre e malicioso que aquele. A marchinha se firmou também na década de 20,
sendo a modalidade musical mais solicitada nos bailes. Exemplos de marchinhas
que assinalaram a época são: Sou da
Fuzarca (1929) de Wantuil de Carvalho; Carolina, (1934) de Hervê Cordovil e Bonfiglio de Oliveira; História do Brasil, de Lamartine
Babo, que tendo surgindo em 1934 tornou-se uma das composições mais cantadas em
todos os carnavais; a irônica Mamãe eu
quero, de Jararaca e Vicente Paiva.
As
marchinhas surgiram de uma mistura rítmica da polca com o one-step e o ragtime
norte-americanos. Enquanto, nas composições carnavalescas, os temas líricos e
sentimentais preferem o samba, as marchinhas – ao contrário – são quase sempre
alegres, buliçosas, irônicas e brejeiras, chegando, às vezes, ao humor mais
corrosivo.
Ai Amor(1921)
de Freire Jr. satirizava as melindrosas e os almofadinhas; em 1922 Freire Jr.
em parceria com Luiz Nunes Sampaio (Careca) lançaria a marcha Ai, seu mé, que ironizava a
campanha presidencial do barbado Artur Bernardes. (a música foi proibida e
Freire Jr. preso). Em 1923 ele apresentou a marchinha Não olhe assim;
em 1926 lançou Café com Leite,
aludindo ao controle político do eixo Minas - São Paulo; “Café paulista,/leite
mineiro/nacionalista/bem brasileiro”.
Outro
compositor que se destacou na década de 20
foi Caninha (José Luiz de
Moraes) autor do sucesso Quem vem
atrás, fecha a porta(1920)
e do samba Esta Nega qué me dá
(1921). José Francisco de Freitas compôs em 1924 o samba Miserê, e no carnaval
de 1929 sua composição Dorinha meu
amor, foi sucesso absoluto.
A
década de 30 instala o período mais fértil da música de carnaval. Suas
variantes: marcha-rancho, marchinha, frevo, samba, samba-enredo, batucada,
compõem o espectro sonoro da folia brasileira, das canções mais melancólicas e
reflexivas, às alegres, satíricas e maliciosas. A cantiga carnavalesca
tornou-se a medula da grande festa popular e de tal forma que já em 1930 a Casa
Edison promoveu um concurso com as composições para o carnaval daquele ano. O
vencedor foi Ary Barroso com a marchinha Dá
Nela: “ essa mulher há muito tempo me
provoca./dá nela,/dá nela/ é perigosa, fala mais que pata choca./ dá
nela/dá nela.”
A
partir daí, a marchinha – safada ou paródica, politiqueira ou irônica –
adquiriu um sabor nitidamente carnavalesco. Sua sonoridade ficou tão vinculada
à imagem do carnaval que se tornou praticamente impossível sua dissociação. Um
exemplo claro disso é PIERRÔ
APAIXONADO (1936) de Noel Rosa e
Heitor dos Prazeres. Ainda no carnaval de 30 despontou a marchinha que
consagraria Carmen Miranda - TAÍ ( Pra você gostar de mim), de
Joubert de Carvalho.
Outros
sambas de qualidade que se tornaram grandes sucessos carnavalescos foram Até Amanhã , de Noel Rosa, muito
cantado no carnaval de 1933, e Meu
consolo é você, samba do caricaturista Nássara, em parceria com Roberto
Martins, que emprestou brilho ao carnaval de 1939.
Mais
tarde, durante a década de 60, a música estritamente de carnaval enveredaria
por flagrante decadência – mas no passo da mulata, num namoro de confete com a
serpentina, na cor de uma fantasia, ficaria aceso o aviso de que no entanto é
preciso cantar, como disseram Vinicius de Moraes e Carlos Lyra na Marcha da
quarta-feira de cinzas.
FONTE:
NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
ABRIL
CULTURAL - 1979
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