segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

DORIVAL CAYMMI - CENTENÁRIO DE NASCIMENTO - PARTE V




OS ARTISTAS AMIGOS FALAM DE CAYMMI  AMIGO E ARTISTA
 
Domingo. No mormaço da tarde, Caymmi está sentado na varanda. É uma casinha simpática, com um limoeiro no quintal. Segura o violão mas não dedilha suas cordas.
Folheia um livro sobre cinema, mas não o lê. O calor está muito forte e ele olha distraído para a filhinha Nana  que brinca no chão.
Quase sem se dar conta, levanta-se, vai para o cavalete, pega o carvão e começa a desenhar- uma palmeira, um rosto amigo, uma natureza morta, a paisagem da Bahia que conserva na memória. Seus dedos acostumados a criar melodias, inventam formas, volumes e cores.
Em 1930, na Bahia, Caymmi frequentou um curso de desenho e aprendeu os rudimentos acadêmicos (desenhar modelos de gesso, como dar a impressão de volume, etc.) que mais tarde o ajudariam no caminha das artes plásticas. Em sua casa do Grajaú, no Rio de Janeiro, instalou o cavalete, comprou telas, papel de desenho, carvão, grafite, pincéis, tintas, e começou a pintar. O trabalho nas rádios deixava-lhe tempo para esse prazer.
- Sou um lírico em pintura, gosto da harmonia das cores; por outro lado não posso me desprender da forma. Meu ideal seria uma pintura que correspondesse em cores às harmonias de Bach. A pintura funciona em mim de um modo todo especial. Não sou um pintor de domingos, como Churchill ou Eisenhower, mas também não chego a ser cem por cento pintor. Tenho um compromisso com a canção, que é, de fato, a minha maneira de exprimir. Em geral, com meus quadros satisfaço interiormente certas frustrações musicais.
No final da década de 40, dedicou-se intensamente à pintura, embora não se tornasse pintor profissional. Na roda de artes plásticas, fez vários amigos, procurando aprender com eles. Augusto Rodrigues, Pancetti, Portinari e Clovis Graciano, recebiam a visita do baiano com sua paixão pela arte, sem distinção de escola: Giotto, Masaccio, Tintoretto, Cézanne, Gauguin, Utrillo, Matisse.  E não perdia qualquer exposição de Pancetti, Graciano, Guignard.
A pintura nunca impediu que Caymmi fizesse boas músicas. Antes, ajudou: suas canções retratam, em pinceladas vigorosas e coloridas, o homem, o mar e o ambiente da Bahia. Assim como seus quadros transmitem a sonora poesia de sua terra natal. Na época em que mais pintava, fez duas de suas melhores composições musicais:  O VENTO e FESTA DE RUA.
Em 1956, Caymmi participou da Exposição dos Artistas de Rádio realizada na então Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Apresentou seis quadros, entre eles o retrato do cronista Rubem Braga e de Rui Dias, padrinho de seu filho Danilo.






DEPOIMENTO DOS AMIGOS

RUBEM BRAGA – Cronista

Caymmi é um pintor sério, que trabalha devagar e não procura efeitos fáceis nem truques de primitivo  de araque. Já o vi pintar muitos dias: ele fez um retrato meu. Primeiro desenhou, fez uns quatro ou cinco desenhos no papel, afinal um na tela. Aí pegou o pincel  e foi pintando com tinta muito rala – um óleo sem volume, mas também sem simplismo, sem placas coloridas, com uma certa sabedoria de mistura, uma fineza de tons. Gastou três sessões, e possivelmente mais de uma garrafa de uma cachaça muito especial que eu tinha naquele tempo, feita em alambique de louça de uma velha fazenda do Estado do Rio, guardada em tonel de carvalho. E ali estou eu: não precisamente como sou agora, mas como eu era, há cerca de 20 anos atrás. No fundo – como acontecia de verdade naquele apartamentinho de Ipanema -, o mar, algumas ilhas e dois pinheiros que havia ali, dois pinheiros que deram muito trabalho , porque ficavam parecendo duas torres de aço, dessas para a exploração de petróleo.
Tenho vários retratos meus, um deles desenhado com muito capricho, também em várias sessões, por Cândido Portinari. Mas o meu jeito de ser, meio triste e meio bobo, está mesmo naquele retrato feito pelo pintor Dorival Caymmi.

GENARO DE CARVALHO – Tapeceiro e Pintor

Caymmi é o repórter e o poeta do mar. Considero-o um dos mais importantes e dignos representantes desta cidade. Homem do povo, com aspirações, temperamento e vivência desse povo. A sua poesia é um canto,  um canto de amor.

MÁRIO CRAVO – Escultor

Caymmi representa perfeitamente a ideia que temos da cultura e da sensibilidade baiana. A amizade que não somente eu, mas a Bahia tem com Caymmi, data de muitos anos. A Bahia é Dorival.








VINICIUS DE MORAES – poeta (1970)

“ Acontece que eu sou baiano” – disse ele, num de seus melhores sambas. E é realmente difícil encontrar alguém mais baianamente dengoso que Caymmi, apesar de sua grande quilometragem carioca. Sua barriga redonda e cheia de ritmo que, parece dançar por conta própria quando ele canta – a barriga de um homem que viveu e amou a vida -, é o retrato da Bahia. Como, de resto, sua cor; a malemolência de seus olhos, quando interpreta; e o balanço gordo  e descansado do seu samba: samba que parece ter o visgo gostoso do ar da Bahia, feito de calor e brisa; o quebranto de suas ladeiras, por onde as baianas descem desmanchando as ancas;  a untuosidade pungente de suas comidas e seus pirões afrodisíacos e a misteriosa claridade de seu luar, que o fez dizer, num verso de mais alta poesia, em sua canção sobre a lagoa do Abaeté; “ a noite tá que é um dia...”
Caymmi constitui, a meu ver como Pixinguinha, Noel Rosa, Antonio Carlos Jobim e agora, despontando no amanhecer, Chico Buarque, um dos cinco grandes solitários da música popular brasileira.  E assim é meu Caymmi: grande sábio, vasto, intenso; um excelso mandarim baiano, que ainda representa melhor que ninguém esse berço mestiço da nacionalidade que é sua Bahia nativa, onde os preconceitos não têm cor e a falta de bossa não tem vez.

CLOVIS GRACIANO  - Pintor e desenhista

O desenho e a pintura de Caymmi são quase de um profissional, embora ele não dê importância a isso. Tem grande facilidade para desenhar, transmitindo perfeitamente bem o que ele pensa e transformando em desenho tudo o que ele quer, com grande inspiração e técnica bem realizada. Mesmo que se ignorasse o nome de Caymmi como compositor e músico e só se conhecesse o pintor, mesmo assim ele estaria à altura de vários pintores que fazem sucesso.
Caymmi não está preso a uma escola. Ele faz parte da arte contemporânea, que vem desde o impressionismo e vai até as formas mais avançadas. Ele é mais equilibrado e, como é um pintor que usa mais os temas da Bahia, sabe interpretá-los dentro dessa escola, dentro dessa maneira de pintar.
Caymmi, para mim, está entre os pintores de renome do Brasil. Está muito bem colocado e não faz feio entre eles.

CARIBÉ – Desenhista e Pintor

Caymmi não tem época. Ele é específico, é a força vital e a poesia de nossa terra. Caymmi é o dengo da Bahia, é a saudade da Bahia, é a tristeza da Bahia, as praias, é o sol.





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