sexta-feira, 17 de março de 2017

HEITOR VILLA-LOBOS - II

                                         


                               



Os acontecimentos relacionados à vida de Villa-Lobos estão cercados de lendas, muitas das quais ele próprio se encarregava de difundir. Nascido no Rio de Janeiro, no dia 5 de março de 1887, no seio de uma típica família  de classe média ilustrada. Seu pai, Raul Villa-Lobos, de ascendência espanhola, era professor e funcionário público. Nas horas vagas dedicava-se à música, tocando fagote, violoncelo e clarinete. Aliás, foi ele um dos fundadores da Sociedade de Concertos Sinfônicos, a primeira entidade do gênero na capital da República. Sua influência sobre a definição da carreira do filho como músico foi muito grande. Já a mãe, Noêmia Monteiro Villa-Lobos, desejava vê-lo médico e proibiu-lhe o estudo de piano. Apesar da oposição materna, seu pai dava-lhe aulas de violoncelo e clarinete, e uma tia (Zizinha), boa professora de piano, o fez apaixonar-se pelo Cravo Bem Temperado, de Bach. Para a formação do gosto musical de Villa-Lobos foram importantes, também, os longos serões que seu pai organizava com os amigos, executando peças camerísticas.
Quando o compositor contava apenas onze anos, o pai faleceu, deixando a família em dificuldades econômicas. A mãe, mulher de grande energia, viu-se obrigada a trabalhar como simples lavadeira e passadeira para prover o sustento dos filhos. Alguns anos depois, o próprio compositor teve de contribuir para o orçamento da família e passou a tocar violoncelo em cafés da cidade. Em tais condições, Villa-Lobos não pôde ter uma educação musical sistemática, mas, desde muito cedo, embebeu-se de muitos gêneros de música, desde as mais requintadas peças camerísticas até as mais simples formas populares. Entre estas últimas, particularmente importantes foram os choros, uma das mais características criações dos músicos amadores do Rio de Janeiro e que desempenharia papel fundamental na produção posterior de Villa-Lobos.
Na infância e na adolescência, Villa-Lobos impregnou-se dos ritmos populares nordestinos e das serestas e choros de sua cidade natal, o Rio de Janeiro. Aos 18 anos (1905), o jovem Heitor vendeu alguns livros da biblioteca do pai e partiu para o nordeste e o norte do país, chegando ate o Amazonas, a fim de conhecer melhor o rico folclore dessas regiões. A música dos cantadores populares, sua maneira característica de entoar as melodias, o timbre e a harmonia de seus primitivos instrumentos, as melopeias dos vaqueiros, o teatro popular, as danças dramáticas, a literatura de cordel e os desafios poéticos, todo esse rico acervo artístico constituiria, posteriormente, uma das bases da música de Villa-Lobos. De volta ao Rio de Janeiro, sua sede de aventura e saber levou-o a viajar para o sul do país. Durante oito meses trabalhou nos escritórios de uma fábrica de fósforos em Paranaguá, no Paraná, e dava recitais nas cidades vizinhas. Pesquisando a música folclórica da região não encontrou, contudo, a mesma riqueza do nordeste. Em 1907, regressou a Rio de Janeiro, mas, logo em seguida, partiu para São Paulo, Mato Grosso e Goiás.
Durante esse período de viagem, Villa-Lobos não parou de compor profusamente, mas foi apenas aos 20 anos de idade (1907) que escreveu sua primeira obra importante: CÂNTICOS SERTANEJOS, para flauta, clarinete e cordas. Nesse mesmo ano inscreveu-se na classe de harmonia do Instituto Nacional de Música, cujo titular era Frederico Nascimento, professor pelo qual sempre nutriu a maior admiração. Mas rotina acadêmica não estava em seu temperamento, e assim, abandonou o instituto. Daí em diante, tornou-se um completo autodidata e não cessou de viajar. Em uma dessas viagens, na Bahia, ouviu Debussy pela primeira vez. Posteriormente, o músico francês tornar-se-ia uma das principais influências em sua linguagem musical.
Em 1909, voltou ao Rio de Janeiro. Conta-se que, pouco antes, sua mãe, acreditando que ele tivesse falecido, mandara rezar missa por sua alma. Nessa época, Villa-Lobos escreveu duas pequenas óperas AGLAIA e ELISA, que dois anos depois fundiram-se em uma só IZATH. Nelas, encontram-se nítidas influências de Wagner e Puccini.  Influência ainda mais profunda, porém, foi a do Curso de Composição Musical,  obra teórica de Vincent D’Indy – o que pode ser constatado , por exemplo, na SINFONIA NR.1 (“IMPREVISTO”), de 1916  e na SINFONIA NR. 2 (“ASCENSÃO”),  de 1917. A data de 12 de novembro de 1915 representa um marco na vida do compositor. Nesse dia, Vila-Lobos deu um recital no Rio de Janeiro, com obras somente suas, e provocou vivas polêmicas nos meios oficiais da música erudita. Embora louvando o talento  de Vila-Lobos, o crítico conservador Oscar Guanabarino investiu contra as inovações do músico e nunca mais o deixaria em paz. Um dos seus artigos afirmava: “sem refletir no que escreve, sem seguir qualquer princípio, ainda que arbitrário, ele compõe  peças cheias de incoerências, cacofonias, verdadeiras aglomerações de notas (...)”. Muitos outros juntaram-se a Guanabarino para criticá-lo acerbamente: reconheciam seu talento, embora deplorassem que ele o utilizasse tão mal.  Mas Villa-Lobos tinha também seus defensores nos intelectuais e artistas de vanguarda.  Em 1917, o compositor foi estimulado por Darius Milhaud,  um dos principais representantes da nova música que se fazia na França e que, nessa época, era o secretário do poeta Paul Claudel, adido cultural da embaixada de seu país no Rio de Janeiro. Além disso, em 1919,  o grande pianista Arthur Rubinstein “descobriu” o músico brasileiro. Assim, em 1922, Villa-Lobos era o compositor mais discutido da Semana de Arte Moderna – realizada em São Paulo -, movimento estético que se constituiu num dos marcos da história da cultura brasileira.

Em 1923, o compositor partiu para a capital francesa, onde, cheio de autoconfiança que era uma das marcas de sua personalidade, declarou: “Não vim estudar com ninguém; vim mostrar o que fiz”. Os anos que se seguiram foram de grande produtividade e de grande sucesso junto à vanguarda da música europeia. O grande público reagiu negativamente e se escandalizou com suas inovações, mas Florent Schmitt, Edgar Varèse, Stokowski e outros saudaram com entusiasmo os novos elementos musicais que ele trazia do folclore e da música popular brasileira. Diaghilev, o grande coreógrafo que revolucionara o balé russo e o difundira no Ocidente, projetou levar ao palco uma de suas cirandas, mas faleceu quando estava quase tudo pronto para o espetáculo.  A estada em Paris durou até o final da década, entremeada por viagens ao Brasil e concertos em Buenos Aires, Londres, Viena,  Berlim e várias outras cidades europeias. Nesse período, surgiram algumas das melhores criações de Villa-Lobos, entre elas a série de CHOROS, o NONETO e as CIRANDAS.  Para viver em Paris, o compositor recebia ajuda de amigos do Brasil, entre os quais o milionário Carlos Guinle, e dava aulas no Conservatório Internacional de Fontainebleau.  No final da década, porém, sua situação financeira tornou-se insustentável, entre outras razões, porque não podia mais receber a subvenção que lhe vinha do Brasil, em virtude da revolução que ali rompera. Como resultado disso, seus bens chegaram a ser penhorados e leiloados, inclusive várias partituras de suas obras.



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