UMA
PRODUÇÃO MONUMENTAL EXTREMAMENTE VARIADA
Villa-Lobos é um dos compositores mais prolíficos
que se conhece. Dificilmente se encontrará um músico que tenha composto um tão
grande número de peças, em tão variadas formas, para tão diferentes combinações
de instrumentos e vozes. E, como esse imenso acervo até hoje não foi
inteiramente arrolado, não se pode afirmar, com certeza, quantas obras ele
compôs. Utilizando critérios diversos de
classificação, os estudiosos apontam cifras extremamente divergentes: “Villa-Lobos realizou um trabalho criador
extraordinário como quantidade, ultrapassando suas composições a soma de
seiscentas” ( Juan Carlos Paz);
Extremamente prolífico e imaginativo, ele escreveu por volta de mil
obras(...)” ( Gerald Béhauge); “ Ele escreveu mais de duas mil obras(...)”
(David Ewen); “ A enorme produção de
Villa-Lobos, mas de três mil obras, (...)” (Everett Helm). Na verdade, os
dezessete quartetos para cordas, as doze sinfonias, as nove Bachianas
Brasileiras, os catorze choros, os mais de 26 poemas sinfônicos e balés, além
dos mais de duzentos títulos dedicados ao piano, parecem ser apenas a ponta de
um enorme iceberg ainda não inteiramente explorado.
É claro que esse monumental acervo resultou, em
primeiro lugar, da extraordinária capacidade inventiva de Villa-Lobos.
Satisfazendo-se com poucas horas de sono, ele dispunha de muito tempo para
dedicar-se à sua atividade predileta – escrever música, o que ele fazia com a
mesma facilidade com que uma pessoa comum redige uma carta. Seu alto grau de
habilidade técnica permitia-lhe compor uma obra com extrema rapidez e de
maneira quase automática; sabe-se, por exemplo, que era capaz de compor
enquanto conversava ou jogava uma partida de bilhar. É importante lembrar que a
autocrítica não era o seu forte e que muito raramente Villa-Lobos revisava um
trabalho; por isso mesmo sua obra apresenta altos e baixos, e resenhá-la a
contento é tarefa árdua. Mas, apesar das dificuldades, pode-se destacar algumas
de suas obras mais significativas e, com isso, formar-se uma ideia de sua
importância na história da música brasileira e de como Villa-Lobos se enquadra
no panorama internacional do século XX.
Em 1913, Villa-Lobos já tinha uma meia centena de
composições, entre as quais uma suíte de CÂNTICOS SERTANEJOS, em que se
encontram suas primeiras elaborações de
materiais temáticos do folclore brasileiro. No final da mesma década, seus poemas
sinfônicos e bailados, sobretudo UIRAPURU e AMAZONAS, utilizam elementos
rítmicos e harmônicos da música popular, enquanto suas peças para piano, A
PROLE DO BEBÊ e A LENDA DO CABLOCLO
valem-se de melodias infantis muito difundidas no país.
A década de 20 constitui o período em que o
compositor criou um maior número de obras importantes; é o caso, sobretudo, dos
catorze CHOROS, que têm como ponto de partida um tipo de música do mesmo nome
muito em voga no Rio de Janeiro da infância e adolescência do compositor. Inspirando-se nessa fonte, Villla-Lobos criou
uma série de peças que, segundo suas próprias palavras, “representavam uma nova
forma de composição musical brasileira indígena e popular, tendo por elementos
principais o ritmo e qualquer melodia típica de caráter popular que aparece vez
por outra, acidentalmente, sempre transformada segundo a personalidade do
autor”, e na qual “os processos harmônicos são, igualmente uma utilização
completa do original”. Cada um dos CHOROS é bem distinto dos demais, tanto em
seu caráter intrínseco, quanto em sua instrumentação, variando desde o simples
solo de violão, bem próximo de suas origens populares (nº 1), até um vigoroso
concerto para piano e orquestra (nº 11),
passando por formações camerísticas pouco comuns, como a do nº 7 ( flauta, oboé, clarinete,
saxofone-alto, fagote, violino, violoncelo e tam-tam). Dentre todos, destaca-se
o de nº 5 intitulado “ALMA BRASILEIRA”, um solo de piano que é uma das obras
mais executadas do artista: e o de nº
10, denominado “RASGA CORAÇÃO”, para
orquestra e coro misto e que constitui uma das mais ricas criações de Villa-Lobos.
Nessa peça, o autor assimila alguns dos melhores avanços da música do século
XX, utilizando de modo original e criativo os instrumentos de percussão, novos
elementos rítmicos e a politonalidade e a atonalidade por meio de blocos
dissonantes de notas.
Os anos 20 foram também os de suas melhores
composições para piano solo. Entre elas, destacam-se o RUDEPOEMA
e as CIRANDAS. Escrito entre 1921 e 1926 e dedicado ao pianista Arthur
Rubinstein, o Rudepoema é uma peça longa e de dificílima intepretação, na qual
o compositor pretendeu retratar musicalmente o homenageado. De forma livre e
rapsódica, essa partitura é de um movimento impetuoso e extrema vitalidade
rítmica, utilizando tão extensamente o piano que faz o instrumento parecer uma
orquestra. Por isso mesmo, o próprio autor orquestrou a obra em 1932. Já as Cirandas constituem um ciclo de versões
eruditas de cantigas de roda muito populares no Brasil; de grande virtuosidade,
essas peças colocam o intérprete diante de consideráveis dificuldades. Outra
criação dos anos 20 que merece destaque especial é o NONETTO, composto em 1923,
para flauta, oboé, clarinete, saxofone, fagote, violoncelo, celesta, harpa,
piano, coro misto e bateria (reco-reco, chocalho, coco, etc.). Trata-se de uma
obra que se constrói por ecos estabelecidos entre o grupo instrumental e o
vocal, formando um verdadeiro mosaico de sons cujas relações não são captadas
de imediato pelo ouvinte.
Entre 1930 e 1945,
a obra que mais se destaca na produção do compositor é a série de nove
BACHIANAS BRASILEIRAS. Como os choros,
cada uma das Bachianas tem
instrumentação diferente das outras:
orquestra de violoncelos (nº 1); orquestra sinfônica (nº2); piano e
orquestra (nº4); voz e oito violoncelos (nº5); flauta e fagote (nº6); orquestra
(nºs 7 e 8); cordas ou orquestra de vozes (nº9). O traço comum dessa série tão
diversificada é sua inspiração na obra de Johann Sebastian Bach, que o próprio compositor
considerava “a fonte universal da música”. As Bachianas são construídas à semelhança de uma suíte de danças,
geralmente precedidas por um prelúdio e terminando por um movimento em forma de
fuga ou de tocata. Segundo Villa-Lobos,
os elementos característicos da técnica contrapontística de Bach e do Barroco
em geral encontram-se, sob as mais variadas formas, na música folclórica
brasileira, e o que ele fez foi aproximar essas coisas aparentemente tão
distantes. Entre as Bachianas,
destacam-se, particularmente, a Segunda e a Quinta. O quarto movimento da de número 2 – Tocata, subintitulado “
O TRENZINHO DO CAIPIRA” – constitui
uma das peças que entraram definitivamente para o repertório neoclássico da
música do século XX. E a Bachiana
n°5, sobretudo por seu primeiro movimento (Ária), tornou-se uma peça executada
em todo o mundo, integrando o repertório dos grandes sopranos.
ORQUESTRA PAULISTANA DE VIOLA CAIPIRA
O TRENZINHO DO CAIPIRA - ( BACHIANAS BRASILEIRAS NR. 2)
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