quinta-feira, 2 de março de 2017

PIXINGUINHA - NASCE UM SAXOFONISTA

NASCE UM SAXOFONISTA


PIXINGUINHA, BADEN POWELL, JOÃO DA BAIANA
tocam LAMENTO no documentário SARAVAH, de 1969, de Pierre Barouh


O celébre Stokowsky, chegando ao Brasil em 1940, ficou surpreendido com o baixo nível dos conjuntos que tocavam nas estações de rádio brasileiras. Como tinha vindo especialmente para supervisionar a gravação de discos da melhor música popular dos países latino-americanos, resolveu consultar o compositor Heitor Villa-Lobos. Ex-violoncelista do cinema Odeon e velho amigo de Pixinguinha, Villa-Lobos não hesitou em indicá-lo  como a maior autoridade no assunto. Pixinguinha reuniu Donga, João da Baiana, Cartola, Luís Americano, Zé da Zilda, Jararaca, Ratinho e outros bons instrumentistas para gravar a bordo do NAVIO URUGUAI oito discos que seriam vendidos nos Estados Unidos. “Um cumprimento ao chegar, um elogia entusiasmado na hora de sair”, foi o contato com Stokowsky, nas palavras de Pixinguinha.
Na década de 40, desaparece o flautista -o bom copo que sempre foi, tornou suas mãos trêmulas, tirando-lhe a firmeza para empunhar o instrumento. Em 1946, abandonou a flauta pelo saxofone, o mesmo instrumento que experimentara em Paris e que tocara esporadicamente até então. Mas não se separou da flauta: seu novo companheiro era Benedito Lacerda, bom flautista.  A nova dupla gravou alguns dos mais belos chorinhos: UM A ZERO, SOFRES PORQUE QUERES, PROEZAS DO SÓLON, OITO BATUTAS, O GATO E O CANÁRIO, AINDA ME RECORDO  e outros. Benedito Lacerda figura como co-autor, mas elas são apenas de Pixinguinha, que lhe dava parceria pela divulgação que o flautista fazia dos chorinhos.
O solista Pixinguinha restringia-se agora a um discreto contracanto no sax-tenor, enquanto se destacava a flauta de Benedito Lacerda. E, embora as gravações fossem boas, os críticos afirmam que o saxofonista Pixinguinha estava longe do genial flautista de  outros tempos.
Na década de 50, Pixinguinha, com mais de cinquenta anos, ficou meio esquecido. Era a época do samba-canção, dos boleros e tangos, da música de “fossa”, oposta ao estilo saltitante do chorinho. Foi quando os velhos sambistas se arregimentaram, promovendo o FESTIVAL DA VELHA GUARDA, que se realizou em São Paulo, em 1954. Novamente com os inseparáveis João da Baiana e Donga, Pixinguinha formou o conjunto VELHA GUARDA, que no ano seguinte foi elemento fundamental do sucesso da revista produzida por Zilco Ribeiro na boate Casablanca: O SAMBA NASCE DO CORAÇÃO. Entre 1955 e 1956, o Velha Guarda  gravou três LPs para a Sinter.
Com o advento da bossa nova veio também a redescoberta dos melhores valores de nossa música popular. Pixinguinha, em 1962, teve nas mãos uma atividade inteiramente nova em seus cinquenta anos de carreira musical: criar a trilha sonora para o filme SOL SOBRE A LAMA, junto com Vinicius de Moraes. Fez quatro novas músicas, musicas, mas o grande momento da parceria foi quando  Vinicius colocou letra no velho LAMENTO.

                                              PIXINGUINHA E VINICIUS DE MORAES

Em 1964 ocorreu o enfarte que lhe tirou “ as melhores coisas da vida”. Internado numa casa de saúde, compôs 20 músicas, quase todas valsas. -“ Durante os 20 dias que fiquei lá, fiz uma música por dia; eu estava triste e para exprimir a tristeza, nada melhor do que uma valsa”. As músicas falam de acontecimentos diários: SOLIDÃO, MAIS QUINZE DIAS, NO ELEVADOR, MAIS TRÊS DIAS, VOU PARA CASA.

Depois de Vinicius de Moraes, veio Hermínio Bello de Carvaho- HARMONIA DAS FLORES, ISSO É QUE É VIVER e duas músicas para festivais: FALA BAIXO e ISTO NÃO SE FAZ.


70 ANOS DE IDADE- COMEMORAÇÃO NO PAÍS INTEIRO  -


Pixinguinha torna-se notícia de jornal, exposição de museu, concerto sinfônico, seção especial da Assembleia Legislativa. Tem que contar sua vida para muitos jornalistas, recebe chave de cidade, medalha de mérito do trabalho e abraço de velhos companheiros e jovens admiradores.  Com seu grande sorriso e lágrima nos olhos, responde a todas as perguntas:
- “Minha música preferida é o chorinho INGÊNUO, que pouca gente conhece”.
-“ E CARINHOSO, que ainda hoje é cantarolada pelos jovens?” Fiz em 1923, mas ficou engavetada 14 anos. Era muito simples e eu tinha vergonha de mostrar. Então, o João de Barro fez a letra, e o Orlando Silva gravou.
Vai falando das viagens, das orquestras, dos velhos amigos. Fica triste, pois ainda agora morreu Raul Palmieri, o único Batuta, além de Pixinguinha e Donga, que estava vivo.
- “Estou aposentado”. Não estava se referindo  ao cargo de professor de música do colégio Vicente Licínio. Em abril de 1968, ele estava dizendo que se aposentara da música popular brasileira.
-“ hoje só quero saber de sossego e de viver em paz com todo mundo. Tenho medo que a morte me apanhe de surpresa. Quero morrer tranquilamente”.
E de fato Pixinguinha viveu seus últimos anos numa rotina de paz e sossego. Saía de casa de manhã, chegava na Wisqueria Gouveia por volta das 11 horas, ficava até a tarde conversando com os amigos da velha guarda – João da Baiana, Carijó, Fabi, às vezes Lúcio Rangel- e bebendo água mineral (o uísque lhe estava proibido). 
-“Daqui saio para casa, vejo minha televisão, calmamente, e pronto: vou dormir. E trato de música, sempre com carinho”. Essa rotina sofreu um abalo de monta em julho de 1972, quando morreu sua mulher.  A falta de Albertina entristeceu-o profundamente.”
No dia 17 de fevereiro de 1973, Pixinguinha saiu para batizar um “neto” (um de seus “filhos dos outros”). Chegou à igreja em Ipanema, pouco antes das quatro da tarde, em companhia do filho adotivo Alfredo, a nora e o pequeno Oscar Rodrigo que ia ser batizado. Enquanto a cerimonia não começava ficaram conversando com alguns amigos, até que a respiração ofegante de Pixinguinha chamou a atenção de todos. Mas não houve tempo para a equipe médica  chamada às pressas fizesse nada. Às quatro e meia, Pixinguinha morreu na sacristia da Igreja da Paz, aos 74 anos. Fora, a chuva começava a cair.






O DESCONHECIDO VELHO MESTRE

Um baú guardado em casa abrigava mais de 2/3 de sua obra. Alfredo descobriu esse precioso material inédito do pai adotivo e convocou os mais variados parceiros post-mortem, esperando com isso divulgar a música de Pixinguinha.
Ainda assim, a maior parte das composições de ALFREDO DA ROCHA VIANNA JUNIOR, permanece desconhecida do grande público. Ele nunca havia se preocupado  em divulgá-la: achava que era “uma inspiração que vem de cima”. Até hoje, apenas os que amam  a música como o velho mestre a amava conseguiram trabalhar nesse arquivo.(É o caso dos flautistas Altamiro Carillo e Carlos Poyares, que, em 1975, gravaram um disco com trabalhos inéditos de Pixinguinha).
Na Wisqueria Gouveia, existe uma cadeira vazia com uma tarja preta. Sobre a mesa, um copo com uma rosa dentro onde “São Pixinguinha” bebia. Seu lugar não será de mais ninguém”
NOTA: matéria publicada em 1976.






Tu és, divina e graciosa
Estátua majestosa do amor
Por Deus esculturada
Da alma da mais linda flor
E formada com ardor
Se Deus me fora tão clemente
De mais ativo olor
Que na vida é preferida pelo beija-flor
Aqui nesse ambiente de luz
Pregado e crucificado sobre a rósea cruz
Formada numa tela deslumbrante e bela
Teu coração junto ao meu lanceado
Tu és de Deus a soberana flor
Do arfante peito seu
Tu és a forma ideal
Estátua magistral oh alma perenal
Do meu primeiro amor, sublime amor
Em vozes tão dolentes como um sonho em flor
Tu és de Deus a criação
Que em todo coração sepultas um amor
O riso, a fé, a dor
És láctea estrela
Em sândalos olentes cheios de sabor
Eu hei de sempre amar-te
És mãe da realeza
És tudo enfim que tem de belo
Em todo resplendor da santa natureza
Perdão, se ouso confessar-te
Em conduzir-te um dia
Oh flor meu peito não resiste
Oh meu Deus o quanto é triste
Que mais me faz penar em esperar
A incerteza de um amor
Ao pé do altar
Hei de envolver-te até meu padecer
Jurar, aos pés do Onipotente
Em preces comoventes de dor
E receber a unção da tua gratidão
Em nuvens de beijos
Depois de remir meus desejos
De todo fenecer


Fonte: NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA - 1976
Fotos: Google
Vídeos: Youtube

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