NASCE UM
SAXOFONISTA
tocam LAMENTO no documentário SARAVAH, de 1969, de Pierre Barouh
O
celébre Stokowsky, chegando ao Brasil em 1940, ficou surpreendido com o baixo
nível dos conjuntos que tocavam nas estações de rádio brasileiras. Como tinha
vindo especialmente para supervisionar a gravação de discos da melhor música
popular dos países latino-americanos, resolveu consultar o compositor Heitor
Villa-Lobos. Ex-violoncelista do cinema Odeon e velho amigo de Pixinguinha,
Villa-Lobos não hesitou em indicá-lo
como a maior autoridade no assunto. Pixinguinha reuniu Donga, João da
Baiana, Cartola, Luís Americano, Zé da Zilda, Jararaca, Ratinho e outros bons
instrumentistas para gravar a bordo do NAVIO
URUGUAI oito discos que seriam vendidos nos Estados Unidos. “Um cumprimento
ao chegar, um elogia entusiasmado na hora de sair”, foi o contato com
Stokowsky, nas palavras de Pixinguinha.
Na
década de 40, desaparece o flautista -o bom copo que sempre foi, tornou suas
mãos trêmulas, tirando-lhe a firmeza para empunhar o instrumento. Em 1946,
abandonou a flauta pelo saxofone, o mesmo instrumento que experimentara em Paris
e que tocara esporadicamente até então. Mas não se separou da flauta: seu novo
companheiro era Benedito Lacerda, bom flautista. A nova dupla gravou alguns dos mais belos
chorinhos: UM A ZERO, SOFRES PORQUE
QUERES, PROEZAS DO SÓLON, OITO BATUTAS, O GATO E O CANÁRIO, AINDA ME RECORDO e
outros. Benedito Lacerda figura como co-autor, mas elas são apenas de
Pixinguinha, que lhe dava parceria pela divulgação que o flautista fazia dos
chorinhos.
O
solista Pixinguinha restringia-se agora a um discreto contracanto no sax-tenor,
enquanto se destacava a flauta de Benedito Lacerda. E, embora as gravações
fossem boas, os críticos afirmam que o saxofonista Pixinguinha estava longe do
genial flautista de outros tempos.
Na
década de 50, Pixinguinha, com mais de cinquenta anos, ficou meio esquecido.
Era a época do samba-canção, dos boleros e tangos, da música de “fossa”, oposta
ao estilo saltitante do chorinho. Foi quando os velhos sambistas se
arregimentaram, promovendo o FESTIVAL DA VELHA GUARDA, que se realizou em São
Paulo, em 1954. Novamente com os inseparáveis João da Baiana e Donga,
Pixinguinha formou o conjunto VELHA GUARDA, que no ano seguinte foi elemento
fundamental do sucesso da revista produzida por Zilco Ribeiro na boate Casablanca: O SAMBA NASCE DO CORAÇÃO.
Entre 1955 e 1956, o Velha Guarda gravou
três LPs para a Sinter.
Com
o advento da bossa nova veio também a redescoberta dos melhores valores de
nossa música popular. Pixinguinha, em 1962, teve nas mãos uma atividade
inteiramente nova em seus cinquenta anos de carreira musical: criar a trilha
sonora para o filme SOL SOBRE A LAMA, junto com Vinicius de Moraes. Fez quatro
novas músicas, musicas, mas o grande momento da parceria foi quando Vinicius colocou letra no velho LAMENTO.
PIXINGUINHA E VINICIUS DE MORAES
Em
1964 ocorreu o enfarte que lhe tirou “ as melhores coisas da vida”. Internado
numa casa de saúde, compôs 20 músicas, quase todas valsas. -“ Durante os 20 dias
que fiquei lá, fiz uma música por dia; eu estava triste e para exprimir a
tristeza, nada melhor do que uma valsa”. As músicas falam de acontecimentos
diários: SOLIDÃO, MAIS QUINZE DIAS, NO ELEVADOR, MAIS TRÊS DIAS, VOU PARA CASA.
Depois
de Vinicius de Moraes, veio Hermínio Bello de Carvaho- HARMONIA DAS FLORES,
ISSO É QUE É VIVER e duas músicas para festivais: FALA BAIXO e ISTO NÃO SE FAZ.
70 ANOS DE IDADE-
COMEMORAÇÃO N O PAÍS INTEIRO -
Pixinguinha
torna-se notícia de jornal, exposição de museu, concerto sinfônico, seção
especial da Assembleia Legislativa. Tem que contar sua vida para muitos
jornalistas, recebe chave de cidade, medalha de mérito do trabalho e abraço de
velhos companheiros e jovens admiradores.
Com seu grande sorriso e lágrima nos olhos, responde a todas as
perguntas:
-
“Minha música preferida é o chorinho INGÊNUO, que pouca gente conhece”.
-“
E CARINHOSO, que ainda hoje é cantarolada pelos jovens?” Fiz em 1923, mas ficou
engavetada 14 anos. Era muito simples e eu tinha vergonha de mostrar. Então, o
João de Barro fez a letra, e o Orlando Silva gravou.
Vai
falando das viagens, das orquestras, dos velhos amigos. Fica triste, pois ainda
agora morreu Raul Palmieri, o único Batuta, além de Pixinguinha e Donga, que
estava vivo.
-
“Estou aposentado”. Não estava se referindo
ao cargo de professor de música do colégio Vicente Licínio. Em abril de
1968, ele estava dizendo que se aposentara da música popular brasileira.
-“
hoje só quero saber de sossego e de viver em paz com todo mundo. Tenho medo que
a morte me apanhe de surpresa. Quero morrer tranquilamente”.
E
de fato Pixinguinha viveu seus últimos anos numa rotina de paz e sossego. Saía
de casa de manhã, chegava na Wisqueria Gouveia por volta das 11 horas, ficava
até a tarde conversando com os amigos da velha guarda – João da Baiana, Carijó,
Fabi, às vezes Lúcio Rangel- e bebendo água mineral (o uísque lhe estava
proibido).
-“Daqui
saio para casa, vejo minha televisão, calmamente, e pronto: vou dormir. E trato
de música, sempre com carinho”. Essa rotina sofreu um abalo de monta em julho
de 1972, quando morreu sua mulher. A
falta de Albertina entristeceu-o profundamente.”
No
dia 17 de fevereiro de 1973, Pixinguinha saiu para batizar um “neto” (um de
seus “filhos dos outros”). Chegou à igreja em Ipanema, pouco antes das quatro
da tarde, em companhia do filho adotivo Alfredo, a nora e o pequeno Oscar
Rodrigo que ia ser batizado. Enquanto a cerimonia não começava ficaram
conversando com alguns amigos, até que a respiração ofegante de Pixinguinha
chamou a atenção de todos. Mas não houve tempo para a equipe médica chamada às pressas fizesse nada. Às quatro e
meia, Pixinguinha morreu na sacristia da Igreja da Paz, aos 74 anos. Fora, a
chuva começava a cair.
O DESCONHECIDO
VELHO MESTRE
Um
baú guardado em casa abrigava mais de 2/3 de sua obra. Alfredo descobriu esse
precioso material inédito do pai adotivo e convocou os mais variados parceiros
post-mortem, esperando com isso divulgar a música de Pixinguinha.
Ainda
assim, a maior parte das composições de ALFREDO DA ROCHA VIANNA JUNIOR,
permanece desconhecida do grande público. Ele nunca havia se preocupado em divulgá-la: achava que era “uma inspiração
que vem de cima”. Até hoje, apenas os que amam
a música como o velho mestre a amava conseguiram trabalhar nesse
arquivo.(É o caso dos flautistas Altamiro Carillo e Carlos Poyares, que, em
1975, gravaram um disco com trabalhos inéditos de Pixinguinha).
Na
Wisqueria Gouveia, existe uma cadeira vazia com uma tarja preta. Sobre a mesa,
um copo com uma rosa dentro onde “São Pixinguinha” bebia. Seu lugar não será de
mais ninguém”
NOTA:
matéria publicada em 1976.
Tu és, divina e graciosa
Estátua majestosa do amor
Por Deus esculturada
Da alma da mais linda flor
E formada com ardor
Se Deus me fora tão clemente
De mais ativo olor
Que na vida é preferida pelo beija-flor
Aqui nesse ambiente de luz
Pregado e crucificado sobre a rósea cruz
Formada numa tela deslumbrante e bela
Teu coração junto ao meu lanceado
Tu és de Deus a soberana flor
Do arfante peito seu
Tu és a forma ideal
Estátua magistral oh alma perenal
Do meu primeiro amor, sublime amor
Em vozes tão dolentes como um sonho em flor
Tu és de Deus a criação
Que em todo coração sepultas um amor
O riso, a fé, a dor
És láctea estrela
Em sândalos olentes cheios de sabor
Eu hei de sempre amar-te
És mãe da realeza
És tudo enfim que tem de belo
Em todo resplendor da santa natureza
Perdão, se ouso confessar-te
Em conduzir-te um dia
Oh flor meu peito não resiste
Oh meu Deus o quanto é triste
Que mais me faz penar em esperar
A incerteza de um amor
Ao pé do altar
Hei de envolver-te até meu padecer
Jurar, aos pés do Onipotente
Em preces comoventes de dor
E receber a unção da tua gratidão
Em nuvens de beijos
Depois de remir meus desejos
De todo fenecer
Fonte: NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA - 1976
Fotos: Google
Vídeos: Youtube
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