A imensa
produção de Villa-Lobos e as inovações que ela continha, ao trazer para o
cenário internacional elementos especificamente brasileiros até então
desconhecidos, provocaram grande admiração e profundos elogios nos principais
centros musicais do mundo. Mas também não faltaram críticas contundentes. O
compositor e teórico argentino Juan Carlos Paz, por exemplo, lamenta as
“inconsequências de conduta estilística que o conduzem a uma espécie de caos
típico de uma mentalidade pouco sutil, ao mesmo tempo que abarrotada de
literatura convencional e de clichês sentimentais”. Esse mesmo crítico
refere-se também à “enorme e caótica produção do compositor, que,
esteticamente, oscila entre um verismo pucciniano e um objetivismo à
Stravinsky, um sentimentalismo primário e um transbordamento habitual para o
ruidoso, o desmesurado ou o incontrolado (...)”. E Juan Carlos Paz conclui
afirmando que a “obra total de Villa-Lobos, esmiuçada ao máximo das
possibilidades, oferece, substancialmente, uma interminável sucessão de efeitos
de harmonia e de timbre; o resto pode ser filiado mais à música literária,
pitoresca, eclética, de características romântico-realistas de tipo
straussiano, de redundante prolongamento oitocentista”. Claude Samuel, outro
crítico de renome, vai ainda mais longe ao considerar o autor das Bachianas
Brasileiras “um pálido epígono de Claude Debussy, tingido de wagnerismo e
puccinismo, orientado para a grandiloquência, à maneira de um Shostakovitch,
mas sem as atenuantes deste último nem sua habilidade”. Para Claude Samuel, em
resumo, há em Villa-Lobos o melhor e o pior. “ O melhor provém do folclore
indígena ou brasileiro e possui, para nós, um perfume original e saboroso; o
melhor reside também no fôlego de um músico ‘generoso’ e numa certa riqueza
instrumental. O pior se reconhece facilmente na herança ‘clássica’ empregada
por este músico. Enquanto um Bartók associa o folclore a uma linguagem musical
própria de sua época, Villa-Lobos, que parece totalmente indiferente à
evolução musical do século XX, se refugia em fórmulas ultrapassadas e não as
revivifica”.
Essas críticas procedem, em parte, mas, ainda assim,
a obra de Villa-Lobos se impõe como uma das contribuições importantes da música
do século XX e, principalmente, como a mais alta expressão da arte musical
brasileira. Ninguém como ele soube elevar a tão alto nível os elementos
específicos da tradição musical popular e folclórica do país; “ele foi o Brasil
em música” – como disse David Ewen. Animado, desde a adolescência, pelo anseio
de expressar musicalmente a própria terra, Villa-Lobos criou uma obra
especificamente brasileira, o que se revela – segundo Renato de Almeida - “ na própria substância musical, no emprego
de modalidades rítmicas e melódicas populares e nas formas e processos de
composição”. As velhas melodias populares, os processos variados e peculiares
de ritmar e modular, os efeitos de determinadas sonoridades dos conjuntos
típicos, algumas vozes ameríndias, tudo isso constituiu um manancial rico e
abundante para ele. Com esses elementos, Villa-Lobos criou uma obra que, embora
irregular, transcendeu seus limites nacionais e assumiu um valor universal. Seu
contemporâneo Ronald de Carvalho parece ter sido quem melhor aprendeu seu
significado e sua natureza íntima: “ Sua arte é masculina, imperiosa,
estabelece uma série de problemas que somos obrigados a resolver
rapidamente(...). Para exprimir o turbilhão vital, inventa ritmos que os
movimentos cotidianos lhe sugerem. Sua lógica está na forma que, de espaço a
espaço, surge enriquecida e renovada de sua sensibilidade. O tecido de seu
contraponto é opulento, cheio de combinações inesperadas e originais, o mesmo
acontecendo com os seus ornamentos harmônicos, de uma simplicidade requintada.
Essa riqueza de técnica, entretanto, só lhe dá mais força à inspiração, pois
lhe oferece uma soma de recursos enorme. Seus desenvolvimentos não são
repetições mais ou menos mascaradas, não são exteriores, mas lógicos e
profundos. Seu desenho melódico revela uma inteligência aguda, mordaz, um
espírito ágil que voa e revoa sobre o espetáculo universal, sem se deixar
prender um só minuto.”
Fonte:
MESTRES DA MÚSICA - Abril Cultural
- 2ª. Edição – 1982
Fotos:
Google
Vídeos:
Youtube
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