sexta-feira, 17 de março de 2017

HEITOR VILLA LOBOS - V

 
                                                                       
                                                 
                                                                     


A  imensa produção de Villa-Lobos e as inovações que ela continha, ao trazer para o cenário internacional elementos especificamente brasileiros até então desconhecidos, provocaram grande admiração e profundos elogios nos principais centros musicais do mundo. Mas também não faltaram críticas contundentes. O compositor e teórico argentino Juan Carlos Paz, por exemplo, lamenta as “inconsequências de conduta estilística que o conduzem a uma espécie de caos típico de uma mentalidade pouco sutil, ao mesmo tempo que abarrotada de literatura convencional e de clichês sentimentais”. Esse mesmo crítico refere-se também à “enorme e caótica produção do compositor, que, esteticamente, oscila entre um verismo pucciniano e um objetivismo à Stravinsky, um sentimentalismo primário e um transbordamento habitual para o ruidoso, o desmesurado ou o incontrolado (...)”. E Juan Carlos Paz conclui afirmando que a “obra total de Villa-Lobos, esmiuçada ao máximo das possibilidades, oferece, substancialmente, uma interminável sucessão de efeitos de harmonia e de timbre; o resto pode ser filiado mais à música literária, pitoresca, eclética, de características romântico-realistas de tipo straussiano, de redundante prolongamento oitocentista”. Claude Samuel, outro crítico de renome, vai ainda mais longe ao considerar o autor das Bachianas Brasileiras “um pálido epígono de Claude Debussy, tingido de wagnerismo e puccinismo, orientado para a grandiloquência, à maneira de um Shostakovitch, mas sem as atenuantes deste último nem sua habilidade”. Para Claude Samuel, em resumo, há em Villa-Lobos o melhor e o pior. “ O melhor provém do folclore indígena ou brasileiro e possui, para nós, um perfume original e saboroso; o melhor reside também no fôlego de um músico ‘generoso’ e numa certa riqueza instrumental. O pior se reconhece facilmente na herança ‘clássica’ empregada por este músico. Enquanto um Bartók associa o folclore a uma linguagem musical própria de sua época, Villa-Lobos, que parece totalmente indiferente à evolução musical do século XX, se refugia em fórmulas ultrapassadas e não as revivifica”.
Essas críticas procedem, em parte, mas, ainda assim, a obra de Villa-Lobos se impõe como uma das contribuições importantes da música do século XX e, principalmente, como a mais alta expressão da arte musical brasileira. Ninguém como ele soube elevar a tão alto nível os elementos específicos da tradição musical popular e folclórica do país; “ele foi o Brasil em música” – como disse David Ewen. Animado, desde a adolescência, pelo anseio de expressar musicalmente a própria terra, Villa-Lobos criou uma obra especificamente brasileira, o que se revela – segundo Renato de Almeida -  “ na própria substância musical, no emprego de modalidades rítmicas e melódicas populares e nas formas e processos de composição”. As velhas melodias populares, os processos variados e peculiares de ritmar e modular, os efeitos de determinadas sonoridades dos conjuntos típicos, algumas vozes ameríndias, tudo isso constituiu um manancial rico e abundante para ele. Com esses elementos, Villa-Lobos criou uma obra que, embora irregular, transcendeu seus limites nacionais e assumiu um valor universal. Seu contemporâneo Ronald de Carvalho parece ter sido quem melhor aprendeu seu significado e sua natureza íntima: “ Sua arte é masculina, imperiosa, estabelece uma série de problemas que somos obrigados a resolver rapidamente(...). Para exprimir o turbilhão vital, inventa ritmos que os movimentos cotidianos lhe sugerem. Sua lógica está na forma que, de espaço a espaço, surge enriquecida e renovada de sua sensibilidade. O tecido de seu contraponto é opulento, cheio de combinações inesperadas e originais, o mesmo acontecendo com os seus ornamentos harmônicos, de uma simplicidade requintada. Essa riqueza de técnica, entretanto, só lhe dá mais força à inspiração, pois lhe oferece uma soma de recursos enorme. Seus desenvolvimentos não são repetições mais ou menos mascaradas, não são exteriores, mas lógicos e profundos. Seu desenho melódico revela uma inteligência aguda, mordaz, um espírito ágil que voa e revoa sobre o espetáculo universal, sem se deixar prender um só minuto.”



                                                                  


                                                                 




            

Fonte: MESTRES DA MÚSICA -  Abril Cultural -  2ª. Edição – 1982
Fotos: Google
Vídeos: Youtube


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