segunda-feira, 22 de maio de 2017

NOEL ROSA E O CINEMA - VI




Em setembro,  voltou para o Rio:  saíra com 45 quilos , voltava com 57. Por que não retomar a antiga vida? O médico advertiu: se não continuasse o tratamento, teria apenas dois anos de vida. Para Noel era o suficiente; preferia dois anos bem vividos, do que sobreviver sem cigarros, bebidas, mulheres e samba. Havia também trabalho para fazer. Surgiram os primeiros filmes musicais brasileiros, produzidos pelo americano W. Downey: “Alô, Alô Brasil” e  “Alô, Alô Carnaval”.  Neste, lançado em fevereiro de 1936, estavam incluídas duas músicas de Noel:  NÃO RESTA A MENOR DÚVIDA,  com Hervê Cordovil (você é uma pequena que não resta a menor dúvida?/Oh, dúvida./ E eu por sua causa já não pago a minha dívida/ oh, dívida?) e PIERRÔ APAIXONADO, com Heitor dos Prazeres. Deveria entrar também PALPITE INFELIZ, cantado por Aracy de Almeida, mas numa época que os cenários eram todos “tropicais”, cheios de palmeiras, bananas e abacaxis, Noel surpreendeu com suas imposições: queria Aracy lavando roupa no tanque, tendo ao fundo um humilde quintal cheio de roupas no varal. A cantora, embora muito amiga de Noel, não gostou da ideia  e Palpite infeliz foi excluído do filme.
Para louvar o Rio, Carmen Santos produziu e Humberto Mauro dirigiu, em1936, Cidade Mulher.  Noel fez seis músicas para o filme, inclusive a marcha CIDADE MULHER. Gozando a moda dos paletós com enchimentos, escreveu com Vadico  TARZAN, O FILHO DE ALFAIATE:
 Quem foi que disse que eu era forte?
Nunca pratiquei esporte.
 Nem conheço futebol.
O meu parceiro
 Sempre foi o travesseiro,
E eu passo um ano inteiro;
Sem ver um raio de sol.
 A minha força bruta reside
 Em um clássico cabide.
Já cansado de sofrer.
Minha armadura
 É de casimira dura
Que me dá musculatura
    Mas que pesa e faz doer.”

Fez ainda MORENA SEREIA  e  NA BAHIA, ambas com  José Maria de Abreu. NUMA NOITE A BEIRA MAR  e DAMA DO CABARÉ, a música inspirada por Ceci.
O prazo de dois anos do Dr.  Graça Melo se escoava. Para cúmulo, em novembro de 1936 surgiu-lhe um  doloroso abscesso na face esquerda, operado pelo vizinho, o dentista Bruno de Morais. Precisava novamente de ares da serra, e precisava novamente da ajuda dos amigos para poder viajar.
Em Janeiro de 1937 foi para Nova Friburgo, mas voltou vinte dias depois por causa do frio. Estava fraco, sem ânimo para a boemia e ficou alheio mesmo ao carnaval.
Em abril, nova viagem, para Barra do Piraí. Sofria sem queixas: “para que incomodar os outros?”  Melhor fazer um samba :” quem  é que já sofreu mais do que eu?  Quem é que já me viu chorar? Sofrer foi um prazer que Deus me deu, eu sei sofrer sem reclamar. (...) Saber sofrer é uma arte e pondo a modéstia à parte eu posso dizer que sei sofrer”  ( EU SEI SOFRER).




EU SEI SOFRER - ARACY DE ALMEIDA

A 25 de abril escreveu uma carta para a mãe, assinada apenas com seu perfil, que ele tanto gostava de desenhar. No dia 29 compôs uma embolada: CHUVA DE VENTO ,  o mesmo ritmo de sua primeira composição. 
A 1º de maio, visitando a represa do Ribeirão das Lajes, Noel sentiu violentos arrepios de frio; sobreveio a febre e a hemoptise. Lindaura resolver voltar para o Rio. No dia 4, na Rua Teodoro da Silva, enquanto na festinha do nº 385, casa de Vicente Gagliano, tocavam animadamente De Babado, no nº 392, Noel dizia para Helio, o irmão que velava à sua cabeceira: “ Estou me sentindo mal; quero virar para o outro lado”. Ao virar, sua mão tamborilou alguns momentos sobre a mesinha de cabeceira. Depois as batidas foram esmorecendo, e seu coração parou.



ARACY DE ALMEIDA 

Estava morto Noel Rosa, o cantor da Vila. Pouco depois chegaram Aracy de Almeida e Benedito Lacerda para anunciar a gravação de EU SEI SOFRER. Era a primeira gravação póstuma, de uma série infindável. Músicas como FEITIÇO DA VILA e FEITIO DE ORAÇÃO,  que venderam apenas duzentas e poucas cópias enquanto Noel era vivo, se transformariam em clássicos da música popular.
Como ele disse em QUEM DÁ MAIS, seu samba, “feito nas regras da arte”, “exprime dois terços”, não do Rio de Janeiro, mas do Brasil inteiro.


                                    BETH CARVALHO - ONDE ESTÁ A HONESTIDADE

FONTE: Nova História da Música Popular Brasileira –
              Abril Cultural – 1976
FOTOS: Google
VÍDEOS: Youtube


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