segunda-feira, 22 de maio de 2017

NOEL ROSA E VADICO - IV




                                                            FEITIO DE ORAÇÃO


Mas o grande parceiro de Noel foi Osvaldo Gogliano, o Vadico. Conheceram-se em 1932 no estúdio da Odeon apresentados  por Eduardo Souto.  E logo frutificou o encontro do Poeta da Vila com o compositor paulista. Vadico tocou uma melodia que compusera e Noel escreveu  FEITIO DE ORAÇÃO:
Quem acha vive se perdendo
Por isso agora vou me defendendo
Da dor tão cruel desta saudade
Que por infelicidade
O meu pobre peito invade.

Batuque é um privilégio
Ninguém aprende samba no colégio
Sambar é chorar de alegria
E sorrir de nostalgia
Dentro da melodia.

Por isso agora lá na Penha eu vou mandar
Minha morena pra cantar com satisfação
E com harmonia essa triste melodia
Que é meu samba em feitio de oração.

O samba, na realidade,
Não vem do morro
Nem lá da cidade
E quem suportar uma paixão
Sentirá que o sambo então,
Nasce do coração.


A segunda música de Vadico e Noel foi uma segunda obra-prima:

“Quem nasce lá na Vila,
Nem sequer vacila
Ao Abraçar o samba,
Que faz dançar os galhos do arvoredo
E faz a lua nascer mais cedo”







Esse FEITIÇO DA VILA, verdadeiro  hino de Vila Isabel, acabou inserido no que se chamou  “polêmica Noel  x Wilson Batista”. Tudo começou quando Noel ouviu o samba  Lenço no Pescoço: “meu chapéu  de lado,/ tamanco arrastando,/ lenço no pescoço,/ navalha no bolso,/ eu passo gingando./  Provoco desafio,/ eu tenho orgulho de ser vadio.”  Noel não gostou da exaltação da malandragem e, sem conhecer Batista, compôs  RAPAZ FOLGADO:

“Deixa de arrastar o teu tamanco,
Pois tamanco nunca foi sandália.
Tira do pescoço o lenço branco.
Compra sapato e gravata,
Joga fora essa navalha
Que te atrapalha.
Com chapéu de lado desta rata,
Da polícia quero que te escapes
Fazendo um samba-canção
Já te dei papel e lápis;
Arranja um amor e um violão”.

Tempos depois quando Noel e Vadico  lançara m FEITIÇO DA VILA, Batista voltou à carga com Conversa Fiada: “ é conversa fiada/ dizerem que os sambas/ na Vila têm feitiço:/eu fui ver pra crer/ e não vi nada disso”.  A reposta de Noel foi o famoso PALPITE INFELIZ:

“ Quem é você que não sabe o que diz?
“Meu Deus do Céu que palpite infeliz”.

Wilson Batista ainda fez Frankstein da Vila e Terra de cego, atacando Noel pessoalmente. Mas tudo não passou de brincadeira de sambistas e os dois “adversários” tornaram-se grandes amigos.
A parceria com Vadico ainda produziu oito sambas, entre os melhores de Noel:
MAIS UM SAMBA POPULAR - PRA QUE MENTIR - CONVERSA DE BOTEQUIM – SÓ PODE SER VOCÊ – TARZAN, O FILHO DO ALFAITATE – CEM MIL RÉIS – PROVEI – QUANTOS BEIJOS,  todos demonstrando perfeito entrosamento entre letra e música.
O fato de, em geral, ser impossível distinguir os sambas de parceria dos sambas unicamente de Noel, mostra que o autor da letra influenciava o parceiro músico, Noel não era apenas um excelente  letrista: era um compositor popular completo.  Com música e poesia ele se despede da amada:
“Até amanhã, se Deus quiser
Se não chover eu volto pra te ver, ó mulher
De ti gosto mais que outra qualquer.
Não por gosto, o destino é que quer”

Samba que deu forma definitiva à despedida. Em versos simples e perfeitos, que definem sua maneira romântica de encarar a vida e a morte ele falou  da despedida definitiva:

                                                               FITA AMARELA
 Quando eu morrer, não quero choro nem vela
Quero uma fita amarela, gravada com o nome dela.
Se existe alma, se há outra encarnação,
Eu queria que a mulata sapateasse no meu caixão
Não quero flores, nem coroas com espinho
Só quero choro de flauta, violão e cavaquinho.”

Meus inimigos
Que hoje falam mal de mim
vão dizer que nunca viram
uma pessoa tão boa assim.




 NOEL ROSA  -FRANCISCO ALVES - MARIO REIS - 


Observando a alta sociedade:  “que promove festivais de caridade em nome de qualquer defunto ausente”, Noel pergunta: ONDE ESTÁ A HONESTIDADE?  Parece que não a encontrou, pois ao relacionar as coisas típicas do país ela não foi incluída:
 “ baleiro, jornaleiro, motorneiro, condutor e passageiro, prestamista e vigarista.../ E o bonde que parece uma carroça... /coisa nossa.../ Muito nossa/  O samba, a prontidão e outras bossas são nossas coisas,.../ são coisas nossas!”.
A relação inclui ainda a “ menina que namora na esquina e no portão”, o “rapaz casado com dez filhos, sem tostão”, esquecendo de mencionar quase que somente o futebol...
Coisa nossa é ainda JOÃO NINGUÉM, “que não é velho, nem moço./Come bastante no almoço/ para esquecer do jantar” e “ não trabalha um só minuto/, mas joga sem ter vintém e vive a fumar charuto”.  Noel Rosa retratou esse tipo humano que “nunca se expôs ao perigo, nunca teve um inimigo, nunca teve opinião”.
A música de Noel adequava-se perfeitamente ao espírito das letras:
Ela é brejeira em COM QUE ROUPA? MULHER INDIGESTA. VOCÊ VAI SE QUISER. MULATO BAMBA, versos que fazem a caricatura de tipos ou situações. Ela é lenta e melancólica em ÚLTIMO DESEJO e SILÊNCIO DE UM MINUTO. EU SEI SOFRER, letras tristes e sentimentais, que são a característica principal de suas últimas composições.
Fazendo caricaturas, exaltando seu bairro, criticando a sociedade, descrevendo tipos e situações urbanas, falando de seus encontros e desencontros amorosos, Noel é sempre o mesmo poeta inovador. Rompe as convenções poéticas, renova o vocabulário, encontra rimas surpreendentes, traz novos temas, permanecendo como um dos maiores letristas na história da nossa música popular.





FONTE: Nova História da Música Popular Brasileira –
              Abril Cultural – 1976
FOTOS: Google
VÍDEOS: Youtube

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