A Escola de Samba Visinha
Faladeira, com “s” mesmo e de curta vida: 1932-1940, conquistou
o título de campeão do carnaval de 1937 com o enredo A Origem do Samba. Seu reduto de formação era a Saúde, bairro localizado
entre o cais do porto e a Central do Brasil.
Desde
1935, a escola já espantava os assistentes apresentando seus condutores de harmonia trazendo
megafones-cornetas, para melhor orientar o canto dos componentes. E mais:
gambiarras de petromax (conjunto de refletores feitos com lampiões a querosene)
para iluminar a escola durante a apresentação;
o carro de pede-passagem elaborado em pasta; suas pastoras vestidas em
lamê de 42 mil-réis o metro; fogos de artifício a fim de alertar o público para
o desfile; e, para estupor das escolas pobres, sua comissão de frente – vestida
de terno branco de flanela, gravata borboleta e cravo preto na lapela –
desfilou em pé nos estribos de dez “landolés” ( como se chamavam então, os
carros abertos, de luxo, usados nos casamentos pomposos).
E
tanto fez a Visinha Faladeira
que em 1939 acabou sendo eliminada do concurso oficial de samba por não
apresentar enredo baseado em tema nacional: seu assunto, naquele ano ano, foi Branca
de Neve e os Sete anões. No
ano seguinte, a escola desfilou na Praça Onze e, ao se aproximar do júri,
contornou o palanque em sinal de protesto.
Em
1947, um golpe de Estado na direção da
Escola de Samba Prazer da
Serrinha deixou seu todo-poderoso diretor Alfredo Costa com a escola
quase vazia. Os dissidentes fundaram, então a Império Serrano, que surpreenderia a todos, inovando pelo luxo das
fantasias e pelo tratamento mais refinado de seus carros alegóricos.
Muitos
dos seus figurantes eram portuários e, graças a algumas facilidades
profissionais, tinham acesso a produtos importados que colocavam a escola em
condição de superioridade frente às concorrentes. Assim, a Império Serrano se fez
tetracampeão, no período de 1948 a 1951. Sua primeira vitória quebrou a
hegemonia mantida pela dupla Portela-Mangueira,
vencedora dos carnavais de 1939 a 1947. Tantas
foram as pressões e as brigas de rua em Madureira, com os portelenses, que a Império
conseguiu criar a Federação das Escolas
de Samba. E fez mais: o governo municipal reconheceu a Federação como
responsável pelo desfile oficial de sambistas. Assim, Portela e Mangueira, que se mantiveram fiéis à União Geral das
Escolas de Samba, tiveram seu desfile esvaziado e sem subvenção
oficial.
Então,
a Império Serrano se fez
absoluta. Até mesmo inovou na criação poética, pois o samba Tiradentes,
de Mano Décio da Viola, Penteado e Stanislau Silva, se contrapôs aos das concorrentes: tinha doze versos curtos, em
vez de quarenta ou cinquenta linhas, como era comum na época.
Somente em 1952 as escolas
voltaram a se reunir sob uma só entidade, a União.
Mas naquele ano a unificação não pode ser comemorada, por um fator alheio à
política carnavalesca: choveu de tal forma que não foi possível a realização do
desfile. Em 1953, a Portela
reassumiu a liderança. No ano seguinte, a
Mangueira fez as pazes com a vitória, cujo sabor não sentia há treze anos.
Em
1959, as escolas Unidos do Salgueiro, Depois
Eu digo, e Azul e Branco
uniram-se para forma a Acadêmicos do
Salgueiro. Na direção estava um comerciante de peixes, Nélson de Andrade, que, por não saber
tocar qualquer instrumento, sambar ou cantar, definiu-se com o neologismo
“sambeiro”. Contudo, detinha um poder que seria decisivo para a história de seu
núcleo e, até mesmo, para o destino das escolas de samba: sabia administrar
pensando no futuro.
Coube
a ele atrair para sua escola um valor que até
então os demais redutos de samba não haviam utilizado diretamente: o
intelectual. Pelas mãos de Nelson de Andrade, foram trabalhar na Acadêmicos do Salgueiro, Fernando Pamplona, Arlindo Rodrigues (
artistas plásticos), Nilton Sá, Dirceu
Nery e Mari Louise Nery ( pesquisadores).
-
o grande papel exercido por esse grupo – registra Fernando Pamplona – não
foi a introdução de elementos plásticos mais ricos, como as críticas iniciais
eram azedas em afirmar. Sua grande importância foi demonstrar que a era “dipiana”
estava acabada. A ditadura de Vargas, período em que o DIP (Departamento de
Imprensa e Propaganda) impôs a obrigatoriedade dos enredos extraído da História
do Brasil, havia acabado, mas as escolas mantinham essa tradição, por puro
comodismo.
Como
os redutos do samba eram integrados, sobretudo por negros, Dirceu e Mari Louise Nery
encontraram um enredo apropriado para a Salgueiro: O Quilombo dos Palmares.
-
Então, o que ocorreu – continua Pamplona – foi que o negro, habituado a contar
enredos onde os heróis eram brancos, pela primeira vez veio a exaltar elementos
valorosos de sua própria história, desconhecida por eles próprios, porque nos
bancos escolares o que se dedica a Zumbi
dos Palmares são poucas e esvaziadas linhas.
Essa
mesma temática do negro narrando sua história viria dar à Acadêmicos do Salgueiro
seu primeiro título , com o enredo Chica Da Silva, em 1963. Foi um choque para os críticos, e o clube
fechado das eternas campeãs ( Portela,
Mangueira, e Império Serrano). As maiores críticas voltaram-se contra um
balé apresentado pelo grupo folclórico de Mercedes Baptista.
Fernando Pamplona
define a razão de a Acadêmicos do
Salgueiro ter introduzido o balé, como parte da forma narrativa do enredo Chica
da Silva: - A apresentação da escola é
um exercício dramático, onde as fantasias, as alegorias e o próprio canto
narram uma história. E o balé estava
presente na história de Chica da Silva. As críticas foram terríveis, mas
ninguém se lembrou de que o grupo de Mercedes Baptista era de negros. E
recrutados onde? Nos redutos de samba, onde se podia ver o negro dançar.
Portanto, era mais uma exaltação ao valor do negro, que a maioria dos sambistas
desconhecia, por não ter acesso ao Teatro Municipal ou a qualquer outra sala
onde se exibisse balé.
Quanto
à introdução da riqueza, superpondo-se à representatividade do sambista, Fernando Pamplona explica: - aí , sim, entrou um elemento de
criatividade que foi inovador. O que fizemos foi utilizar melhor as cores da
escola – vermelho e branco - , dando maior destaque ao branco, que oferecia
melhor efeito, no contraste com o negro. Foi vestir melhor a bateria e
incorporar sua fantasia à narrativa do enredo. Aliás, aqui deve-se deslindar um
segredo: a bateria do Salgueiro
pareceu a todos haver crescido, melhorado. Isso deveu-se a um pequeno truque, a
introdução de microfones miniaturizados na cuíca – cujo som desaparecia,
normalmente, quando juntado ao grande número de peças que compõem uma bateria
de grande escola.
Do
grupo de artistas plásticos formados na Acadêmicos
do Salgueiro, saiu também João Jorge Trinta ( o Joãozinho Trinta),
que levou a Beija-Flor, aos trinta
anos de existência, a arrebatar seu primeiro título. E foi com um tema
inteiramente inusitado – Sonhar com Rei dá Leão – que aquela “escolinha”, lutando entre
o segundo e terceiro grupos, chegou ao fechado clube das campeãs, em 1976. No
ano seguinte, com o tema Vovó e o Rei da Saturnália na Corte
Egipciana, Joãozinho Trinta
repetia o feito, em 1978, chegava ao
tricampeonato com o enredo Criação do Mundo segundo a tradição Nagô.
Em
1979, Arlindo Rodrigues, também da
“escola salgueirense”, deu à Mocidade
Independente de Padre Miguel seu primeiro título, ao longo de trinta anos
de apresentações, com um tema tradicionalista: Descobrimento do Brasil.
FONTE:
NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
ABRIL
CULTURAL - 1979
Nenhum comentário:
Postar um comentário